Papa alerta em Lisboa para preços da habitação. O que disse Francisco no primeiro discurso na JMJ?
No primeiro discurso em Lisboa, no âmbito da JMJ, o Papa Francisco pediu à Europa para usar "o seu engenho para apagar focos de guerra" e aos políticos para "corrigir os desequilíbrios económicos".
No primeiro discurso em Lisboa, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa disse esta quarta-feira que o mundo, a navegar um momento tempestuoso em que faltam “rotas corajosas de paz”, precisa de uma Europa construtora de pontes e que “use o seu engenho para apagar focos de guerra”.
“Na verdade, o mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira. Precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”, afirmou Francisco, num discurso em italiano, durante um encontro com autoridades, sociedade civil e corpo diplomático no Centro Cultural de Belém.
No seu primeiro discurso em Portugal, aplaudido várias vezes, antecedido pelo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o chefe de Estado do Vaticano considerou que a Europa poderá “trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica”.
E recuou ao século passado quando, “do crisol dos conflitos mundiais, fez saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã, juntamente com o inimigo de ontem, o sonho de abrir percursos de diálogo e inclusão, desenvolvendo uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões, capaz de captar o mais débil sinal de distensão e de o ler por entre as linhas mais tortas da realidade”.
Na intervenção, em que a palavra oceano, que banha a capital portuguesa, esteve sempre presente, o Papa salientou que “no oceano da História” se está a navegar num “momento tempestuoso e sente-se a falta de rotas corajosas de paz”. “Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a caracteriza, apetece perguntar-lhe: para onde navegas se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?”, questionou.
Depois, alargou o campo, para todo o Ocidente, perguntando que rota segue e manifestou preocupação com o facto de, “em muitos lugares”, se investir “continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos”. “Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança, uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas. Uma Europa que inclua povos e pessoas, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas”, adiantou.
Antes, citou o Tratado de Lisboa, de reforma da União Europeia, assinado em 2007, no qual se lê que “a União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos”, para salientar o papel deste bloco “nas suas relações com o resto do mundo”, contribuindo “para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos”.
Jovens com “dificuldade em encontrar casa”
O Papa Francisco afirmou, por outro lado, que o problema ambiental global continua “extremamente grave”, alertou para o aquecimento dos oceanos e para a destruição de reservas de vida, e considerou que o ambiente, o futuro e a fraternidade são “três estaleiros da construção da esperança”. “Portugal partilha com a Europa muitos esforços exemplares na defesa da criação. Mas o problema global continua extremamente grave”, afirmou.
Referindo que “os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que se polui a casa comum”, o líder da Igreja Católica salientou ainda: “Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plástico. O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro”, questionou.
No discurso, depois de falar do primeiro estaleiro de obras, referiu que o futuro é o segundo e o “futuro são os jovens”, embora reconhecendo que são muitos os fatores que “os desanimam, como a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar uma casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo”.
“Na Europa e em geral no Ocidente, assiste-se a uma triste fase descendente na curva demográfica: o progresso parece ser uma questão que diz respeito ao desenvolvimento técnico e ao conforto dos indivíduos, enquanto o futuro pede para se contrariar a queda da natalidade e o declínio da vontade de viver”, salientou.
A boa política é chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas, mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos.
Para o chefe de Estado do Vaticano, “a boa política pode fazer muito neste sentido” e “pode gerar esperança”. Defendeu também que aquela “não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar”. “É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas, mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos”, prosseguiu.
Para o líder da Igreja Católica, a política “é chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado, mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos”.
“A isto mesmo faz apelo o sentimento da saudade portuguesa, que exprime nostalgia, desejo dum bem ausente, que só renasce em contacto com as próprias raízes”, disse, defendendo que, “neste sentido, é importante a educação, que não pode limitar-se a fornecer noções técnicas para se progredir economicamente, mas destina-se a introduzir numa história, transmitir uma tradição, valorizar a necessidade religiosa do homem e favorecer a amizade social”.
Quanto ao último estaleiro de esperança, a fraternidade, Francisco assinalou que, “em muitas partes de Portugal, está ainda muito vivo o sentido de vizinhança e solidariedade”. “Contudo, no contexto geral duma globalização que nos aproxima mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado”, afirmou, salientando a importância de “trabalhar pelo bem comum, deixando para trás contrastes e diferenças de visão”.
Neste campo, apontou o exemplo dos jovens que, “com o seu grito de paz e ânsia de vida”, levam “a derrubar as rígidas divisórias de pertença erguidas em nome de opiniões e crenças diversas”.
“Soube de muitos jovens que cultivam, aqui, o desejo de se fazerem próximo dos outros. Penso na iniciativa ‘Missão País’, que leva milhares de jovens a viver no espírito do Evangelho experiências de solidariedade missionária em zonas periféricas, sobretudo nas aldeias do Interior, indo ao encontro de muitos idosos sozinhos”, referiu, agradecendo e encorajando “a tantos que na sociedade portuguesa se preocupam com os outros, nomeadamente a Igreja, e que fazem tanto bem mesmo longe dos holofotes”.
Finalmente, o Papa Francisco criticou ainda as “leis sofisticadas da eutanásia”, referindo-se também ao aborto, com o chefe de Estado do Vaticano a considerar que a vida humana está colocada “em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”.
“No mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”, afirmou Francisco. Em Portugal, o decreto que despenaliza a morte medicamente assistida foi promulgado a 16 de maio pelo Presidente da República.
Marcelo: Portugal acolhe Papa de “braços abertos”
Minutos antes do discurso do Papa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmara que Portugal o recebe de “braços abertos”, acolhendo o seu testemunho de “dignidade das pessoas” e de que “nunca é tarde para olhar para o outro”.
“Santo Padre, hoje, em Lisboa, Portugal acolhe-vos de braços abertos por cinco dias inesquecíveis”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, numa cerimónia com o Papa Francisco e entidades oficiais, civis, membros do corpo diplomático e líderes de partidos políticos.
Sentado num cadeirão branco e tendo a seu lado o líder da Igreja Católica, o Presidente da República referiu que Portugal acolhe o testemunho do Papa de “dignidade das pessoas, entre elas e na relação com a natureza, de esperança, de paz, de fraternidade, de procura das periferias, de luta contra fomes, misérias, opressões, abusos, xenofobias, intolerâncias, exclusões dos deserdados destes tempos”.
“E, convosco, acolhe também de braços abertos os jovens católicos e também crentes de várias crenças, e não crentes, vindo ao apelo das vossas palavras. Porque convosco a Vossa voz tornou-se maior do que o vosso povo”, frisou.
Mais de um milhão de pessoas são esperadas em Lisboa até domingo para a JMJ, considerado o maior acontecimento da Igreja Católica, e que contará com a presença do Papa Francisco. O Papa, o primeiro peregrino a inscrever-se na JMJ, chegou a Lisboa hoje de manhã, tendo prevista uma visita de duas horas ao Santuário de Fátima no sábado para rezar pela paz e pelo fim da guerra na Ucrânia.
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