Terceiro lugar, indecisos e ‘Espanha vazia’ decidem próximo Governo espanhol
Nas legislativas antecipadas deste domingo antevê-se uma mudança política no Palácio da Moncloa. Mas a "chave" deverá estar nas mãos dos 30% de indecisos e nos partidos das províncias.
Cerca de 37 milhões de espanhóis vão às urnas este domingo para colocar um ponto final ao primeiro governo de coligação da Espanha democrática ou para devolver o poder à direita, passados cinco anos da governação de Mariano Rajoy. Embora a vitória do Partido Popular (PP) seja dada como certa por praticamente todas as sondagens, a chave para desbloquear o próximo Executivo espanhol reside no partido que ficar em terceiro lugar – bem como nos perto de 30% de eleitores indecisos e nas províncias da ‘Espanha vazia’.
“Era preciso uma grande surpresa” para o PP não vencer as eleições legislativas, que estavam agendadas para dezembro, mas foram antecipadas pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez, na sequência da pesada derrota do seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) nas eleições municipais e autonómicas de 28 de maio, começa por notar o cientista político Vicente Valentim, em declarações ao ECO.
Porém, a grande questão é se o partido liderado por Alberto Núñez Feijóo consegue formar governo. Nenhuma sondagem dá maioria absoluta ao PP, pelo que o cenário à direita em cima da mesa é uma coligação com o Vox (extrema-direita). A última sondagem da Sigma Dos para o jornal espanhol El Mundo dá 147 deputados ao PP e 29 ao Vox, enquanto o diário ABC, através do trabalho da Gad3, antecipa 180 deputados para o bloco de direita (151 para o PP e 29 para o Vox). No El País, que recorre aos serviços da empresa 40dB, o PP tem 135 deputados e o Vox tem 38. Em todos estes casos, o PP sozinho não chega à maioria de 176 deputados necessários para governar sem coligação.
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Mesmo que o PP e o Vox juntos não atinjam a maioria absoluta, Vicente Valentim assinala que “é possível que fiquem a um ou dois mandatos de a ter”. Isto significa que podem vir a ter o apoio de um ou dois partidos regionais mais pequenos, como é o caso da Coligação Canária e do Teruel Existe. Apesar da “posição ambígua”, podem viabilizar um governo PP/Vox que esteja “disposto a dar-lhes alguma política importante para a região deles”, explica o investigador de Ciência Política na Universidade de Oxford.
À esquerda, é igualmente improvável uma maioria absoluta do PSOE, que surge em segundo lugar em todas as sondagens – excetuando a do Centro de Investigações Sociológicas (CIS), organismo estatal chefiado por José Felix Tezanos, considerado amigo próximo do Pedro Sánchez, que prevê 32,2% dos votos para o partido no poder, contra 30,8% para o PP. Aliás, mesmo com o apoio dos partidos independentistas que viabilizaram o atual Governo e da recém-criada plataforma Sumar, os cenários dão como muito difícil um novo Executivo de coligação de esquerda.
Ao ECO, também o politólogo Diogo Noivo dá como certo que, para formar governo, terá de haver coligações. “Acabou o bipartidarismo espanhol. Ou seja, a alternância entre a esquerda e a direita, em que o PP e o PSOE conseguiam formar maiorias para governar, acabou”, aponta, realçando que o “drama” no país vizinho é que essas coligações são com radicais em ambos os lados do espetro político.
Com o primeiro e o segundo lugar definidos, é no terceiro lugar que estará a chave. “Se em terceiro lugar ficar o Vox, muito provavelmente temos governo de direita; se em terceiro lugar ficar o Sumar, muito provavelmente temos governo de esquerda. A maior parte das sondagens apontam para um empate técnico entre o Vox e o Sumar. Portanto, o importante é perceber quem é o terceiro partido, porque o primeiro e o segundo são mais ou menos irrelevantes, no sentido em que não determinam nada; quem pode determinar é o terceiro“, sublinha o analista da política espanhola.
Espanha é um país que, nos últimos anos, teve muitas políticas progressistas em termos de igualdade de género, direitos para as minorias sexuais… Acho que um governo que incluísse o Vox significaria um retrocesso bastante grande nessas políticas, porque o Vox faz muita campanha precisamente contra este tipo de avanços e é uma das coisas que ajudou a crescer alguma insatisfação de um certo setor da população em relação a estas políticas.
Diogo Noivo resume que, nas eleições deste domingo, pode haver uma reedição do atual Governo de esquerda, com o PSOE, a plataforma Sumar (da qual faz parte o Podemos) e os partidos separatistas do País Basco e da Catalunha; à direita, o cenário mais provável é um acordo entre o Vox e o PP, seja de coligação de Governo ou apenas de incidência parlamentar.
O politólogo assinala, no entanto, um aspeto a ter em conta acerca do partido liderado por Santiago Abascal. “O Vox não está em ascensão, está em perda acentuada. Chegou às eleições autonómicas e municipais com 3,6 milhões de votos em legislativas, mas a 28 de maio teve 1,5 milhões de votos, ou seja, perdeu cerca de dois milhões de votos”, explana. Notando que mesmo as sondagens mais simpáticas para a extrema-direita espanhola a colocam com 34, 35 ou 36 deputados, quando atualmente tem 52, afirma que, num acordo entre o PP e o Vox, “o PP terá mais condições para impor os seus termos do que propriamente o Vox irá sequestrar o PP”.
Não obstante, de acordo com o investigador Vicente Valentim, um governo PP/Vox significaria um “retrocesso muito grande” para Espanha, nomeadamente no que diz respeito às políticas progressistas em termos de igualdade de género e dos direitos das minorias sexuais. “O Vox faz muita campanha precisamente contra este tipo de avanços” e, “pelo menos em relação a algumas destas políticas, há bastante abertura do PP para revogar algumas coisas que foram implementadas nos últimos anos”, fundamenta.
Entre as consequências de ter a extrema-direita no poder em Espanha, Vicente Valentim vê ainda uma possibilidade de o partido liderado por Santiago Abascal “tentar fazer políticas para retirar poderes às comunidades autónomas“, assim como, a nível social, existir “uma mudança de normas, pelo facto de o Vox estar no governo e de certas pessoas que tenham ideias homofóbicas ou xenófobas se sentirem mais legitimadas para até, no limite, cometer crimes.
Já no que toca ao Sumar, o movimento de partidos de esquerda (um dos quais o Podemos) que nasceu em maio pelas mãos da vice-primeira-ministra e ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, será importante perceber se é uma coligação que acontece apenas nestas eleições ou se terá futuro. “Toda a campanha foi feita muito à volta da Yolanda Díaz, e isso poderá ter eclipsado um bocadinho o Podemos”, observa o cientista político, ressalvando, porém, que, “no longo prazo, é incerto até que ponto é que o partido consegue existir para além dela”.
Do ponto de vista ideológico, Diogo Noivo considera que o Sumar é “muito parecido” ao Podemos, mas pretende corrigir os erros do partido outrora liderado por Pablo Iglesias. Assim, o discurso “abertamente de confronto e agressivo” do Podemos — que criou até problemas dentro do próprio partido, levando à saída de vários militantes — dá agora lugar a uma “postura conciliadora e de diálogo” do Sumar, distingue o analista. Prova desta diferença de atitude é o facto de Yolanda Díaz, enquanto ministra do Trabalho, ter preparado a reforma da lei laboral em concertação social, com os sindicatos e o patronato, algo que o Podemos nunca faria.
PP e PSOE sem “pontes” de união
Quer no período pré-campanha eleitoral, quer no único frente a frente com o primeiro-ministro, Alberto Núñez Feijóo propôs a Pedro Sánchez um pacto entre o PP e o PSOE para governar o partido mais votado, deixando os partidos radicais de fora do Executivo — visto que nem um nem outro deverão conseguir formar Governo sem coligações.
“Sánchez não aceita isto – tanto que já governou com radicais – e diga-se que Feijóo também só faz esta proposta porque todas as sondagens dão o PP em primeiro lugar” (com exceção da sondagem do CIS), aponta o analista Diogo Noivo, realçando a “habilidade política” do líder do PP ao transferir a responsabilidade para o centro-esquerda em vez de assumir que quer fazer um acordo com o Vox.
Também para Vicente Valentim é “bastante improvável” um cenário em que PSOE e PP cheguem a acordo para não deixar que a extrema-direita entre no Governo: “Parece-me muito mais provável que se o PP, o Vox e alguns partidos pequenos eventualmente não conseguirem fazer uma maioria para governar, haja novas eleições, do que haja uma coligação entre PP e o PSOE, ou um deles viabilizar um governo do outro”.
Com as últimas sondagens, divulgadas na segunda-feira, a apontarem para cerca de 30% de eleitores que não sabem em quem votar ou que podem transferir o voto à última hora entre os vários partidos, há ainda que ter em conta a ‘Espanha vazia’. Nos últimos anos surgiram vários partidos políticos que têm em comum as queixas de falta de investimento público. “Quando olhamos para estes partidos políticos, eles não são nem de esquerda nem de direita. Em boa verdade, nem são partidos políticos. São listas de reivindicações: querem autoestrada, querem TGV, querem um melhor polo universitário”, descreve Diogo Noivo.
O governo de esquerda que acaba no domingo é inédito. É a primeira vez que Espanha tem uma coligação em mais de 40 anos de democracia e é também a primeira vez em que houve partidos radicais no governo ou a apoiar o governo. Portanto, o centro-esquerda abriu um precedente ao trazer radicais para a esfera do poder pela primeira vez, pelo que o centro-direita está menos constrangido para fazer um acordo com o Vox.
Sendo partidos de província – e existem centenas delas em Espanha –, caso consigam eleger dez deputados, vão também pesar na decisão do próximo governo, pelo que as contas de alianças à esquerda ou à direita não vão ser tão simples. Mas, ressalva, “as sondagens não estão a apanhar a ‘Espanha vazia’: se forem na ordem dos 15 deputados, vão ser os kingmakers, vão decidir quem governa, mas não se sabe o que valem”.
Importância das eleições para Portugal
Diogo Noivo considera que eleições em Espanha são “sempre importantes para Portugal, independentemente do desfecho”. A justificação reside no facto de ser o único país com o qual Portugal tem fronteiras territoriais e, considerando o valor das exportações e importações, ser o seu primeiro parceiro comercial. Além disso, os principais rios portugueses, que nascem em território vizinho, são fundamentais para a produção de energia, a agricultura e o turismo.
Quanto a um eventual “contágio” em termos eleitorais, o politólogo é mais cético, visto o contexto espanhol ser muito diferente do português. “Há quem diga que a geringonça portuguesa é muito parecida ao Governo de Sánchez; não é, porque a geringonça foi um Governo do PS, apoiado pelo BE e o PCP no Parlamento. Em Espanha, pelo contrário, os socialistas meteram o Podemos – que é um partido francamente mais radical do que o BE – dentro do Governo e depois tiveram o apoio de separatistas. Em Portugal não temos nacionalismos periféricos e, por maioria de razão, também não temos separatistas”, explica.
Ainda que reconheça que, se houver um acordo entre o PP e o Vox, alguma direita portuguesa dirá que isso se poderá repetir deste lado da fronteira, Diogo Noivo aponta diferenças entre o Vox e o Chega. Nascido a partir do separatismo catalão, o Vox só cresceu quando houve a tentativa separatista da Catalunha em 2017.
Além disso, contrariamente ao Chega, “se o líder decidir sair do partido, há pessoas com capacidade para o substituir”, acrescenta, notando também o facto de o Vox ter raízes no Carlismo do século XVIII, enquanto o partido de André Ventura não se insere em tradições da direita portuguesa, sendo a capitalização do ressentimento que existe em alguns segmentos da sociedade portuguesa.
“Eu não sei se isto tem algum efeito direto em Portugal”, considera Vicente Valentim, que partilha do ceticismo de Diogo Noivo, apesar de reconhecer que os dois países “têm seguido caminhos relativamente semelhantes nos últimos anos”, com o período de austeridade e, mais recentemente, os governos [do PS em Portugal e do PSOE em Espanha] com o apoio de partidos à esquerda.
Ao mesmo tempo, o investigador em Ciência Política vê “bastantes paralelismos” entre o Vox e o Chega, no sentido em que, quando for o PS em Portugal a perder umas eleições, é “muito improvável” que o PSD volte a ter uma maioria absoluta. Então, o “mais provável, pelo menos com a liderança atual”, é o PSD formar uma coligação com o Chega, remata.
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