Bruxelas pressiona países da UE a “restringir ou expulsar” Huawei das redes 5G
Executivo europeu já não tem reservas em declarar a Huawei um fornecedor de alto risco e vai agir em conformidade. Pede aos países que apliquem restrições o quanto antes. E não apenas no core do 5G.
A Comissão Europeia tem vindo a apelar aos Estados-membros para que apliquem restrições ou excluam os fornecedores de “alto risco” das redes 5G sem mais demora. Mas, esta quinta-feira, o executivo de Bruxelas aumentou a pressão ao anunciar que vai “evitar a exposição” das suas próprias comunicações a redes de operadoras que usem tecnologia da Huawei e ZTE, duas empresas chinesas. E não é tudo.
No dia em que foi conhecido o segundo relatório sobre a implementação da recomendação de 2020 que ficou conhecida por “5G Toolbox”, a Comissão Europeia deu um passo em frente ao declarar, diretamente e pela primeira vez, que “considera que a Huawei e a ZTE representam, de facto, riscos materialmente mais altos do que outros fornecedores 5G”. Como tal, prepara-se também para restringir a participação destas empresas em programas de financiamento da União Europeia (UE).
Esta semana, o Financial Times noticiou ter detetado o envolvimento da Huawei em 11 projetos apoiados pelo Horizonte Europa, um programa europeu dedicado à investigação e inovação. O financiamento total ascende a 3,89 milhões de euros, contabilizou o jornal britânico.
A análise à implementação da “5G Toolbox” concluiu que, até ao presente, 24 Estados-membros “adotaram ou estão a preparar medidas legislativas” que poderão culminar em restrições. Destes, uma dezena já impuseram restrições aos chamados fornecedores de “alto risco”.
“Atendendo à importância da infraestrutura de conectividade para a economia digital e a dependência de muitos serviços críticos de redes 5G, os Estados-membros devem atingir a implementação da Toolbox sem atraso”, avisou a Comissão Europeia esta quinta-feira, num comunicado.
Portugal deverá estar entre esses dez países que já aplicaram restrições à Huawei. No final de maio, foi tornada pública a deliberação de um organismo inserido no Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço que, na prática, exclui das redes 5G, incluindo das partes periféricas, tecnologia fornecida por empresas que, por exemplo, tenham sede em países que não pertençam à UE, à NATO ou à OCDE. A Huawei tem sede na China.
O ECO noticiou entretanto que foi dado às operadoras um prazo de cinco anos para remover das redes 5G os equipamentos que cumpram os critérios definidos pelo referido organismo, designado por Comissão de Avaliação de Segurança. Para os componentes do core das redes 5G, a parte mais crítica da infraestrutura, o prazo será de três anos, embora seja público que as operadoras portuguesas não estão a recorrer a tecnologia da Huawei no chamado core. Algumas fontes ligadas a empresas do setor têm referido que o prazo de cinco anos poderá ser insuficiente.
A decisão portuguesa gerou controvérsia e apanhou o setor de surpresa por não se cingir ao core das redes 5G, mas também às partes periféricas, como as antenas. Alexandre Fonseca, co-CEO do grupo Altice, que detém a Meo em Portugal, disse este mês que o “nível de agressividade” da decisão portuguesa aparenta ser superior ao de outros países da UE. Esta quinta-feira, um responsável sénior da Huawei alinhou com essa opinião em declarações a jornalistas portugueses em Bruxelas, ao afirmar que a exclusão da Huawei do 5G em Portugal “aparenta ser mais restritiva do que as medidas tomadas por qualquer outro país europeu”.
Com o anúncio da Comissão Europeia desta semana, que menciona oficialmente a Huawei, pela primeira vez, como sendo um fornecedor de “alto risco”, a decisão portuguesa ganha outro enquadramento. No comunicado, a Comissão declara que “os Estados-membros devem garantir que as restrições devem cobrir ativos críticos e altamente sensíveis”, referindo especificamente a parte das redes onde se incluem as antenas. Precisamente o ponto em que Portugal terá ido mais longe do que os outros países, pelo menos na visão dos responsáveis referidos anteriormente.
A Huawei tem sido acusada ao longo dos últimos anos de ser um veículo de espionagem ao serviço da China, uma posição que serviu de base às sanções aplicadas à empresa em maio de 2019 pelo ex-Presidente dos EUA, Donald Trump. A Huawei tem negado veementemente estas acusações, afirmando não existirem provas de que a tecnologia que desenvolve é insegura e garantindo que a cibersegurança é a “prioridade”.
Acusações sem “base legal”, considera a Huawei
A Huawei reagiu oficialmente esta sexta-feira à posição mais dura de Bruxelas: “A Huawei opõe-se e discorda fortemente dos comentários feitos por representantes da Comissão Europeia. Claramente, isto não é baseado numa avaliação verificada, transparente, objetiva e técnica das redes 5G.”
“A Huawei compreende a preocupação da Comissão Europeia de proteger a cibersegurança dentro da UE. No entanto, as restrições ou exclusões baseadas em juízos discriminatórios vão colocar sérios riscos económicos e sociais. Vai prejudicar a inovação e distorcer o mercado da UE”, acrescenta fonte oficial da empresa chinesa.
Referindo-se ao facto de ser diretamente mencionada por Bruxelas pela primeira vez, a Huawei entende que a referência não tem “base legal” e “vai contra os princípios do livre comércio”. A empresa queixa-se de não ter sido alvo de um “procedimento justificado” e de não ter sido ouvida nesta matéria. “Como operador económico na UE, a Huawei tem direitos processuais e substanciais e deve ser protegida ao abrigo das leis da UE dos Estados-membros, bem como os seus compromissos internacionais”, rematou.
A Huawei levou um grupo de jornalistas portugueses a Bruxelas esta semana, incluindo do ECO, onde promoveu as práticas de cibersegurança que diz serem “a prioridade de topo” na empresa. A visita ao Huawei Cybersecurity Transparency Center, no coração da UE, serviu ainda para mostrar o local onde os clientes da marca podem aceder e testar o código-fonte do software da empresa num ambiente controlado. Vários responsáveis seniores da Huawei argumentaram que as restrições que estão a ser aplicadas em vários países europeus, incluindo em Portugal, são “políticas” e não “técnicas”.
Esta sexta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, declarou que a deliberação portuguesa que exclui a Huawei “não é negociável” e é “exclusivamente técnica”. “Tomaremos sempre as decisões que são importantes para salvaguarda da nossa segurança e da nossa soberania e nessa matéria não há negociação possível”, afirmou o governante.
Nota: O ECO viajou a Bruxelas a convite da Huawei Portugal.
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