Sem alerta de tsunami, banca inicia procura de clientes em dificuldades com crédito
Caixa sem afluência de clientes para renegociar créditos. Novobanco inicia contactos esta semana e Banco CTT pede informações para calcular taxa de esforço. Banca com pressa para cumprir novas regras.
Desta vez não há alertas para um tsunami de incumprimentos, como se chegou a recear para o período após o fim das moratórias criadas na crise da pandemia. Ainda assim, o atual contexto de subida expressiva das taxas de juro e da escalada galopante da inflação não dá margem de descanso aos bancos, que começam agora a procurar os seus clientes em situação de maior aperto, muito “empurrados” pelas novas medidas criadas pelo Governo aliviar o impacto do agravamento da prestação da casa na vida das famílias.
É o caso do Novobanco, que “esta semana começará a contactar os clientes” para detetar indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou uma taxa de esforço significativa, como determinam as novas regras, segundo avançou fonte oficial da instituição financeira liderada por Mark Bourke ao ECO.
Na semana passada, o Banco CTT enviou um e-mail aos seus clientes a pedir informações financeiras, nomeadamente a declaração de IRS e comprovativos de rendimentos mensais, caso pretendam atualizar a taxa de esforço. Contactada, a instituição não respondeu a tempo da publicação deste artigo.
Na Caixa Geral de Depósitos (CGD), que já estava a negociar com 500 famílias antes do decreto-lei do Governo, fonte do banco público revelou ao ECO que “não há afluência de clientes aos balcões para a renegociação do crédito à habitação”, enquanto o BCP está a apontar o caminho do homebanking para o envio de “toda a documentação necessária” através de uma funcionalidade criada para o efeito, caso os clientes sintam necessidade de ajuda.
Já o BPI “vai disponibilizar, em breve, uma solução omnicanal para facilitar a comunicação com os clientes que venham a precisar de novas soluções para pagar os seus créditos”.
Festas “encurtam” prazos, mas bancos garantem que cumprem a tempo
Desde 25 de novembro, data em que entraram em vigor novas regras no âmbito da subida dos juros da casa, que os bancos estão obrigados a identificar os clientes em stress económico e a propor soluções para evitar o incumprimento. De acordo com o decreto-lei aprovado pelo Governo, a banca tem 45 dias – ou seja, têm até ao início da segunda semana de janeiro – para fazer todo este trabalho.
Mas num período marcado pelas festas de Natal e de Ano Novo, há o risco de todo este processo acabar por marcar passo. Contudo, os bancos contactados pelo ECO asseguram que vão fazer a sua parte a tempo:
- “A Caixa está a tomar todas as medidas necessárias para detetar indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou uma taxa de esforço significativa, sendo expectável que o faça no prazo indicado, permitindo entrar em contacto com os clientes proativamente”.
- “O BCP está a cumprir com as obrigações”.
- “O Novobanco vai cumprir com rigor o estipulado”.
- “O BPI está a trabalhar para garantir o cumprimento das exigências do Decreto Lei dentro dos prazos previstos“.
Alongamento dos prazos do contrato, consolidações de crédito e até reduções do spread são algumas das propostas que os bancos põem sempre à consideração do cliente na hora de renegociar o contrato.
Há outras soluções que os bancos estão a apostar, como a inclusão de um valor residual (em que uma percentagem do valor financiado que só será pago no final do contrato, permitindo baixar o valor da prestação mensal) ou a carência de capital e/ou juros.
Autoridades esperam baixa adesão
Em causa está o Decreto-Lei 80-A/2022 que veio clarificar as regras do PARI – Plano de Ação para o Risco de Incumprimento, um mecanismo através do qual bancos e clientes devem chegar a uma solução para evitar o incumprimento e o despejo.
A revisão dos contratos ao abrigo do diploma do Governo só acontece com créditos à habitação até 300 mil euros e quando os clientes cumpram uma de três situações: quando a taxa de esforço é igual ou superior a 50%; quando a taxa de esforço é igual ou superior a 36% e tenha agravado mais de cinco pontos percentuais face ao ano anterior; quando a taxa de esforço é igual ou superior a 36% e a taxa de juro tenha aumentado mais de três pontos percentuais.
Espera-se que as novas regras venham a ter uma adesão limitada, de acordo com uma análise da Moody’s. Em primeiro lugar porque estas soluções trazem consigo um estigma em relação ao qual muitos querem estar afastados: o cliente com crédito reestruturado fica marcado no sistema e terá mais dificuldades em pedir um novo empréstimo no futuro. “É um risco pensar que isto é tudo for free”, dizia o presidente do BCP, Miguel Maya, há umas semanas.
Depois (e sobretudo) porque a maioria das famílias apresenta uma situação financeira favorável ou que, pelo menos, não seja elegível para pedir uma renegociação ao banco.
Uma análise do Banco de Portugal dá conta desse cenário mais favorável: somente 30% das famílias portuguesas tem dívidas com taxa variável (maioritariamente crédito à habitação), sendo que, apesar da subida dos juros e dos preços, “a generalidade vai conseguir manter um volume de consumo de bens essenciais igual ao de 2021 e satisfazer o serviço da dívida a partir do rendimento corrente, sem pôr em causa outro tipo de despesas”, segundo explica o banco central no Boletim Económico de dezembro.
Ainda segundo o Banco de Portugal, a taxa de esforço média deverá agravar-se dos 17% para 22% no próximo ano, aquém do que preveem as novas regras para desencadear um processo de renegociação do contrato com o banco.
Euribor só aliviam depois do verão
Apesar da situação benigna da maioria das famílias, certo é que as condições financeiras vão continuar a apertar-se no próximo ano, com o Banco Central Europeu (BCE) a manter um pulso firme para domar a inflação.
O Banco de Portugal estima uma taxa de inflação de 5,8% em 2023, após superar os 8% este ano. Isto traduzir-se-á em menos euros no bolso das famílias no final do mês caso mantenham o nível de consumo e de rendimentos. As boas notícias: apesar do abrandamento, a economia vai ter um crescimento de 1,8% e o mercado de trabalho não registará sinais de deterioração, sendo o emprego uma condição essencial para a manutenção do salário.
Em relação à evolução das Euribor, as taxas a 3 e 6 meses irão superar a barreira dos 3% (seguindo o caminho da taxa a 12 meses) ainda no primeiro trimestre do ano, de acordo com as expectativas dos investidores. Na prática significa que a prestação da casa vai continuar a agravar-se nos próximos meses. Sinais de alívio? Só depois do verão.
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