Processos visando Pingo Doce suspensos no Tribunal da Concorrência após decisão do Constitucional
Os processos que visam a Pingo Doce entrados no Tribunal da Concorrência, em Santarém, estão suspensos a aguardar a decisão que vier a ser proferida pela Relação de Lisboa.
Os processos que visam a Pingo Doce entrados no Tribunal da Concorrência, em Santarém, estão suspensos a aguardar a decisão que vier a ser proferida pela Relação de Lisboa, na sequência da declaração de inconstitucionalidade da apreensão de correio eletrónico.
Na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional (TC), de 16 de março último, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Jerónimo Martins e pela Pingo Doce — Distribuição Alimentar da decisão adotada em março de 2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), estão suspensos uma dezena de processos entrados no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), dois dos quais, com coimas totais próximas dos 400 milhões de euros, tinham julgamentos a decorrer, segundo consulta feita esta quinta-feira pela Lusa.
Na decisão de março, o TC julgou inconstitucional a norma extraída do Regime Jurídico da Concorrência, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à Autoridade da Concorrência (AdC) a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do Ministério Público (MP), determinando que o acórdão do TRL, alvo do recurso, fosse reformado.
O acórdão do TRL que motivou o recurso da Jerónimo Martins/Pingo Doce para o TC tinha confirmado o entendimento do TCRS, que, em junho de 2019, indeferiu a impugnação das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC em fevereiro de 2017, com base num mandado emitido pelo MP, no âmbito de um processo contraordenacional por práticas restritivas da concorrência.
As buscas à Pingo Doce e outras empresas de distribuição resultaram de certidões extraídas do processo aberto, em 2016, pela AdC contra a Super Bock, por envolvimento em práticas restritivas da concorrência (fixação de preços de venda ao público no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar), no âmbito do qual foram realizadas buscas entre 25 de janeiro e 03 de fevereiro de 2017.
Nesse processo, a AdC entendeu existirem indícios do envolvimento de empresas de distribuição, tendo realizado buscas adicionais entre 7 de fevereiro e 3 de março de 2017, nomeadamente nas instalações da Pingo Doce — Distribuição Alimentar (nas quais foram apreendidas 14 mensagens de correio eletrónico), e extraído várias certidões que deram origem a outros processos contraordenacionais.
Como refere a juíza Marta Campos, que julga um dos processos em curso no TCRS, desde dezembro de 2022, se o “ato originário” for nulo, pode levar à nulidade de todos os outros que se lhe seguiram ou que usaram as mensagens de correio eletrónico visadas como meio de prova, “num verdadeiro efeito dominó”.
Para a juíza Vanda Miguel, que conduz o outro julgamento, iniciado em outubro de 2022, a decisão do TC veio alterar “o paradigma normativo tendencialmente estabilizado até então”.
Na sua decisão de adiamento do julgamento que envolve a Central de Cervejas, a Primedrink e as empresas de distribuição ITMP (Intermarché), Cooplecnorte (E.Leclerc), Auchan, Modelo Continente, Pingo Doce e Lidl, com coimas que totalizam perto de 304 milhões de euros, Vanda Miguel afirma que a decisão que vier a ser tomada pelo TRL, em sequência do acórdão do TC, terá “efeitos diretos” neste processo relativamente aos emails apreendidos nas instalações da Pingo Doce.
Pelo que, em 26 de abril último, decidiu adiar a audiência de julgamento até que essa decisão (ainda não proferida) transite em julgado.
Neste julgamento estão em causa dois processos, que foram apensos, por concertação, de forma indireta, dos preços de venda, “uma prática prejudicial para os consumidores”.
Um dos processos refere-se à decisão da AdC relativa à combinação de preços entre Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché e o fornecedor Sociedade Central de Cervejas (SCC), um administrador desta e um diretor de unidade de negócio da Modelo Continente.
No outro, a AdC condenou as mesmas cadeias de supermercados (Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché), às quais se juntaram a Lidl e a Cooplecnorte (responsável pelo E.Leclerc), por combinação de preços através da fornecedora de bebidas alcoólicas Primedrinks.
No primeiro caso, a investigação da AdC determinou que as práticas duraram mais de nove anos (entre 2008 e 2017), concluindo que os distribuidores e o fornecedor concertaram os preços de vários produtos da SCC (as cervejas Sagres e Heineken, mas também Bandida do Pomar e Água do Luso), para os fazer subir de forma gradual e progressiva no mercado retalhista.
No segundo caso, está em causa a fixação indireta de preços de venda ao consumidor de vários produtos da Primedrinks (como os vinhos do produtor Esporão e Aveleda, os whiskies The Famous Grouse ou Grant´s, o gin Hendrick’s ou ainda o vodka Stolichnaya), prática que, segundo a AdC, durou mais de 10 anos (entre 2007 e 2017), tendo igualmente em vista a subida, gradual e progressiva, dos preços no mercado retalhista.
O outro processo com julgamento a correr desde dezembro de 2022 no TCRS tem como recorrentes a Super Bock, a Modelo Continente, a Pingo Doce, o Intermarché, a Auchan e dois diretores da Modelo Continente, com coimas no total de 92.866.536 euros.
Perante o requerimento da Pingo Doce para suspensão dos autos até trânsito em julgado da decisão que vier a ser tomada pelo TRL, a juíza Marta Campos deferiu parcialmente o pretendido, determinando, no passado dia 08 de maio, a suspensão e consequente adiamento da audiência de julgamento por dois meses.
As juízas justificam a decisão de adiamento ou suspensão dos julgamentos com o facto de poderem vir a ser “praticados atos inúteis” e utilizada “prova considerada ilícita” (as mensagens eletrónicas).
“Até ao momento, a principal tese que sustentava a validade das mensagens de correio eletrónico reconduzia-se à distinção entre mensagens abertas/lidas e mensagens não lidas”, entendimento que foi afastado pelo TC no acórdão de 16 de março, sublinha Marta Campos.
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