Investigação de corrupção na Madeira começou com denúncias anónimas
O MP conclui que se estabeleceu, "ao longo do tempo", uma relação de proximidade e confiança, em que Pedro Calado "atou e atua ainda" como um denominador comum a Miguel Albuquerque e Avelino Farinha.
Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira; Pedro Calado, autarca do Funchal; e Avelino Farinha, fundador do Grupo AFA. Estes são os suspeitos principais na mira da investigação do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) e da Polícia Judiciária (PJ) relativa ao caso da alegada corrupção na Madeira. Investigação essa que começou depois de duas denúncias anónimas recebidas pelas autoridades judiciárias.
No despacho judicial, a que o ECO/Advocatus teve acesso, o DCIAP menciona factos que poderão integrar crimes de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poder e tráfico de influência.
A realização de diligências de busca e apreensão afigura-se, assim, “imprescindível como meio de obtenção de prova, em concreto, idóneo e necessário para assegurar o que com ela se pretende. Por outro lado, a gravidade das condutas em investigação e dos crimes que, em abstrato, tais condutas podem configurar fundamentam a proporcionalidade do recurso a métodos de investigação com um tal grau de intromissão na vida de pessoas e sociedades”, lê-se no mesmo documento.
A operação levou à detenção do presidente da Câmara Municipal do Funchal, do líder do grupo AFA e do diretor executivo do grupo Socicorreia, Custódio Correia, que é também sócio de Avelino Farinha em várias empresas, segundo fonte de investigação. Os três detidos deverão ser presentes a juiz para primeiro interrogatório judicial na sexta-feira, em Lisboa.
Os indícios apurados pelo MP concluem que se estabeleceu, “ao longo do tempo”, uma relação de particular proximidade e confiança, em que Pedro Calado “atou, e atua ainda”, como um denominador comum aos outros suspeitos, tendo conseguido a confiança de Miguel Albuquerque e Avelino Farinha, por um lado, e agindo como intermediário, de modo a agir em função dos interesses do Grupo AFA junto do Governo Regional (mesmo que já afastado de funções no mesmo) e do Município do Funchal e, bem assim, “a fazer valer a vontade do presidente do Governo Regional da Madeira em diversas áreas dominadas por aquele grupo empresarial”.
Num segundo patamar, o DCIAP considera que as buscas se justificam no caso de José Afonso Tavares da Silva, vice-presidente da assembleia geral da Câmara do Comércio e Indústria da Madeira em representação da Sociedade de Automóveis da Madeira (SAM); António Prada, administrador do Pestana há mais de 20 anos, Susana Prada, ex-secretária Regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climática; Luís Miguel Silva, adjunto do presidente do Governo Regional; e Bruno Pimenta de Freitas, diretor do Savoy – Investimentos Turísticos SA. “Um conjunto de intervenientes processuais, com intervenção direta na prática de alguns factos, relativamente aos quais não é possível, por ora, descriminar”, explica o despacho.
“Indivíduos que, por força das funções concretas que exerceram e exercem, ligadas ao Governo Regional ou a sociedades no
perímetro dos grupos empresariais potencialmente beneficiários de condutas com repercussão criminal, têm acesso a documentação com potencial relevo probatório para a presente investigação”. Bem como “um vasto conjunto de entidades públicas e empresariais, em cujas instalações se prevê que exista documentação da maior relevância para a compreensão dos factos que aqui se investigam, seja por força da sua participação em processos concursais de natureza pública na qualidade de concorrentes, seja pela sua intervenção nos respetivos processos de decisão e de adjudicação”.
O Ministério Público requereu ainda que se autorizasse a realização de busca no Hotel Savoy Palace, no Funchal, sem sucesso. “Mas tal implicaria a passagem de mandado de busca em que o concreto local onde a mesma deveria ser realizada não estaria individualizado nem seria cabalmente identificável”, explica o juiz de instrução Nuno Dias Costa, o mesmo que esteve a cargo da decisão das medidas de coação da “Operação Influencer”.
O juiz de instrução Nuno Dias Costa — no despacho a que o ECO também teve acesso —, explica que, mesmo com o que chama de “opacidade” da prova neste tipo de criminalidade, “o que conduz a dificuldades investigatórias acrescidas face a formas comuns de criminalidade”, concluiu-se que “as denúncias que deram origem à investigação têm vindo a ser corroboradas pela prova documental junta ao processo”, diz no despacho assinado a 22 de janeiro.
Acrescenta ainda que, com base nos “meios de prova, conjugados com as regras de normalidade da vida, existem indícios de que no interior das residências dos suspeitos se poderão ocultar objetos relacionados com a prática dos referidos crimes, ou que possam servir de prova”. Objetos como computadores, telemóveis e documentos, pelo que “a busca domiciliária revela-se adequado à obtenção daqueles objetos”, justifica o juiz, que autorizou ainda a apreensão de emails de todos os envolvidos.
Nuno Dias Costa decidiu as medidas de coação aplicadas a Diogo Lacerda de Machado, amigo de Costa, Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de Costa, Nuno Mascarenhas, autarca de Sines, e Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves, administradores da Start Campus, acabando por libertar todos os detidos.
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