Sérgio Figueiredo, do jornalismo para a gestão de “stakeholders” de Medina

Ministro contratou Sérgio Figueiredo como consultor, com o salário equivalente ao seu, para avaliar políticas públicas. Oposição critica favor político e Chega quer Medina no Parlamento.

Favores políticos, promiscuidade, o comentador contratado a contratar o contratador. São estas algumas das críticas à contratação de Sérgio Figueiredo, por ajuste direto, para prestar serviços de “consultoria estratégica especializada” ao Ministério das Finanças. A escolha de Fernando Medina está a gerar uma onda de críticas da esquerda e da direita parlamentar, tanto pelo modelo escolhido para celebrar o contrato com o ex-diretor de informação da TVI como pelo facto do ministro das Finanças ter sido comentador da TVI contratado por Figueiredo quando era diretor de informação da estação.

As reações sucedem-se, a última das quais do Chega, que entregou na Assembleia da República um pedido para ouvir Fernando Medina sobre esta contratação.

“Ao fim de sete anos, o Governo socialista decide contratar alguém para avaliação de políticas públicas. O PS não o fazia ou não confia nos serviços do Ministério das Finanças? É mais um exemplo do PS a governar em outsourcing”, começa por comentar Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da Iniciativa Liberal.

“O que não pode ser desconsiderado é o histórico existente. Sérgio Figueiredo contratou Fernando Medina para comentador televisivo, onde se assistiu ao cúmulo de comentar ou evitar comentar casos onde estava envolvido como presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Agora Medina contrata Sérgio. É o comentador contratado a contratar o contratador”, prossegue, acrescentando que “a proximidade patente nesta contratação leva a questionar se a proximidade entre Sérgio Figueiredo e o PS já existia quando exercia funções jornalísticas, em particular de direção”.

Na mesma linha, o Bloco de Esquerda. “A contratação de Sérgio Figueiredo é absolutamente criticável: Medina vai pagar uma avença ao amigo que já lha pagou na TVI. As escolhas públicas não podem estar reféns de redes de amigos ou do pagamento de favores. Mais um exemplo do pântano das maiorias absolutas”, escrevia de manhã no Twitter Pedro Filipe Soares, líder da bancada bloquista.

O que não pode ser desconsiderado é o histórico existente. Sérgio Figueiredo contratou Fernando Medina para comentador televisivo, onde se assistiu ao cúmulo de comentar ou evitar comentar casos onde estava envolvido como presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Agora Medina contrata Sérgio. É o comentador contratado a contratar o contratador.

Rodrigo Saraiva, presidente do Grupo Parlamentar da IL

No PSD, a reação é proferida por Duarte Pacheco. “Aquilo que o doutor Sérgio Figueiredo tem em experiência e competência reconhecidas é na política de comunicação, todos percebemos que as funções que estão adstritas são um disfarce para aquilo que é a grande preocupação do Governo, que é a área da comunicação“, diz em declarações à Rádio Renascença.

Também João Paulo Batalha, dirigente da Associação Frente Cívica, falava, em declarações à TSF, em “troca de simpatias”. “É preciso perceber se as pessoas que estão a ser pagas com dinheiro dos contribuintes têm currículo e competências para fazer o trabalho que lhes está atribuído”, diz. A forma como Sérgio Figueiredo foi contratado “permite deliberadamente esconder esse currículo, porque se estivesse a ser contratado para assessor do Gabinete do Ministro, o currículo teria de ser publicado e seria interessante perceber como é que o Governo justificaria”, continua o responsável da Frente Cívica.

O valor pelo qual o ex-diretor de informação da TVI foi contratado, 4.767 euros ilíquidos, também tem sido questionado. “Dá ideia que Sérgio Figueiredo vai estar contratado com ordenado equiparado ao de ministro para garantir que Medina seja minimamente popular, o que é difícil no Ministério das Finanças”, prossegue João Paulo Batalha.

Já na quarta-feira, dia 10, o dirigente comunista Bernardino Soares afirmou que a contratação de Sérgio Figueiredo foi feita com “critérios certamente discutíveis”.

Finanças em silêncio

O ECO tentou, junto do Ministério das Finanças, obter resposta para estas questões. Até ao momento, o ministério liderado por Fernando Medina não justificou a opção pelo ajuste direto, não esclareceu quais são, em concreto, as funções de Sérgio Figueiredo e também não disse porquê a escolha do ex jornalista para as desempenhar. O ECO também pediu ao Ministério das Finanças para comentar a alegada existência de “troca de favores” com esta contratação e perguntou se está previsto que Sérgio Figueiredo assuma funções em regime de exclusividade, ficando assim salvaguardados possíveis conflitos de interesses, ou se tem outros clientes e se são do conhecimento das Finanças.

Não respondendo até agora a nenhuma destas questões, o Ministério apenas remeteu as explicações dadas esta segunda-feira, quando confirmou a contratação dos serviços de Sérgio Figueiredo para “prestar serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas”.

Também foi dito que “considerando a especificidade das necessidades de consultoria em causa, o procedimento de contratação tomou a forma de ajuste direto, em conformidade com o estabelecido no Código dos Contratos Públicos (CCP), em particular no disposto no n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 18.º, bem como aos termos e fundamentos previstos no n.º 1 da alínea b) do artigo 27.º” e que “o contrato tem a duração de dois anos e prevê uma remuneração equiparada e limitada ao vencimento base do Ministro das Finanças”. Até ao momento, o contrato ainda não foi publicado no Portal Base, o que impede que se conheçam os seus detalhes, apesar de já ter iniciado funções no passado dia 29 de julho.

O ECO também tentou ouvir Sérgio Figueiredo, mas sem sucesso.

Sérgio Figueiredo apresenta-se neste momento como consultor de sustentabilidade freelance e já não tem carteira profissional. A sua contratação para consultor de Fernando Medina acontece exatamente dois anos e um mês após ter deixado a direção de informação da TVI, o que aconteceu na sequência da entrada de Mário Ferreira como acionista do grupo.

Um percurso perto do poder

No último ano, Sérgio Figueiredo foi apontado como estando na shortlist para a administração da empresa pública RTP, na sequência do concurso aberto pelo Conselho Geral Independente para substituir a administração liderada por Gonçalo Reis, mas a escolha recaiu na dupla Nicolau Santos e Hugo Figueiredo.

Antes de ingressar na TVI, onde esteve como diretor de informação de janeiro de 2015 até julho de 2020, Sérgio Figueiredo foi administrador da Fundação EDP e também da EDP Produção. Foi ainda nestes cargos, e quando já era conhecida a sua ida para a TVI, que publicou na sua coluna semanal no Diário de Notícias o artigo “Gosto de Sócrates”, texto em que assumia uma simpatia pessoal pelo ex-primeiro-ministro.

A liderança editorial da TVI ficou marcada pelo caso Banif. Uma notícia num rodapé em que antecipava o fecho do banco que levou a uma corrida aos depósitos nos dias seguintes. O Banif acabaria por ser integrado no Santander, mas aquela notícia foi alvo de uma acusação do Ministério Público, e foi mesmo a julgamento por crime de ofensa à reputação económica, assim como a própria TVI, mas foram ilibados em primeira instância já este ano de 2022. Antes, tinha entrada em confronto público com Augusto Santos Silva, por causa da cessação de colaboração do atual Presidente da Assembleia da República com a TVI. Santos Silva apelidou mesmo Sérgio Figueiredo de “Ayatollah de Barcarena”.

Sérgio Figueiredo é licenciado em Economia pelo ISEG, onde começou a sua atividade política, então na associação de estudantes da faculdade pelo PCP. Conheceu Joaquim Pina Moura, um destacado dirigente comunista à data (entretanto desaparecido), e é desse período uma fotografia em que aparece junto a Ferro Rodrigues, então professor no ISEG, e a Mário Centeno.

Sérgio Figueiredo chegou à EDP no consulado de António Mexia após sete anos como diretor do Jornal de Negócios, entre 2002 e 2009. Antes, entre, 1996 e 2001, liderou o Diário Económico. Agora vai voltar à Praça do Comércio, não para fazer entrevistas, mas para gerir os “stakeholders” das Finanças.

 

(Notícia atualizada no dia 10 com a posição do PCP)

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