Três resgates consecutivos depois, qual o retrato da economia grega?
Eleitores gregos votam hoje o futuro depois da austeridade, mas a dívida pública do país continua entre as mais elevadas da União Europeia e os salários permanecem pouco competitivos.
Este domingo, 21 de maio, a Grécia vai a votos para eleger um novo governo. Os conservadores do Nova Democracia, o partido no poder, têm caído nas sondagens desde o acidente entre dois comboios que matou 57 pessoas. Mesmo atrás segue a aliança de esquerda liderada pelo antigo primeiro-ministro Alexis Tsipras. Ambos disputam, sobretudo, o voto dos jovens, cujas principais preocupações são a inflação e o crescimento económico. Como se pinta atualmente a economia grega, passada mais de uma década sobre o início da austeridade da troika?
Dívida pública em percentagem do PIB no nível mais baixo desde 2012
A Grécia foi um dos países mais atingidos pela crise financeira mundial de 2008, ficando em vias de entrar em incumprimento quanto ao pagamento da dívida e, assim, ameaçar a viabilidade da Zona Euro. A dívida pública subiu para níveis de tal maneira astronómicos que foram necessários três resgates sucessivos, a par com a implementação de políticas de austeridade.
Mas Atenas conseguiu resistir e tem mostrado sinais de prosperidade. Depois de ter subido para 206% com a pandemia, o rácio da dívida pública grega em relação ao PIB teve uma queda acentuada para 171,3% no ano passado, o seu nível mais baixo desde 2012. O que se deve, em grande parte, à inflação elevada. É uma das taxas de redução da dívida mais rápidas do mundo.
Esta evolução permitiu à Grécia, em agosto passado, sair da situação de vigilância reforçada imposta pela Comissão Europeia. Em 12 anos de assistência financeira, o país conseguiu reembolsar 2,7 mil milhões de euros de empréstimos devidos aos países da Zona Euro antes do prazo previsto.
As mais recentes previsões do Executivo comunitário antecipam que o rácio da dívida pública grega continue a diminuir, para 160,2% do PIB e 154,4% do PIB em 2024. No entanto, continua a ter a dívida mais elevada entre os países da União Europeia (UE) e, simultaneamente, continua a ser um dos países com a percentagem mais elevada de população em risco de pobreza ou de exclusão social.
Inflação abranda com descida dos preços da energia
O último ano foi marcado pela elevada inflação em toda a UE e a Grécia não foi exceção. Porém, o primeiro trimestre de 2023 trouxe uma desaceleração do aumento dos preços, para 6,3%, prevendo-se uma continuação desta moderação devido à descida dos preços da energia.
Por outro lado, a repercussão desfasada dos elevados preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares nos serviços e nos produtos industriais não energéticos, que se tornou mais visível desde o último trimestre de 2022, fará subir a inflação subjacente ao longo deste ano. Apesar de um aumento de 9,4% do salário mínimo em abril de 2023, para os 910 euros, os riscos de uma espiral salários-preços parecem estar contidos. No entanto, os riscos ascendentes para as perspetivas de inflação resultam de um ajustamento salarial mais rápido, que poderá contribuir para uma inflação subjacente mais elevada.
Desemprego cai, mas entre os jovens é quase 30%
Nos tempos da troika, além do aumento astronómico da dívida pública, a Grécia registou uma subida substancial do desemprego, que atingiu perto de 30% em 2014. Contudo, o mercado de trabalho melhorou de forma acentuada no último ano, tendo-se verificado uma criação sustentada de emprego, enquanto a taxa de desemprego caiu para 12,5% — ainda assim, uma das taxas mais altas entre os 27 Estados-membros da UE.
Apesar desta melhoria, quase um quarto da população grega com menos de 24 anos não tem emprego e 14% da população até aos 30 anos é “gravemente carenciada do ponto de vista material ou social”. Números que representam mais do dobro da média europeia, segundo o Eurostat. Em dezembro de 2022, a taxa de desemprego jovem na Grécia fixava-se nos 28,9%.
Para 2024, a Comissão Europeia antecipa uma diminuição da taxa de desemprego para 11,8%. Mas o crescimento dos salários reais não deverá tornar-se positivo até lá, apesar de se esperar que o crescimento dos salários nominais recupere neste ano e no próximo.
Turismo, investimento e consumo impulsionam crescimento
Entre 2008 e 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia caiu para quase metade. Mas, depois do tombo provocado pela pandemia de Covid-19, a economia grega registou um crescimento de 5,9% em 2022, mesmo com a crise energética e as pressões inflacionistas. Este desempenho foi apoiado por um consumo privado dinâmico, uma atividade de investimento significativa — que subiu 50% no ano passado — e o impulso dado pela recuperação do turismo (responsável por cerca de um quinto do PIB) durante o verão.
Ao ECO, o diretor regional para o sul da Europa da Ebury, Duarte Líbano Monteiro, explica também que a “redução das taxas de tributação e a melhoria da cobrança de impostos, juntamente com a introdução de uma nova lei sobre as pensões e a melhoria do ambiente de investimento, alteraram significativamente a imagem da economia grega”. “A recuperação económica pós-pandemia, tão laboriosa e difícil para muitos (crescimento estagnado na Alemanha e em Espanha), correu extremamente bem na Grécia”, assinala.
A recuperação económica pós-pandemia, tão laboriosa e difícil para muitos (crescimento estagnado na Alemanha e em Espanha), correu extremamente bem na Grécia.
Embora o PIB real deva expandir 2,4% este ano, de acordo com as previsões do Executivo comunitário, o crescimento do consumo privado deverá abrandar significativamente em comparação com a recuperação pós-pandemia do ano passado, devido a uma perda do rendimento real disponível das famílias e a uma taxa de poupança ainda negativa.
No próximo ano, prevê-se que o crescimento económico seja menor, de 1,9%. O investimento deverá continuar a ser um dos principais contributos para o PIB, ainda que a taxas inferiores às registadas entre 2021 e 2023. As despesas das famílias deverão ser apoiadas por um aumento dos rendimentos reais.
Segunda volta em cima da mesa
Depois de anos em que era presença constante nas manchetes dos jornais pelos piores motivos, a Grécia conseguiu recuperar e deverá estar prestes a reconquistar a confiança dos mercados., No ano passado, a Standard & Poor’s (S&P) mudou a perspetiva (outlook) do país de “estável” para “positiva”.
Porém, embora os quatro anos de governação de Kyriakos Mitsotakis tenham trazido uma evolução positiva na economia, esperam-se dificuldades para formar governo após a primeira volta das eleições — visto que o próprio líder do executivo excluiu a possibilidade de tentar formar uma coligação governamental após este domingo. O Syriza, com cerca de 29% nas sondagens, pode tentar unir forças com os socialistas do PASOK (cerca de 10%) para formar governo. Ainda assim, é provável um regresso às urnas em julho, para uma segunda volta.
“As melhorias são evidentes, mas seria um pouco exagerado concluir que Mitsotakis é um líder sem mácula“, afirma Duarte Líbano Monteiro. “No que diz respeito à recuperação económica, a insuficiente diversificação — com uma forte concentração no turismo e no setor imobiliário — é preocupante. Estão a ser feitas algumas tentativas para desenvolver os setores das tecnologias da informação, da investigação, da logística e da energia, mas, neste momento, não são suficientes”, aponta.
Além disso, o responsável da Ebury sublinha a “falta de liberdade de imprensa” e os “numerosos escândalos de corrupção”, principalmente no que toca ao “escândalo das escutas telefónicas” que envolveu políticos e jornalistas, com acusações graves contra o atual primeiro-ministro grego e que lhe podem custar votos neste domingo.
É pouco provável que o Nova Democracia de Mitsotakis alcance uma maioria absoluta (para tal, precisa de alcançar 45% dos votos), mas, independentemente do resultado nas urnas, a Grécia continuará a enfrentar muitos desafios, sobretudo com a redução da dívida e a elevada percentagem da população em risco de pobreza ou de exclusão social.
“A pátria de Homero parece ter tomado a direção certa nos últimos anos, mas mantê-la não será um desafio pequeno. Se os obstáculos puderem ser ultrapassados, os anos de sofrimento não terão sido em vão”, conclui Duarte Líbano Monteiro.
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