Luís Rodrigues, o professor que lançou o Big Brother, vai agora gerir a TAP
O futuro CEO da TAP está habituado a dar a volta a situações complexas e difíceis. Foi assim quando esteve na Media Capital, na Nova SBE ou na SATA. Na TAP não será diferente.
Há seis meses, cerca de 100 trabalhadores da SATA assinaram um manifesto a dar conta da sua “inequívoca vontade de ver assegurada a estabilidade, a continuidade e o futuro” da companhia aérea através da recondução de Luís Rodrigues, o CEO, e dos restantes membros no conselho de administração, cujo mandato terminava no final do ano. Uma iniciativa pouco habitual, mais ainda numa empresa em que existiram despedimentos e os salários foram cortados em 10%, temporariamente.
“Luís Rodrigues é um gestor com grande visão estratégica e com uma filosofia muito inclusiva, apostando na criação de valor através de uma estratégia firme e determinada mas que permita a todos os stakeholders beneficiarem da mesma”, afirma Miguel Azevedo ao ECO. O banqueiro do Citi conhece bem o novo presidente da TAP e não tem dúvidas em afirmar que é “exatamente a pessoa certa na hora certa“.
“A capacidade de gerir num contexto em que existem vários interesses” e de “trazer toda a gente para a mesma mesa e encontrar soluções” em situações difíceis é, justamente, uma das qualidades apontadas por um colega do futuro presidente executivo e chairman da TAP. Luís Rodrigues já o fez por várias vezes, segundo o relato de quem com ele trabalhou.
O gestor entrou para a liderança da SATA em janeiro de 2020, apanhando meses depois o embate da pandemia e a paralisação do tráfego aéreo. Os prejuízos agravaram-se de 53,4 milhões para 88 milhões, com a dívida a disparar para os 270 milhões. Tal como a TAP, também a companhia aérea açoriana teve de pedir um auxílio estatal, de 133 milhões, que veio acompanhado pelo respetivo plano de reestruturação.
Logo em 2021, graças ao corte de custos, a empresa apresentou um EBITDA (resultado operacional antes de impostos, depreciações, amortizações e juros) positivo de 5,7 mil euros, o que não acontecia há cinco anos, mas contas ainda no vermelho: -57,4 milhões. A recuperação prosseguiu em 2022, com Luís Rodrigues a anunciar em dezembro que o ano iria fechar com uma receita recorde de 202 milhões de euros, 30% acima do ano anterior à pandemia. O grupo teve lucros de 3,3 milhões entre junho e setembro, embora o CEO tenha dado a entender que o conjunto do exercício ia, ainda, ser negativo.
A reviravolta na companhia aérea foi reconhecida pelo Governo Regional dos Açores, ao anunciar a sua recondução em dezembro. A saída para a transportadora nacional mereceu, de resto, um ataque a São Bento: “Não fomos consultados, mas sim informados sobre a ida de Luís Rodrigues para a TAP. Não nos vão fazer desistir de salvar a SATA”, afirmou o secretário regional das Finanças. Segundo o relato do primeiro-ministro, que conversou na véspera com o presidente do Executivo açoriano, este “lamentou a opção, por ser um excelente quadro, mas compreendeu”.
A primeira passagem pela TAP
Esta será a segunda passagem de Luís Rodrigues pela TAP. Da primeira vez, entrou em junho de 2009 para o cargo de administrador financeiro, nomeado pelo então secretário de Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina, era Teixeira dos Santos o ministro das Finanças. Ficou até dezembro de 2014, saindo devido a divergências com o CEO, Fernando Pinto, relacionadas com a VEM, o negócio de manutenção no Brasil comprado pela TAP à Varig, segundo apurou o ECO.
“Luís Rodrigues conhece a TAP como poucos tendo gerido com grande sucesso temas muito difíceis como Manutenção Brasil e Handling e foi um CFO muitíssimo competente após a saída de Michael Connely“, aponta Miguel Azevedo.
O gestor também deixou boas recordações internas à TAP. “É um bom homem, conhecedor da empresa, bom nos aspetos financeiros, gosta de delegar e está habituado a lidar com sindicatos”, descreve fonte sindical. Aponta, no entanto, alguma “dificuldade em tomar decisões” e a tendência para “empurrar com a barriga”.
Após deixar a TAP, Luís Rodrigues foi liderar a formação de executivos da Nova School of Business and Economics, onde ainda é professor de Estratégia de Negócios. Entrou em abril de 2015, numa altura em que aquela área enfrentava dificuldades devido à crise económica dos anos anteriores e ao projeto da Angola Business School. “Ele liderou a formação de executivos da Nova com excelentes resultados”, assinala o economista Pedro Brinca, colega na escola de negócios e amigo. Descreve-o como alguém “reservado e low-profile” e uma “pessoa querida pelas pessoas da Nova”. Nascido em Lisboa, em 1965, foi na Nova SBE que Luís Rodrigues se licenciou em Economia, em 1988, e fez o MBA, que completou em 1990. Em 2003, rumou à Harvard Business School para tirar o Programa Avançado de Gestão.
Lançamento do Big Brother
Quando o futuro CEO da TAP chegou à Media Capital em setembro de 1999, a TVI atravessava também um período difícil, longe das audiências da SIC. Luís Rodrigues foi para diretor de Marketing e, diz um consultor do canal de televisão na altura, foi muito importante para a reviravolta da estação com o lançamento da primeira edição do Big Brother (em setembro de 2000) e o redesenho da marca. Ficou cinco anos na empresa, saindo para ocupar o mesmo cargo na Portugal Telecom, onde permaneceu até agosto de 2008.
“Não é uma pessoa de grandes confrontos. É conciliador e tenta levar o barco para frente”, afirma outro antigo colega. “Para voltar a trabalhar num sítio onde já esteve é porque acredita que vai levar a missão a bom porto. Já conhece a casa e já conhece o negócio”, aponta. A tarefa não será fácil, ainda assim.
O anúncio de que o até aqui CEO da SATA seria o sucessor de Christine Ourmière-Widener na TAP foi feito esta segunda-feira pelo ministro das Infraestruturas na apresentação das conclusões do relatório da Inspeção-Geral de Finanças sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis. João Galamba deixou três prioridades para o novo gestor. A primeira foi “devolver confiança e paz social à TAP” e “continuar a implementar com sucesso o plano de reestruturação”.
Negociação com sindicatos e privatização: os principais desafios
Esta pode ser a missão mais espinhosa. Depois de uma “guerra” acesa com vários sindicatos, a presidente executiva cessante conseguiu pacificar as relações de forma a abrir caminho à negociação dos novos Acordos de Empresa, que vão substituir os Acordos de Emergência assinados em 2021 e estabelecer as novas condições salariais e de trabalho.
Os sindicatos querem aproximar-se o máximo possível da realidade que tinham em 2019. João Galamba pediu “a condução com sucesso das negociações com as estruturas sindicais e os trabalhadores da TAP no sentido de assegurar um pilar chave do plano de reestruturação, que são os Acordos de Empresa, alinhados com a sustentabilidade futura, financeira e operacional da empresa“.
A favor de Luís Rodrigues joga a boa imagem junto das estruturais sindicais. João Lira Abreu, do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, sublinhou esta terça-feira o “excelente trabalho” de Luís Rodrigues na SATA. “Temos muita esperança no que aí vem. É preciso deixar a poeira assentar, deixar a pessoa entrar e pensar”, acrescentou em declarações à CNN Portugal. O mesmo fez o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, Ricardo Penarroias, que considerou Luís Rodrigues o “nome acertado”.
A TAP tem dito repetidamente que está a superar as metas previstas no plano de reestruturação, devendo apresentar no final do mês lucros relativos a 2022, o que só era esperado em 2025, o último ano do plano. É um bom ponto de partida para o novo CEO.
A manutenção dos bons resultados será fundamental para cumprir o outro desafio estabelecido pelo ministro das Infraestruturas: “Conduzir o processo de privatização do capital da TAP com sucesso, em articulação com o acionista”.
A TAP contratou a consultora Evercore para ouvir interessados e Fernando Medina reafirmou que pretende, em breve, levar ao Conselho de Ministros a venda parcial do capital da companhia. Luís Rodrigues, que tinha a incumbência de conduzir a privatização da SATA, será agora uma peça-chave num casamento já com três noivas em vista: Lufthansa, Air France KLM e grupo IAG.
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