Governo carrega no consumo: receita fiscal sobe o triplo da inflação
OE para 2024 prevê um encaixe de mais 2,7 mil milhões. Trata-se de uma subida de 8,9%, três vezes superior à variação do índice de preços. IVA pesa mais. IABA e IUC têm maior impulso.
A receita fiscal arrecadada com impostos indiretos ou sobre o consumo vai crescer, no próximo ano, 8,9%, mais do triplo da inflação prevista, de 2,9%, de acordo com a análise do ECO à proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2024. IVA continua a pesar mais, mas a tributação sobre o álcool e IUC é a que mais sobe.
As previsões do Governo apontam para um crescimento dos ganhos com os impostos indiretos em 2.734,7 milhões de euros, para 33.399,2 milhões de euros, o que corresponde a uma variação de 8,9%. Este tipo de tributação representará mais de metade (55,5%) dos impostos arrecadados no próximo ano e que deverão ascender a 60.147,6 milhões de euros. Ou seja, o peso dos impostos indiretos na receita fiscal sobe consideravelmente, de 53,4%, este ano, para 55,5%, no próximo ano, enquanto os impostos diretos (IRS e IRC) passam a representar 44,5% dos ganhos fiscais globais, um recuo face ao rácio de 46,6% deste ano.
O IVA continuará a ser o imposto de maior relevo, representando 40,6% da receita. No próximo ano, o Executivo espera angariar 24.435 milhões de euros, um crescimento de 7,9% face aos 22.655,5 arrecadados em 2023.
“Para a evolução positiva da receita estimada de IVA contribui o impacto de medidas de justiça fiscal que se prevê contribuírem para a redução da fraude fiscal”, de acordo com o relatório que acompanha a proposta do OE para 2024. Para além disso, a substituição da medida do IVA zero no cabaz alimentar pelo reforço das prestações sociais vai permitir um encaixe de 550 milhões de euros.
O IVA só não sobe mais, porque já outras medidas, como o alargamento da taxa intermédia de IVA de 13% a um conjunto de bebidas na prestação de serviços de restauração, nomeadamente sumos, néctares e águas gaseificadas, o que irá custar aos cofres do Estado 40 milhões de euros.
O imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA) e o Imposto Único de Circulação (IUC) são os que mais crescem. No primeiro caso, o Estado espera arrecadar 467,1 milhões de euros, uma subida de 37,3% ou de 127 milhões na comparação com os ganhos de 340,1 milhões deste ano. Para este efeito, contribui essencialmente o aumento do imposto sobre as cervejas e as bebidas espirituosas e licorosas em 10%. O vinho escapa a este agravamento da tributação.
Há, porém, uma retificação que será preciso fazer na incidência do IABA sobre as cervejas com menos álcool, até 3,5 graus, caso contrário poderiam sofrer um agravamento do imposto que poderia ir de 38% a 286%. A penalização das bebidas menos alcoólicas terá sido um engano nas contas do Governo, nomeadamente relativamente aos tetos dos vários escalões de tributação. Ou seja, o primeiro patamar que estava entre os 0,5 graus e os 3,5 graus passou a ter um limite máximo de 1,2 graus, agravando assim todas as bebidas com teor alcoólico acima daquele nível.
Durante o debate na especialidade do OE, o PS deverá propor a reposição dos limites do segundo escalão entre 0,5 graus e 3,5 graus, sabe o ECO. Com esta mudança, resta saber se o aumento da receita com o IABA vai efetivamente subir 37,3%. O ECO questionou o Ministério das Finanças na semana passada, dia 20, e aguarda resposta.
O IUC é o segundo imposto indireto que mais sobe, sobretudo à boleia do agravamento da tributação sobre os veículos anteriores a julho de 2007, que tanta contestação social tem gerado. No próximo ano, os cofres do Estado esperam um encaixe de 586,7 milhões de euros com este imposto, um crescimento de 20,1% ou de 98 milhões de euros face aos 488,6 milhões de euros arrecadados este ano.
Boa parte deste impulso na receita do IUC é explicada com o agravamento da tributação sobre três milhões de carros e 500 mil motociclos entre 1981 e junho de 2007 que, só no próximo ano, dará 84 milhões de euros ao Estado. Os restantes 14 milhões vêm da atualização das taxas em 2,9%, em linha com a inflação prevista para 2024.
A atualização do IUC para veículos anteriores a julho de 2007, que passarão a pagar a componente ambiental, será faseada. A proposta do OE fixa um aumento anual máximo de 25 euros e o Governo já esclareceu que o compromisso é manter esse travão durante os próximos anos, mesmo para lá de 2024. Contas feitas pelo ECO, a penalização no IUC para estas viaturas pode chegar aos 1.000% durante os próximos anos.
O imposto sobre o tabaco é o terceiro que mais cresce. Em 2024, o Estado espera arrecadar 1.696,9 milhões de euros, uma subida de 14,7% ou de 217 milhões face aos ganhos de 1.479,7 milhões deste ano. Este crescimento resulta sobretudo do agravamento da tributação sobre este produto em 177 milhões de euros. Assim, um maço de tabaco poderá custar pelo menos mais 30 cêntimos em 2024. Isto significa que um pacote com 20 cigarros normais que, este ano, tinha um preço de cinco euros passará a valer 5,30 euros só pelo efeito do agravamento da tributação, o que corresponde a um aumento de 6%.
No global, a receita fiscal, entre impostos diretos e indiretos, deverá atingir, no próximo ano, os 60.147,6 milhões de euros, um crescimento de 2.766,8 milhões de euros (4,8%) face à estimativa de receita para este ano, de 57.380,8 milhões de euros.
Para este aumento, contribui sobretudo a evolução da receita com impostos indiretos, que cresce 2.734,7 milhões de euros ou 8,9%. Já o encaixe com impostos diretos sobe apenas 32,1 milhões de euros ou 0,1%.
Medina diz que “há um desagravamento fiscal de 700 milhões de euros”
Apesar do aumento da receita fiscal, sobretudo por via dos impostos indiretos, o ministro das Finanças, Fernando Medina, garante que “há um desagravamento discal de 700 milhões de euros”.
“Entre a diminuição do IRS em 1.600 milhões de euros, do IRC em 302 milhões, o que dá uma redução de cerca de dois mil milhões, e o aumento dos impostos indiretos, só aqui há um desagravamento em valor absoluto de 700 milhões de euros”, indicou o governante, durante uma audição parlamentar que decorreu esta quinta-feira e que marca o arranque do debate do Orçamento do Estado para 2024.
Fernando Medina reconheceu que haverá uma subida da receita fiscal e contributiva “porque há mais pessoas a pagar impostos e há aumentos salariais”, afastando a tese de agravamento da carga fiscal. Conclusão ironizada por André Ventura: “A receita do imposto do tabaco vai aumentar porque há mais pessoas a trabalhar? A receita fiscal não sobe para quem não tenha carro, não fume, coma ou não consuma bebidas alcoólicas.”
Mas o ministro das Finanças insistiu que “é falsa a afirmação de que o OE não melhora a situação fiscal dos portugueses, porque diminui impostos diretos mas está a aumentar mais os impostos indiretos”. “A realidade é que este OE diminuiu significativamente os impostos pagos pelos portugueses e este OE melhora o rendimento disponível”.
E apresentou números para confirmar a sua tese: “Em primeiro lugar, temos a diminuição de impostos diretos, são menos 1.682 milhões em IRS, incluindo o IRS jovem, medidas com habitação, atualização do mínimo de existência, atualização dos escalões e a redução das taxas”. Em relação ao IRC, “há uma diminuição em 305 milhões de euros, somando IRC e IRS há 1.987 milhões de redução da tributação direta, são grosso modo dois mil milhões de euros a menos”, continuou.
Por outro lado, o OE prevê um “acréscimo de 510 milhões de euros IVA, mas uma parte será devolvida via aumento das prestações familiares”, esclareceu Medina, que junta a este imposto outros indiretos, como a tributação sobre o tabaco ou o IUC, “o que dá um total de 1.299 milhões, ou seja, cerca de 1.300 milhões de euros”, de acordo com os dados apresentados pelo titular da pasta das Finanças. Feitas as contas, “a diminuição fiscal é de 700 milhões de euros”, concluiu.
(Notícia atualizada com declarações do ministro das Finanças, Fernando Medina)
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