Despedimentos, receitas em queda e muitas sondagens. Menos de dois meses depois, Twitter diz a Musk que é tempo de sair
Elon Musk comanda o Twitter desde outubro. Agora, por sua iniciativa, pôs o lugar à disposição numa sondagem. E milhões de utilizadores votaram pela saída. Recorde os dois meses de caos na liderança.
“Devo abandonar a liderança do Twitter?”, perguntou Elon Musk, esta segunda-feira, na rede social que comprou por cerca de 44 mil milhões de dólares (41 mil milhões de euros). Antes até do encerramento da votação, o resultado já era claro: “Sim.” Mas porque é os utilizadores do Twitter decidiram votar para tirar Musk, que tem mais de 122 milhões de seguidores, dos comandos da plataforma?
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Musk, um “agitador” que quer “estar na ribalta”
O envolvimento de Elon Musk no Twitter foi atribulado desde o início. Em abril, soube-se que o sul-africano comprou uma posição de 9,2% na empresa. Dias depois, o magnata confirmava a intenção de partir para a compra da totalidade da rede social.
Musk só oficializaria a compra sete meses depois, em outubro, após avanços e recuos no processo. Pelo meio, os receios de muitos investidores quase se tornaram reais: o detentor da Tesla chegou a anunciar que, afinal, ia desistir do negócio, acusando o Twitter de não cumprir com as suas obrigações contratuais, já que tinha impedido o acesso a dados e informações pedidas (nomeadamente, a quantidade de bots – contas automáticas – a vaguear pela rede social).
O Twitter acabaria por avançar contra Musk na Justiça, com o objetivo de o forçar a cumprir o acordo inicialmente estipulado. Para o empresário, a saída foi a de prosseguir com a compra da rede social. Em troca, exigiu que o Twitter deixasse cair o processo e aceitasse a sua proposta inicial: 44 mil milhões de dólares. Afinal, só quer “tentar ajudar a humanidade”, escreveu no Twitter.
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João Miguel Lopes caracteriza Musk como um “agitador” que procura “posicionar-se [no mercado] e estar na ribalta”. O professor de marketing do ISCA (Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro), defende que a prova disso foi a forma como negociou a compra da empresa: “Basta ver a estratégia usada: fazer uma oferta e depois desvalorizar a plataforma para, de alguma forma, voltar atrás com essa oferta, quase procurando uma descapitalização da imagem de marca que o Twitter tem.” E acrescenta: “Na minha opinião, esta não é a estratégia mais correta”.
Investidores retraem-se e receitas encolhem
Antes de Musk assumir a liderança do Twitter, as receitas da empresa já estavam a estagnar. Segundo o The Wall Street Journal, desde 2019 que a rede social não tem lucros anuais, sendo que o principal negócio tem sido a publicidade (que correspondeu a 90% dos lucros). Em 2021, a receita com origem nos anunciantes foi de cerca de 4,51 mil milhões de dólares, mas, este ano, desde a compra, já se registou uma quebra de 15% só nas receitas europeias.
O próprio empresário admitiu uma “uma queda massiva na receita” com anunciantes no início de novembro (cerca de um mês após a sua aquisição) e garantiu que o Twitter estava a perder quatro milhões de dólares diariamente. Para o sul-africano, a quebra no investimento deveu-se a “grupos de ativistas que pressionam os anunciantes, mesmo que nada tenha mudado no que toca à política de moderação de conteúdos” na plataforma.
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Essa política de moderação de conteúdos já era um tema frequente no discurso de Elon Musk ainda antes de este completar a aquisição do Twitter. Na véspera da concretização do negócio, escrevia aos anunciantes que a plataforma não se iria tornar num espaço onde “qualquer coisa pode ser dita sem qualquer consequência”.
Além disso, anunciou também que, na rede, iria existir “liberdade de expressão”, anunciando que “o pássaro está livre” no dia da formalização da compra. Mais tarde, porém, alertou que “liberdade de expressão não é liberdade de alcance”, pelo que tweets ofensivos e de ódio seriam desmonetizados, mas não proibidos. Musk terminou também com a moderação de desinformação relacionada com a Covid-19 e as vacinas.
Agora, “os anunciantes vão ter de tomar uma decisão: investir ou não nesta rede”, diz João Miguel Lopes. O professor de marketing continua: “Atualmente já estamos a ver, como consequência das decisões de Musk, muitos utilizadores a sair e a migrar para outras plataformas. Neste momento, sinto que há uma retração por parte dos investidores, porque há uma incógnita”.
As principais preocupações são: desconfiança face ao rumo da rede social, preocupação relativamente ao número de utilizadores que restará (que irá impactar os rácios de campanhas publicitárias) e a qualidade desses utilizadores, completa.
Neste momento, sinto que há uma retração por parte dos investidores porque há uma incógnita.
Em Portugal não existem dados “sobre o nível de investimento que as marcas portuguesas estão a fazer no Twitter”, esclarece a Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN). Mas João Miguel Lopes estima que serão cerca de 1,4 milhões de utilizadores. Já no que toca ao alcance da publicidade, há apenas 16,2% de penetração, “um número muito reduzido”.
Cortes na despesa para pagar empréstimos de Musk
A compra da rede social (no valor de 44 mil milhões de dólares) foi possível porque Musk vendeu ações da sua própria empresa, a Tesla, e obteve empréstimos de bancos como Bank of America, Morgan Stanley, BNP Paribas, Société Générale e até da Autoridade de Investimento do Qatar, segundo a Al Jazeera. Agora, os empréstimos serão pagos pelo Twitter e não pelo próprio Elon Musk, o que, conjuntamente com a queda de receitas da empresa, leva à necessidade urgente de gerar lucros e cortar nas despesas.
Por isso mesmo, recentemente, o empresário tentou recuperar o interesse e investimento publicitário por parte da Apple e Amazon através da oferta de incentivos, avançou a Reuters. Mas não ficou por aqui. Também relançou o Twitter Blue com novas funcionalidades, entre as quais o direito a ter o selo de verificação azul. A primeira vez que a empresa tentou esta abordagem, o resultado não foi o melhor: vários utilizadores fizeram-se passar por outras pessoas. Assim, surgiram outros dois subtipos de selo: dourado (para negócios) e cinzento (para membros do governo).
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Num segundo nível, não conseguindo atingir o seu objetivo, Elon Musk “fez aquilo que um gestor geralmente faz”, diz João Miguel Lopes: dispensou trabalhadores. Em novembro, cerca de 3.700 funcionários souberam por email que tinham sido despedidos. Uma semana depois, o empresário voltou atrás e chamou alguns deles de volta, entre acusações de despedimento abusivo, com alguns a argumentarem que não receberam o pré-aviso de 60 dias exigido por lei.
Além de anunciar o encerramento temporário dos escritórios, Musk tomou ainda decisões como: mudar a equipa jurídica do Twitter, despedir os responsáveis de alguns departamentos, não pagar a renda da sede da empresa nem dos escritórios espalhados pelo mundo e recusar pagar uma fatura de quase 200 mil dólares por voos privados feitos pelo próprio aquando da aquisição da empresa. O The New York Times acrescenta ainda que despediu a equipa da cozinha e listou todo o equipamento e eletrodomésticos (assim como algum material de escritório), para o leiloar.
Sondagens ditam o futuro da rede social
Desde que assumiu a liderança do Twitter, o empresário – que já perdeu o estatuto de homem mais rico do mundo – começou a recorrer a sondagens para tomar decisões relacionadas com o funcionamento da rede.
Uma das primeiras – que captou a atenção de vários utilizadores – dizia respeito à reativação da conta de Donald Trump (banido após a invasão do Capitólio, nos EUA, uma decisão “altamente idiota”, na ótica de Musk). Em 24 horas, mais de 15 milhões de utilizadores se manifestaram: 51,8% votou a favor do regresso do político norte-americano. Mas, desde que foi readmitido, Trump não fez qualquer publicação, utilizando apenas a sua própria rede social, Truth Social.
O mesmo aconteceu com vários jornalistas, após escreverem sobre o empresário e as decisões tomadas até ao momento e por, alegadamente, terem divulgado informação sobre a sua localização. Musk lançou uma sondagem a propósito da reativação das contas, mas antes foi confrontado pelas Nações Unidas e pela União Europeia, que o ameaçaram com sanções.
Esta terça-feira, a Reuters adiantou que a resposta a sondagens poderá tornar-se uma funcionalidade exclusiva dos subscritores. Isto porque, após um utilizador fazer essa sugestão, Musk concordou, dizendo que “o Twitter fará essa alteração”.
Até ao momento, Elon Musk respeitou o resultado de todas as sondagens, o que significa que, brevemente, o Twitter poderá vir a perder o seu atual líder. Assim, o objetivo do empresário pode estar em risco, nomeadamente “fazer com que a plataforma tenha uma espécie de ecossistema, onde seja possível a partilha de mensagens ou até fazer pagamentos”, esclarece João Miguel Lopes.
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