Bruxelas aprova direito à reparação. Marcas passam a ser obrigadas a reparar equipamentos mesmo fora da garantia
Serviço de reparação passará a ser mais barato, rápido e atrativo para os consumidores, desincentivando a substituição de equipamentos. Há perspetivas de poupança, mas marcas poderão registar perdas.
A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu deram “luz verde” ao Direito à Reparação, diretiva que obriga as marcas a disponibilizar um serviço de reparação dos equipamentos elétricos e eletrónicos sempre que a sua substituição for mais cara, independentemente de o produto estar ou não abrangido pela garantia legal. Tal resultará em poupanças para os consumidores, que terão direito a uma reparação com preços “razoáveis” e poderão ver prolongada a vida útil dos seus equipamentos, ao mesmo tempo que se impulsiona a economia circular na União Europeia.
“Este acordo é um passo importante para garantir que a reparação de produtos se torne numa escolha fácil, acessível e atrativa para os consumidores”, considerou Maroš Šefčovič, vice-presidente executivo na Comissão Europeia que é responsável pelo Pacto Ecológico Europeu.
Segundo a nova diretiva, quando um equipamento elétrico ou eletrónico (tablets, smartphones, máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louça, entre outros) tiver algum defeito ou sofrer algum dano dentro do prazo da garantia legal, os consumidores passam a beneficiar de uma prorrogação de 12 meses da garantia se optarem por mandar reparar os seus produtos. Mas mesmo se essa garantia já tiver expirado, os consumidores poderão solicitar a mesma reparação junto das marcas. Em ambos os casos, os fabricantes serão obrigados a publicar informações sobre os seus serviços de reparação, incluindo preços indicativos das reparações.
O texto agora aprovado obriga os fabricantes a realizarem as reparações necessárias num prazo “razoável” e, a menos que o serviço seja gratuito (como acontece em alguns casos abrangidos pela garantia legal), também este a um preço “razoável” para incentivar os consumidores a optar pela reparação. E, para impulsionar o desenvolvimento do mercado da reparação, Bruxelas determinou que as peças suplentes para bens tecnicamente reparáveis sejam disponibilizadas a um preço “razoável”.
Apesar das novas regras, o acordo mantém o direito dos consumidores de escolher entre a reparação e a substituição dos aparelhos defeituosos dentro do período de responsabilidade do vendedor incluído na garantia. Ou seja, caso o consumidor não tenha interesse em proceder à reparação do equipamento, pode ainda assim pedir que seja substituído se estiver dentro da garantia legal.
Agora aprovada, a diretiva terá que ser formalmente adotada pelo Conselho da União Europeia, e entrará em vigor 20 dias após a publicação no Jornal Oficial da União Europeia. A iniciativa será avaliada cinco anos após a sua entrada em aplicação.
Consumidores poupam mas marcas deverão ter “perdas significativas”
Com esta nova diretiva, a Comissão Europeia estima que os consumidores poupem 176,5 mil milhões de euros em 15 anos e, ao nível de emissões, a expectativa é de uma redução de 18,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) no mesmo período. De acordo com a Comissão, a eliminação prematura de bens de consumo viáveis gera 261 milhões de toneladas de emissões equivalentes de CO2 e resulta em 35 milhões de toneladas de resíduos na UE todos os anos. Ao mesmo tempo, os consumidores que optam pela substituição em vez da reparação perdem cerca de 12 mil milhões de euros por ano.
Apesar dos impactos positivos no ambiente e na carteira dos consumidores, o executivo comunitário antecipa “perdas significativas” para os fabricantes, “devido às vendas não concretizadas e à redução da produção de novos bens”, mas também por passarem a ser obrigados a cumprir os novos requisitos de informação e de reparação.
As perdas das empresas refletem uma transferência das receitas das empresas para o bem-estar dos consumidores e é igualmente provável que os consumidores invistam o dinheiro economizado na economia em geral, o que, por sua vez, conduzirá ao crescimento e ao investimento
Ao ECO/Capital Verde, a fabricante de eletrodomésticos alemã AEG garante não antecipar “grandes impactos” nas contas com esta nova diretiva, uma vez que o direito à reparação “já faz parte da estratégia” da empresa. “Estamos preparados [para dar resposta]”, garantem.
Segundo a marca alemã, em 99% dos casos uma reparação de um dos seus equipamentos é “mais barata do que a substituição”, detalhando que o preço médio da substituição de uma peça ronda os 50 euros, e que este processo tende a ser concretizado com “rapidez”. “Em garantia, apenas 1% dos pedidos de reparação avançam para troca de produto“, acrescentam.
Igualmente comprometida está a Bosch, que apela aos Estados-membros que se “abstenham de agir de forma independente” face à nova diretiva. “É importante que requisitos uniformes sejam estabelecidos para produtos em todo o mercado interno”, defendem ao ECO/Capital Verde.
Embora não revele de que forma esta nova diretiva irá impactar as contas no futuro, a gigante alemã realça que o serviço de reparação dos seus produtos é já uma prática adotada.
“Tendo em conta que frequentemente uma reparação é mais sustentável do que a substituição do dispositivo, o nosso conceito de reparação para ferramentas e eletrodomésticos garante o acesso a peças sobressalentes ao longo de um período prolongado”, acrescentam.
A Deco Proteste realça a importância desta nova medida uma vez que a nova diretiva permite evitar a eliminação prematura de bens de consumo, “a maioria dos quais ainda poderá ser objeto de reparação”. No entanto, Sofia Lima, especialista em assuntos jurídicos, sublinha que a associação de defesa do consumidor continua a defender uma “extensão dos prazos de garantia para além dos atualmente estabelecidos“.
Segundo a especialista, a reparação do produto pode “nem sempre ser a melhor opção” para os consumidores e que, por isso, embora deva ser “incentivada”, a mesma “não deve ser imposta”.
Além das empresas, a Comissão Europeia aponta “custos de adaptação” para a indústria transformadora e o setor retalhista que “ficarão, de certa forma, em desvantagem com a iniciativa”.
Apesar de não adiantar de que forma poderá ser impactada, a Worten diz ao ECO/Capital Verde que “aplaude a iniciativa”, por considerar que “a sustentabilidade e preocupação ambientais fazem parte do ADN” da empresa desde o início.
Igualmente alinhada com os objetivos “verdes” desta iniciativa está a Swappie, uma empresa de compra e venda de iPhones recondicionados. Ao ECO/Capital Verde, Luísa Vasconcelos e Sousa, country manager da empresa aponta aponta que a introdução de uma obrigação de reparação para as marcas, “é uma verdadeira vitória para a sustentabilidade e para a economia circular” pois permite uma redução significativa do lixo eletrónico.
“A partir de agora, as novas regras incentivam as pessoas a considerarem a reparação em vez da substituição, beneficiando a redução na produção do lixo eletrónico e chamando a atenção para a necessidade de adotar hábitos de consumo mais sustentáveis”, realça a responsável.
O Direito à Reparação prevê também que os produtores de países terceiros saiam prejudicados “devido a uma diminuição das vendas de novos bens importados”. No entanto, argumenta o executivo comunitário, este impacto pode ser positivo globalmente a longo prazo, “uma vez que esses produtores podem ser incentivados a fazer a transição para a produção de bens mais duradouro”.
Notícia atualizada às 16h09 no dia 12 de fevereiro com declarações da Swappie
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