António Costa versus PGR. Ministério Público tem ou não de mudar a forma de comunicar?
O parágrafo comunicado pela PGR, que levou à queda do Governo, foi necessário ou dispensável? Lucília Gago fez bem em anunciar perante o país esta investigação? A comunicação do MP é adequada?
Na segunda-feira, António Costa, lançou o repto: “Hoje faria exatamente o mesmo que fiz no dia 7 de novembro. É uma decisão — a da demissão — da qual não há retorno. O que pode é perguntar a quem fez o comunicado e a quem tomou a decisão de dissolver a Assembleia da República se fariam o mesmo perante o que sabem hoje”, disse. O primeiro-ministro em gestão referia-se ao comunicado enviado pelo gabinete da Procuradora-Geral da República (PGR) a 7 de novembro, logo após a serem conhecidas buscas em São Bento, no qual, no último e já famoso parágrafo, vinha a menção a uma investigação a António Costa, a decorrer no Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
António Costa disse ainda estar “magoado” com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e reforçou que desconhece as suspeitas que levaram à existência deste processo. Logo após estas declarações do chefe do Executivo, Lucília Gago reagia, denunciando o que chamou de ataques ao Ministério Público (MP) e garantiu que a magistratura vai continuar “inquebrantável e incólume” às críticas que surgiram após a Operação Influencer, que levou à queda do Governo.
Muitos comentários foram feitos e muitos carateres foram escritos — nestas últimas sete semanas — relativamente ao parágrafo escrito pela titular da investigação criminal. Foi necessário? Era dispensável? Lucília Gago fez bem em anunciar perante o país esta investigação, que resultou na queda do Governo? A comunicação do Ministério Público é a melhor ou mais adequada? Os cidadãos sentem-se esclarecidos relativamente às investigações criminais mais mediáticas?
O Estatuto do Ministério Público (EMMP) escreve, no artigo 6.º, que “é assegurado o acesso, pelo público e pelos órgãos de comunicação social, à informação relativa à atividade do Ministério Público, nos termos da lei. Para o efeito enunciado no número anterior, a Procuradoria-Geral da República dispõe de um gabinete de imprensa e comunicação, que funciona no âmbito do gabinete do Procurador-Geral da República”. Acrescentando ainda que “podem ser organizados gabinetes de imprensa e comunicação junto das procuradorias-gerais regionais, sob a orientação dos procuradores-gerais regionais e a superintendência do Procurador-Geral da República”. Que não existem.
O procurador do MP, Adão Carvalho, defende que “sempre que seja previsível que um determinado inquérito vai chegar ao conhecimento público, até pela sua conexão ou origem num outro inquérito que não está já a coberto do segredo de Justiça e está acessível aos sujeitos processuais, envolvendo pessoas com especiais responsabilidades na vida pública, como os titulares de cargos políticos, a Procuradoria-Geral da República tem o dever de informar os cidadãos da existência do inquérito, de forma objetiva e sucinta, designadamente identificando o crime ou crimes em investigação, o estado e o ou os visados na mesma”.
Recorde-se que o comunicado, no que toca a Costa, apenas referia que “no decurso das investigações surgiu (…) o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido”. Tal como manda a lei, “tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça”, diz o comunicado da PGR. Nada era referido em relação a factos concretos ou os crimes pelos quais António Costa pode vir a ser acusado.
Mas Adão Carvalho, também líder do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) assume que “deveria existir é uma melhor capacidade de comunicação no que tange a esclarecer os cidadãos sobre os momentos do processo, o seu âmbito e finalidade, para melhor compreensão dos cidadãos e para que possam filtrar um conjunto de informações falsas, inverídicas ou inexatas com que são bombardeados nas redes sociais e na comunicação social”. Acrescentando que “é evidente que a comunicação do Ministério Público com os cidadãos tem e deve melhorar, mas sem contudo esquecer que no processo penal o Ministério Público não é uma parte, mas uma verdadeira magistratura”.
É evidente que a comunicação do Ministério Público com os cidadãos tem e deve melhorar, mas sem contudo esquecer que no processo penal o Ministério Público não é uma parte, mas uma verdadeira magistratura.
Já o advogado da MFA Legal, Rui Costa Pereira, assume-se crítico — “há já muitos anos” — da forma como o Ministério Público exerce as suas atribuições em matéria de informação sobre a sua atividade, particularmente no processo criminal. “Do oito passou para o oitenta e a tendência é para piorar.”
As regras que regem o dever de comunicar e de informar do Ministério Público não mudaram assim tanto ao longo dos anos. E o que essas regras ditam, é que o Ministério Público tem o dever de informar em caso de necessidade de restabelecimento da verdade. “Isso pressupõe que aos comunicados da PGR antecedam notícias ou informações públicas sobre os processos. Nunca o inverso. Ao seguir esta prática de informar os cidadãos antes mesmos dos órgãos de comunicação social, como já em tempos disse, a PGR comporta-se como uma agência noticiosa e não como uma magistratura. A Operação Influencer é talvez o exemplo mais infeliz desta prática errada”, acrescenta Rui Costa Pereira.
Que diz ainda acreditar que a PGR não tem vontade “em efetivamente informar”. “Desenganem-se os que consideram que os comunicados da PGR servem apenas para informar, na aceção objetiva do cumprimento de um dever de interesse público. Será assim na minoria das situações. Através dos comunicados, a PGR informa o que quer, quando quer e como quer. Sem ‘dar a cara’. Sem responder às perguntas e interrogações que esses comunicados levantam. Levando ao público a sua verdade, não necessariamente sinónima da verdade”, concluiu.
Desenganem-se os que consideram que os comunicados da PGR servem apenas para informar, na aceção objetiva do cumprimento de um dever de interesse público. Será assim na minoria das situações. Através dos comunicados, a PGR informa o que quer, quando quer e como quer. Sem ‘dar a cara’. Sem responder às perguntas e interrogações que esses comunicados levantam. Levando ao público a sua verdade, não necessariamente sinónima da verdade.
Alexandra Mota Gomes, sócia da Antas da Cunha da área de Criminal, Contraordenacional e Compliance, defende que “a nota para a comunicação social relativa à Operação Influencer seguiu o padrão normalmente utilizado pelo Gabinete de Imprensa”. Mas acrescenta: “Contudo, ao divulgar a invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção no contexto da Operação Influencer, é legitimo que se questione a forma e o conteúdo do comunicado, dadas as inevitáveis consequências políticas daí decorrentes, bem como a ausência de qualquer dever de divulgação dessa informação pelo Ministério Público”.
Explicando que a “forma como o Ministério Público comunica a sua atividade não se encontra prevista no respetivo Estatuto”, a advogada sublinhou ainda que, nesta medida, “a PGR não se encontra impedida de realizar conferências de imprensa. Contrariamente aos países onde esta prática é comum no caso de investigações mediáticas (como EUA e França), em Portugal a opção da PGR recai invariavelmente sobre os comunicados publicados pelo gabinete de imprensa e comunicação”. Mas faz a ressalva: “As conferências de impressa implicariam sempre um foco direto de atenção e, consequentemente, uma maior mediatização do processo, o que conduziria ao aumento da pressão da opinião pública sobre as autoridades envolvidas, o que manifestamente se pretendeu evitar através da opção da PGR pelas notas para a comunicação social”.
Ao divulgar a invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção no contexto da Operação Influencer, é legitimo que se questione a forma e o conteúdo do comunicado, dadas as inevitáveis consequências políticas daí decorrentes, bem como a ausência de qualquer dever de divulgação dessa informação pelo Ministério Público.
“Fala por si o facto de, quatro dias depois do comunicado do dia 7 de novembro ter sido divulgado, o gabinete de imprensa do Ministério Público ter tomado a iniciativa de publicar um esclarecimento. O primeiro comunicado devia ter sido mais claro, evitando-se o segundo”, explica Miguel Pereira Coutinho, advogado da Cuatrecasas. Defendendo que, “claramente, o Ministério Público deve repensar a sua política de comunicação. Não só para que a comunidade escrutine a sua atuação em cada processo, como também para que não se gerem dúvidas quanto à forma como as investigações são conduzidas”.
Lançando a ideia de que “seria muito útil que fosse designado um porta-voz e que o mesmo fosse dialogando com a comunicação social, sobretudo quando estão em causa processos de elevado eco público, como acontece em muitos países da União Europeia. E esse porta-voz devia também poder dar explicações quanto a questões processuais e para pedagogia sobre o funcionamento da justiça penal e as suas várias fases, até porque isso evitaria que se gerassem erros na comunicação social”.
Questionado sobre a necessidade, ou não, da realização de conferências de imprensa pela PGR, o advogado lembra a detenção de Carles Puigdemont. “No nosso país, e pelo menos quando ocorram grandes operações de buscas ou detenções em larga escala, em processos de elevado interesse público, entendo que se justificaria essa prestação de esclarecimentos por parte do Ministério Público, em vez de estar sempre a transferir esse ónus para a Polícia Judiciária. Além disso, embora num nível diferente, julgo que fazia sentido também que, pelo menos no início do mandato e no seu fim, a PGR prestasse contas na Assembleia da República, relativamente à sua atividade de orientação do Ministério Público e de exercício da ação penal, independentemente de para tal ser chamado”.
Além disso, embora num nível diferente, julgo que fazia sentido também que, pelo menos no início do mandato e no seu fim, o PGR prestasse contas na Assembleia da República, relativamente à sua atividade de orientação do Ministério Público e de exercício da ação penal, independentemente de para tal ser chamado.
António Costa critica. PGR responde
De “consciência absolutamente tranquila”, António Costa sublinhou que “aquele” parágrafo no comunicado da PGR foi “determinante” para a sua demissão. “Perante um comunicado, onde a Procuradora-Geral da República entende comunicar oficialmente ao país e ao mundo que além de tudo mais, foi aberto um processo contra o primeiro-ministro, tenho um dever que transcende a minha dimensão pessoal. Há uma dimensão institucional na função de primeiro-ministro”, referiu.
O primeiro-ministro em gestão reforçou que desconhece as suspeitas que levaram à existência deste processo e mostrou-se confiante na Justiça. “Como confio no sistema de Justiça, tenho a certeza que, provavelmente mais tarde do que a minha vida gostaria, mas no tempo que a Justiça entende, tudo se vai esclarecer. Não tenho dúvidas nenhumas qual é a conclusão final”, sublinhou.
Já a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, garantiu que a magistratura vai continuar “inquebrantável e incólume” às críticas que surgiram após a Operação Influencer, que levou à queda do Governo.
“É de lamentar e refutar abordagens bipolares que tanto parecem enaltecê-lo como, quando fustigado por vendavais que incidem e impacientam certos alvos de investigações, o passam a considerar altamente questionável e inoperante, clamando por redobradas explicações, nunca suscetíveis, desse ponto de vista, de atingir o limiar da suficiência”, acrescentou.
“Estão hoje bem patentes as profundas e entrecortadas raízes dos ataques desferidos a uma magistratura com provas dadas e que permanecerá inquebrantável e incólume a críticas desferidas por quem a visa menorizar, descredibilizar ou mesmo, ainda que em surdina ou subliminarmente, destruir”, concluiu.
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