Peritos dividem-se sobre exigência de testes Covid a voos provenientes da China
Especialistas defendem que exigência de teste negativo a passageiros vindos da China tem "componente política" e deve ser vista à luz da "falta de transparência" de Pequim, mas duvidam da eficácia.
À semelhança de outros países, Portugal passou a exigir a apresentação de um teste negativo à Covid para os passageiros vindos da China. Os especialistas ouvidos pelo ECO apontam que esta é uma decisão que “tem alguma componente política”, mas é também sustentada cientificamente, dado o aumento de casos e a “falta de transparência” dos dados disponibilizados pelas autoridades chinesas. Mas levantam questões sobre a eficácia.
Esta é uma “medida de autodefesa”, que “tem também alguma componente política”, uma vez que foi tomada após ter havido “uma concordância dos Estados-membros da União Europeia (UE) sobre a recomendação do uso de máscaras cirúrgicas nos voos de e para a China, assim como alguns cuidados adicionais”, nomeadamente “encorajando” a exigência de apresentação de um teste Covid negativo a passageiros provenientes da China, explica Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública e investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).
A opinião é partilhada por Miguel Prudêncio, que acrescenta que “a única razão cientificamente válida” para se implementar esta medida deve-se ao acesso limitado “de informação vinda da China sobre a composição genética dos vírus que lá circulam”, o que poderá aumentar a probabilidade de se importar uma nova variante ou subvariante que possa vir a ser “motivo de preocupação.
Se não há confiança naquilo que é a informação que vem da China, estar a basear também o requisito em voos para cá com base em testes negativos Covid [feitos também na China] pode ser um contrassenso.
Além disso, o investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), lembra que “o número de casos na China cresceu exponencialmente”, na sequência da abolição da política “Covid zero” por parte do regime de Pequim. Tanto Miguel Prudêncio como Bernardo Gomes sublinham, no entanto, que apesar de compreenderem que a medida possa ter “fundamento epidemiológico” admitem que pode ser “discutível”, nomeadamente relativamente à sua real eficácia e ao facto de ser aplicada apenas à China.
“Não sou contra a medida, mas acho que é discutível”, atira Bernardo Gomes. “Se não há confiança naquilo que é a informação que vem da China, estar a basear também o requisito em voos para cá com base em testes negativos Covid [feitos também na China] pode ser um contrassenso“, aponta o médico, lembrando que há também “outros destinos que também estão a exportar Covid, entre os quais até variantes que possam ser preocupantes”.
Por outro lado, Miguel Prudêncio refere ainda que a probabilidade de Portugal importar uma nova variante “é baixa”. E lembra também a elevada proteção da população portuguesa, adquirida quer através da vacinação ou da imunidade natural, que tem permitido responder de forma eficaz às variantes que têm surgido em Portugal. “Mas essa possibilidade, do ponto de vista científico, existe”, sublinha, pelo que “apenas desse ponto de vista” compreende “cientificamente que possa fazer sentido restringir entradas”.
Não há grande justificação científica. Aquilo que parece ser a principal razão é querer saber melhor o que se passa lá, mas não há qualquer ilusão de que se consiga evitar a entrada em Portugal de uma nova variante que viesse da China”.
Mais incisivo é Manuel Carmo Gomes, que considera que a medida tem “muito pouco de científico”, apesar de referir que “nesta pandemia não há nada que seja só preto nem branco” e de sublinhar que foi tomada à luz da “falta de transparência” das autoridades chinesas. “Tanto quanto percebo, os controlos [nos aeroportos] não são de maneira nenhuma para impedir que entre aqui uma nova variante ou uma variante considerada mais patogénica. Penso que toda a gente já perdeu a ilusão de conseguir controlar isso nos aeroportos. Mesmo que o controlo fosse muito rigoroso — e não é –, quanto muito o que se conseguiria fazer era adiar três, quatro, cinco semanas a entrada de uma nova variante”, afirma o epidemiologista e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ao ECO, acrescentando que para isso implicava ter-se “uma amostragem sistemática de toda a gente, quarentenas, rastreio de contactos, etc.”.
Por outro lado, o epidemiologista denota que a China tem vindo a disponibilizar mais informação nos últimos tempos (ainda que menos do que seria desejável), tendo já dado “cerca de 850 sequências de vírus que estão lá a circular” e que destes dados não foi encontrado “nada de preocupante”. “As variantes novas podem surgir em qualquer sítio. Agora, por exemplo, surgiu uma nos EUA que está a requerer vigilância, que é a X.BB.1.5. E isso é uma coisa que pode passar em qualquer lado”, acrescenta Manuel Carmo Gomes.
A X.BB.1.5 resulta de uma recombinação das sublinhagens da BA.2 da variante Ómicron e já foi detetada em mais de 30 países, sendo que a maioria das sequências foi detetada nos EUA (82,2%), Reino Unido (8,1%) e Dinamarca (2,2%), de acordo com o último balanço da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta semana, a entidade liderada por Tedros Adhanom Ghebreyesus veio sublinhar que o aumento de casos na China não deverá ter um impacto significativo na Europa porque as variantes que aí circulam já existem no continente europeu, apelidando a decisão de pedir testes à Covid para os voos provenientes da China ou de desaconselhar viagens não essenciais tomadas por vários países — nomeadamente do Velho Continente, EUA, Japão ou Marrocos — como desproporcionais e discriminatórias.
Ainda assim, a OMS expressou preocupação relativamente aos dados divulgados por Pequim. “A OMS ainda acredita que as mortes na China são fortemente subnotificadas”, apontou Michael Ryan, diretor executivo do programa de emergências em saúde, citado pela France 24.
Além da exigência de apresentação de um teste negativo, Portugal passou também a realizar colheitas aleatórias a passageiros provenientes da China “para sequenciação genómica das variantes em circulação, por forma a contribuir para o conhecimento científico e a adequada avaliação da situação epidemiológica”, bem como a monitorizar as águas residuais dos aeroportos. “Tudo isto tem validade e corresponde a uma tentativa de monitorização da situação”, sinaliza Bernardo Gomes, acrescentando que, na sua opinião, estas medidas e a recomendação de uso de máscaras são “o mais importante” para se ter um melhor conhecimento da doença.
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