Aumento da mortalidade? Envelhecimento ajuda a explicar, mas não só
Em 2022, morreram 124.624 pessoas em Portugal. INSA deteta 6.135 óbitos em excesso e alerta para um "aumento do risco de morrer". Ao ECO, os peritos apontam o envelhecimento como razão, mas não só.
No ano passado, foram declarados 124.624 óbitos em Portugal, tendo sido detetados quatro picos de excesso de mortalidade por todas as causas a nível nacional. Desde 2011, que a taxa de mortalidade em Portugal tem vindo a aumentar, mas a tendência tem sido cada vez mais evidente. Nos últimos três anos, têm morrido mais de 120 mil pessoas por ano.
Entre 3 de janeiro de 2022 e 1 de janeiro deste ano morreram 124.602 pessoas em território nacional, dos quais “42.790 na região de Lisboa e Vale do Tejo e 55.368 no grupo etário com 85 e mais anos de idade”, de acordo com o relatório divulgado esta semana pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Estes números são ligeiramente inferiores aos registados em 2021, quando foram observados 124.802 óbitos em Portugal, ano marcado por um aumento da mortalidade em janeiro e fevereiro na sequência da Covid, segundo os dados divulgados na sexta-feira pelo INE.
O relatório do INSA aponta ainda que a taxa de mortalidade anual na população geral “tem vindo a apresentar uma tendência crescente desde o ano de 2011” e analisando os dados divulgados pelo INE é possível constatar que a tendência tem se tornado mais evidente nos últimos anos: em 2019 foram declarados 111.843 óbitos, em 2020 123.396 e em 2021 124.802.
Contudo, o aumento da mortalidade não está ligado direta e exclusivamente à pandemia, dado que, por exemplo, do total de óbitos registados no ano passado, apenas 6.840 estão associados à Covid, isto é, cerca de 5,5% do total. “Está a haver um aumento de mortalidade cuja razão é o envelhecimento da população acima dos 65 anos e temos também uma causa adicional de morte [a Covid], que afeta essencialmente essa faixa etária porque aumenta a morbilidade crónica, e, portanto, obrigatoriamente vai aumentar a mortalidade”, sintetiza professor e engenheiro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em declarações ao ECO.
Segundo o matemático, que analisa os dados da mortalidade, se “no início do século morriam na ordem dos 85-87 mil pessoas” nesta faixa etária, “antes da pandemia estavam a morrer na ordem dos 95-96 mil e agora “já estão a morrer na ordem dos 101 mil“. Esta conclusão é, aliás, corroborada no relatório do INSA que sinaliza que “o aumento da taxa de mortalidade que se tem vindo a observar em Portugal é explicado, em parte, pelo envelhecimento populacional”. De sublinhar que, analisando os dados do INSA, só a faixa etária a partir dos 85 anos representa 44% do total de óbitos contabilizados em todo o ano passado.
Em termos de saúde pública não há muito a fazer, o que está a acontecer é a morte natural das pessoas. Já estamos no limite dos limites para conseguir evitar a mortalidade.”
Os dados do INSA revelam ainda que dos 124.624 óbitos declarados no ano passado, 6.135 estão sinalizados como mortalidade excessiva e distribuídos por quatro períodos: no primeiro período, entre 17 janeiro a 6 fevereiro, foram detetados 891 óbitos em excesso (12% de excesso em relação ao esperado e atribuídos à vaga de Covid e a baixas temperaturas); um segundo período, entre 23 maio a 19 junho, com 1.744 óbitos em excesso (21% de excesso face ao esperado e atribuído a uma vaga de Covid e a “temperaturas anormalmente elevadas para a época do ano”); um terceiro período, entre 4 de julho e 7 de agosto, com 2.401 óbitos em excesso (mais 25% do que o esperado e “coincidente com períodos de calor extremo”); e um quarto período, entre 28 de novembro e 18 de dezembro, com 1.099 óbitos em excesso (15% de excesso face ao esperado e atribuído à gripe sazonal).
Apesar de sublinharem que “o aumento da taxa de mortalidade em vários grupos etários indica um aumento do risco de morrer” face ao pré-pandemia, os investigadores do INSA sublinham que ainda não é possível perceber se este risco “é totalmente explicado pelos eventos identificados” ou se “outros fatores”, associados à Covid, “terão contribuído indiretamente para o aumento da mortalidade ou para a potenciação do efeito dos fatores identificados”. Além disso, dizem que este fenómeno “não parece totalmente explicado pelo envelhecimento populacional”, lê-se ainda.
“Já estamos no limite de redução das taxas de mortalidade”
Para Carlos Antunes, Portugal não deverá “baixar dos 125 mil óbitos” dado o contexto demográfico e a Covid e uma vez que “já estamos no limite de redução das taxas de mortalidade”. “Em termos de saúde pública não há muito a fazer, o que está a acontecer é a morte natural das pessoas”, afirma ao ECO, realçando ainda que a mortalidade infantil tem vindo a recuar. Segundo os dados divulgados na sexta-feira pelo INE, depois de um salto em 2018, este indicador tem vindo a recuar, tendo estabilizado em 2,4% em 2020 e 2021.
Contudo, o engenheiro critica a metodologia seguida pela DGS e por outras instituições para contabilizar os óbitos em excesso. “A contabilização dos óbitos que a DGS conta como excesso não é o número de óbitos que está acima do limite de confiança a 95%, mas o número de óbitos que está a mais relativamente à base”, aponta, dado alguns exemplos.
“No dia 23 de janeiro, houve 375 óbitos. A linha de base era 324 e a linha limite de confiança era 372. Como 375 está acima de 372, há uma classificação de que há excesso de mortalidade. E depois calculam a que a percentagem de excesso é 15%, ou seja o número de excesso de mortalidade é 375-324, isto é, 51 óbitos”. Porém, no dia 24 de janeiro morreram 371, ou sejam menos quatro pessoas, mas foi classificado como não excesso de mortalidade e no entanto houve 47 óbitos a mais relativamente à base”, argumenta, baseando-se nos dados divulgados na plataforma EVM, da DGS.
Além disso, Carlos Antunes aponta que a análise da DGS e do INSA não considera o envelhecimento da população. “Isto induz as pessoas em erro”, defende, considerando, por isso, que o excesso de mortalidade detetado pelo INSA no início do ano “não é um período de excesso de mortalidade”, pelo que usando a sua metodologia contabiliza cerca de 2.500 mortes em excesso no ano passado.
Ao ECO, fonte oficial do INSA explica que, em linhas, para estimar a mortalidade em excesso é preciso “estimar também a mortalidade esperada na ausência de fatores que se encontram associados aos excessos de mortalidade (Covid-19, gripe, ondas de calor e vagas de frio)”, sublinhando que há “diferentes métodos”, o que “pode levar a diferentes estimativas de excessos”.
Na análise feita pelo INSA, o instituto liderado por Fernando Almeida utiliza o “histórico de mortalidade semanal entre 2007 a 2022″, excluindo “os períodos durante os quais está documentada a ocorrência de eventos causadores de excesso de mortalidade”, como os acima referidos. Além disso, o INSA assegura que o modelo utilizado “inclui uma tendência de aumento do número de óbitos”, ou seja, a “linha de base aumenta com o tempo explicando assim o aumento gradual da mortalidade por efeito de vários fatores, incluindo o envelhecimento da população”, bem como tem em conta as variações sazonais.
Nesse sentido, o INSA defende que este método, baseado em estimativas e também utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é bastante “preciso”, pelo que considera que não é necessário rever os critérios usados. O ECO contactou também a DGS, mas não obteve resposta até ao fecho do artigo.
Estamos a observar perturbações que podem eventualmente indiciar que estaremos no limiar de uma nova fase da transição demográfica”.
A par do envelhecimento da população, Paulo Machado, presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD) aponta ainda outros fatores para o aumento da mortalidade. “Os padrões habituais meteorológicos têm vindo a alterar e isso repercute-se na mortalidade. Há mais mortes com as ondas de calor, com as vagas de frio”, afirma o demógrafo ao ECO, sublinhando que “não há uma causa única”.
Paulo Machado alerta ainda para o impacto que a mortalidade tem na esperança média de vida. “Cresce anualmente, mas nos últimos anos tem sofrido alterações relevantes até no sentido da diminuição da esperança média de vida. O que é um facto praticamente inédito nos últimos 100 anos”, realça, sublinhando que esta “não é uma situação exclusiva de Portugal” e dando o exemplo de França.
“Antes tínhamos uma situação demográfica razoavelmente estável” com “uma baixa mortalidade e uma baixa fecundidade” e agora “estamos a observar perturbações que podem eventualmente indiciar que estaremos no limiar de uma nova fase da transição demográfica” antecipa. Segundo os mais recentes EuroMomo, que monitoriza a mortalidade no “Velho Continente” e citados pelo Público, nas últimas semanas de 2022, a Europa atingiu o segundo maior pico de excesso de mortalidade desde o início da pandemia, apenas superado pela primavera de 2020.
Neste contexto, o demógrafo insta o Governo a aumentar o investimento na saúde, dada a “debilidade do SNS” nomeadamente no que toca ao acesso dos cuidados de saúde primários, que dificulta que as pessoas sejam seguidas regularmente. “O acesso aos cuidados primários em Portugal é miserável e, portanto, as pessoas chegam ao momento da doença com um histórico que não as ajuda a enfrentar a doença”, conclui.
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