Vender excedente de produção aumenta em 60% a rentabilidade de painéis solares
Em vez de oferecer o excedente da energia dos seus painéis solares à rede, venda-o a um comercializador de eletricidade. No orçamento familiar, 'ganha' duas ou três faturas por ano.
À imagem do que acontece com os bancos, também os comercializadores de eletricidade são cada vez mais pontos de venda de uma série de produtos e serviços para lá da venda de energia. O último filão desta estratégia comercial é a venda de painéis solares.
Nos sites dos principais comercializadores não faltam campanhas publicitárias a promover a compra de soluções de energia solar. A oferta, além dos painéis, inclui “instalação gratuita” e a possibilidade de o investimento ser feito “sem juros e sem qualquer investimento inicial”.
Além destes argumentos, os operadores lembram os seus clientes que a taxa de IVA sobre os painéis solares baixou de 23% para 6% e que, por isso, o preço final também é mais económico. A aplicação de uma taxa de IVA reduzida para painéis solares térmicos e fotovoltaicos foi aprovada no Orçamento de Estado para 2022, vigorando a partir de 1 de julho deste ano até 30 de Junho de 2025.
O investimento numa unidade de produção para autoconsumo (UPAC) tem como principal objetivo reduzir a fatura da eletricidade ao final do mês. Mas não é o único.
Vários comercializadores de kits de UPAC avançam que, em média, o retorno deste investimento será alcançado entre sete a dez anos. Mas estas contas têm uma grande subjetividade, pois estão fortemente dependentes do rácio de aproveitamento da energia produzida pelos painéis solares: quanto maior for o consumo da produção de energia solar, menor será a fatura da eletricidade ao final do mês e mais rápido será o retorno do investimento nos painéis.
O problema é que é muito difícil uma família consumir a totalidade da energia produzida pelos painéis solares, dado que são vários os períodos durante o dia em que a produção é superior ao consumo energético da casa. E quando isso acontece, na maioria dos casos, o excedente de produção é injetado na rede de forma gratuita.
Para evitar que isso aconteça, algumas famílias acabam por comprar baterias. Dessa forma, o excedente da produção da energia solar é armazenada para que possa ser consumido mais tarde. É uma solução perspicaz e lógica mas que ainda exige um investimento avultado. Numa UPAC pequena, com uma potência instalada de 1800 watts (seis painéis de 300w), por exemplo, dificilmente este investimento se justifica. Daí que a maioria dos consumidores encare o investimento num kit solar somente como uma solução para autoconsumo e nem se preocupe com o que produz em demasia. Mas será que essa visão mudaria se soubessem que entre 60% a 70% da energia que os painéis solares produzem é entregue à rede a troco de nada?
O lado bom da subida do preço da eletricidade
Segundo um trabalho académico desenvolvido por cinco investigadores e publicado em 2016 na revista “Applied Energy”, para uma família europeia média, o rácio de aproveitamento da energia produzida pelos painéis solares para autoconsumo, na ausência de baterias, varia entre 30% e 37%.
Segundo os investigadores, o valor tende a ser ligeiramente mais elevado nos países do sul da Europa. Ou seja, por mais eficiente que seja a gestão da energia produzida pelos painéis solares, a maioria é entregue à rede.
E se a maioria dos portugueses com UPAC ainda entrega este excedente à rede de forma gratuita, desde 2020, com a aprovação da nova lei do autoconsumo), são também cada vez mais os que retiram algum dinheiro do excesso de produção dos seus painéis vendendo-o aos comercializadores de eletricidade.
Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), estão atualmente a operar no mercado 29 comercializadores de eletricidade que disponibilizam ofertas para consumidores domésticos. Porém, de acordo com uma análise do ECO ao mercado, são apenas quatro os comercializadores que compram o excedente de produção de UPAC de pequena dimensão: Coopérnico, JafPlus, Ezu Energy e LuzBoa.
A maioria destes comercializadores está disponível em adquirir o excedente de produção mediante um preço fixo por megawatt-hora (Mwh) ou com base num preço indexado ao valor por Mwh praticado no mercado grossista de eletricidade ibérico (Mibel), que é publicado diariamente pelo OMIE, acrescido de uma comissão de gestão do comercializador.
De acordo com as ofertas atualmente em vigor, o modelo da fixação de preço revela-se muito pouco vantajoso para a carteira dos consumidores, em comparação com o modelo de preço indexado. Enquanto o preço oferecido pelos comercializadores no modelo de preço fixo varia entre 40 e 60 euros por Mwh, no caso do modelo de preço indexado situa-se nos 145 euros por Mwh, considerando a média do preço no Mibel nos últimos 12 meses.
Assumindo como exemplo uma UPAC com uma potência instalada de 1800w com uma taxa de aproveitamento para autoconsumo de 40%, que se traduz num excesso de produção média de 130 quilowatts-hora (kWh) por mês, optando pelo modelo fixo, a venda do excedente de produção geraria 94 euros por ano (cerca de 7,8 euros por mês). Optando pelo modelo do preço indexado, o orçamento familiar ganharia 226 euros por ano (cerca de 19 euros por mês), o equivalente a duas ou três faturas de eletricidade.
Entre as propostas dos quatro operadores que compram o excedente de produção a preço indexado aos consumidores, destacam-se as ofertas da LuzBoa e da Ezu Energia. Ambas apresentam um custo de gestão de 20%. A oferta da Coopérnico também tem o mesmo custo de gestão, mas como se trata de uma cooperativa, o serviço de compra de excedentes só está disponível para membros. E para se tornar num cooperante é necessário despender 60 euros para adquirir três títulos de capital. No caso da oferta da JAFplus, o custo de gestão é de 35%.
Como vender o excedente de produção à rede
O processo de venda do excedente de produção é relativamente simples. O primeiro passo é recorrer a um profissional certificado para instalar uma UPAC com uma potência superior a 350w.
Depois é preciso garantir que tem um contador bidirecional para que possa ser processado a energia produzida pelos painéis e, no processo de venda do excedente de produção, o contador possa fazer o registo bidirecional a cada 15 minutos (período de contagem do excedente que é injetado na rede). A substituição do contador antigo pelo novo contador “inteligente” terá de ser solicitada à e-Redes.
O passo seguinte é registar a UPAC na Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), para obter o registo de mera comunicação prévia ou o certificado de exploração (caso a potência instalada seja superior a 30kw) – algumas empresas instaladoras de UPAC responsabilizam-se por esta burocracia.
Para vender o excedente de produção é também necessário abrir atividade nas Finanças. Pode fazê-lo através do portal das Finanças e escolher o código 35133 do Código de Atividades Económicas (CAE). Caso o montante angariado da venda do excedente de produção seja inferior a 12500 euros anuais, está isento de IVA e existe dispensa de retenção na fonte de IRS. O mesmo sucedo para quem já tem atividade aberta e no ano anterior não faturou mais do que 12500 euros.
Por fim, só tem de celebrar um contrato de compra e venda da energia excedente com um comercializador e enviar toda a documentação. Não necessita de ser o mesmo comercializador a quem compra eletricidade. Pode celebrar o contrato de compra de eletricidade com um operador e um contrato de venda com outro.
Desta forma, além de utilizar os painéis solares para abater a fatura da eletricidade todos os meses, acabará também por ver a conta bancária engordar um pouco mais com a venda do excedente de energia que não consome. É um “dois em um” que aumenta consideravelmente a rentabilidade do investimento dos painéis solares.
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