Greve dos professores: exigências, duração e implicações sociais e económicas
O ministério da Educação inicia esta quarta-feira a 3.ª ronda negocial. Quais as reivindicações dos sindicatos, até quando podem durar as greves e quais as implicações na sociedade e na economia?
Em setembro e novembro de 2022, Governo e sindicatos sentaram-se à mesa para discutir o sistema de recrutamento e mobilidade do pessoal docente. Após apresentar propostas fortemente contestadas, o ministério da Educação (ME) agendou a terceira ronda negocial para esta quarta e sexta-feira.
Para o ministério era necessário esperar que o período festivo de dezembro terminasse. Para os sindicatos, esta foi uma tentativa de suspender a negociação. Desde novembro que Portugal regista greves que reivindicam a valorização dos professores. Afinal o que está em causa, até quando podem durar e quais as implicações?
Quantas greves estão a decorrer?
Neste momento decorrem três greves distintas, convocadas pelo STOP, Fenprof e SIPE. Defendendo que faz um sindicalismo “diferente”, a greve de André Pestana teve início a 9 de dezembro e não tem data de término. A greve abrange professores e também pessoal não docente. Por seu lado, a Fenprof (ao qual se juntaram sete sindicatos), iniciou na passada segunda-feira uma greve por distritos. A 8 de fevereiro dar-se-á por terminada e dois dias depois pode esperar-se uma manifestação nacional. Anteriormente, a 2 de novembro, convocou uma greve de 24 horas.
Já a greve do SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores), na qual os professores devem faltar apenas ao seu primeiro tempo letivo do dia, deverá prolongar-se até fevereiro. Esta greve tem um caráter de imprevisibilidade elevado, uma vez que a ausência do professor dependia sempre do seu próprio horário, caindo a hora de greve em diferentes momentos do dia.
O que exigem?
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, destaca como principal problema a desvalorização da profissão que tem origem em seis problemas principais, aponta. São eles: a vinculação tardia, o incumprimento do limite do horário de trabalho, a recuperação do tempo de serviço, a revisão do modelo de contratação, a criação de um regime especial de aposentação e salários justos.
- Modelo de colocação
“Há problemas em cima da mesa que já têm mais de dez anos”, argumenta Filinto Lima. Para o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), “o copo transbordou” quando o tema foi o novo modelo de colocação inicialmente proposto pelo ME.
Atualmente, a contratação e os concursos para a vinculação ou mobilidade, obedecem a um único critério: a graduação profissional. Este obtém-se com a soma da classificação final do curso ao tempo de serviço, um “sistema que não é perfeito, mas é transparente e objetivo”, defende o secretário-geral da Fenprof.
No entanto, o ME sugeriu alterar o modelo, dando abertura aos diretores das escolas para selecionarem 30% dos seus professores tendo em conta o seu perfil e os seus projetos escolares. Com base na contestação dos docentes, ficou claro que esta possibilidade devia cair – o que aconteceu.
- Recuperação do tempo de serviço
Filinto Lima aponta também para a recuperação do tempo de serviço que se perdeu aquando do congelamento das carreiras. No total, isto corresponde a nove anos, quatro meses e dois dias, mas o Governo aceitou recuperar apenas quase três. O ministro da Educação diz que é escusado “empatar tempo” com esta negociação e assegura apenas que não haverá mais congelamentos.
- Vinculação
Também o tema da vinculação tem recebido atenção nos últimos dias. O ME disse admitir vincular professores após três contratos. Todavia, isso é o que acontece atualmente, diz Mário Nogueira. “Atualmente, os professores vinculam com três contratos, mas têm de ser três contratos consecutivos e com horários completos [22h letivas] e sem interrupções”. O problema é que dificilmente se conseguem assegurar os três aspetos.
A Fenprof diz que “o Governo ainda não esclareceu”, mas de acordo com uma fonte do Governo citada pelo Expresso, a ideia é flexibilizar a obrigatoriedade de serem contratos sucessivos, contando apenas o tempo de serviço. Ou seja, ao fim de um determinado número de dias acumulados de trabalho, o docente passaria a ser elegível para vinculação aos quadros.
Temos relatos de pais ameaçados por chegarem atrasados ao trabalho constantemente.
Qual o impacto social?
A Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas diz que só quer “paz, estabilidade e o regresso à normalidade”. As associações de pais, por sua vez, mostram-se preocupadas com os alunos e os pais.
“É momento de repensar o ensino e a escola pública”, defenda a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap). Segundo a presidente Mariana Carvalho, no início do ano registaram-se problemas com os almoços dos alunos, que por falta de funcionários, “não eram assegurados”. “O pedido de refeições tem vindo a aumentar. As crianças têm fome e a escola é, muitas vezes, o lugar onde podem comer”.
Só na passada segunda-feira, no distrito de Lisboa, estiveram fechadas 138 escolas e 89 não tiveram aulas até às 13h, adiantou a Fenprof.
A presidente avança ainda que a confederação já recebeu queixas por parte de pais que se viram pressionados pelos empregadores. “Pedimos que não fechem as escolas. Há crianças que não têm onde ficar e há pais que não têm onde deixar os filhos. Há pais a desesperar. Temos relatos de pais ameaçados por chegarem atrasados ao trabalho constantemente”. Isto porque os empregadores ficam sem funcionários para assumir as tarefas.
Segundo os registos da Confap, as zonas onde se registam maiores queixas por parte de pais e encarregados de educação são: Algarve, área de Lisboa, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Braga e Aveiro. “Para uns terem mais condições, outros perdem o trabalho. Não queremos isto”, partilha a presidente.
Qual o impacto na economia?
Marcelo Rebelo de Sousa clarificou na passada terça-feira que, relativamente à onde de protestos de docentes e não docentes, o “calcanhar de Aquiles” é mesmo a questão financeira. “A questão mais difícil é financeira”, porque depende do Governo perceber se “dispõe de espaço de manobra” para dar resposta às exigências dos docentes e não docentes. Os Governos anteriores invocaram “crises sucessivas e acabaram por não ter espaço de manobra, mas não sei se agora há este espaço ou não”, disse o chefe de Estado.
A esperança de Marcelo reside nas negociações que decorrem esta quarta-feira, que devem ser “de boa-fé e construtivas”.
Já o ministro das Finanças – que não quis comentar as negociações – disse apenas que, sempre que há uma folga orçamental, a “política” do Governo tem sido a de “não criar elementos de rigidez na despesa pública”. Antes, privilegia “apoios de natureza pontual, bem circunscrita e focada”.
As greves podem continuar…
“Queremos que estas duas reuniões permitam ver a luz ao fundo do túnel”, confessa Filinto Lima, que acrescenta: “peço que, quando forem discutidos os problemas, esteja também presente o ministério das Finanças”, já que sem o apoio da pasta, nada será possível.
O presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas mantém-se positivo, mas Mário Nogueira não. “Levamos baixas expectativas para a reunião. O mais certo é que a greve vá continuar depois”, diz. Se o Governo não ceder às exigências dos sindicatos, “no dia 11 [na manifestação nacional] diremos o que se seguirá”.
“Não está fora de hipótese continuar a luta”, admite. O STOP também admite continuar a luta. O sindicato considera que “o ministro [da Educação] tem, de facto, de mudar radicalmente a sua postura”. Caso contrário, diz o dirigente André Pestana, “vai de patins”.
A questão mais difícil é financeira.
…e são legais?
Face às greves convocadas pelo STOP e SIPE, o ministério tutelado por João Costa pediu pareceres jurídicos à Procuradoria-Geral da República e ao Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP) sobre a “legalidade da forma de execução das greves dos professores em curso”.
A decisão surge na sequência do apelo feito pela Confap, já que se trata de uma greve “imprevisível”. Ao ECO, Mariana Carvalho apresenta várias questões que gostava de ver respondidas: “Temos escolas a entrar em greve a partir das 11h. É legal as crianças ficarem fora da escola sem autorização dos pais? E sem comida? É legal serem mandadas para casa sozinhas?”.
O ministro com a pasta da Educação acrescentou que está ainda a ser verificada a legalidade do recurso a fundos de greve. De acordo com o ministério, “nenhum instrumento legal” está “descartado”, pelo que podem vir a ser decretados serviços mínimos.
(Notícia atualizada às 10h08 com informação sobre prolongamento da greve do SIPE)
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