Empresários de calçado fazem as malas para “chutar” falta de encomendas
Com duas estreantes na comitiva, 70 empresas dão “corda aos sapatos” em Milão para recuperar clientes internacionais. Investimento promocional de oito milhões em 2024 é “um dos maiores de sempre".
Depois de perderem dez milhões de pares de calçado na exportação durante o ano passado – as vendas no estrangeiro encolheram 8% em valor face a 2022, para um total de 1.839 milhões de euros –, os industriais portugueses começam a “dar corda aos sapatos” para tentar recuperar as encomendas perdidas nos mercados internacionais, que absorvem perto de 90% da produção nacional, com destino a 173 países nos cinco continentes.
No calendário deste ano há um conjunto de 53 ações promocionais em 18 mercados diferentes. Um número já próximo das iniciativas em que os empresários do setor chegaram a participar antes da pandemia – e bem acima das 28 e das 38 concretizadas em 2022 e em 2023. A associação do setor (APICCAPS) contabiliza ao ECO que o orçamento para 2024 ascende a oito milhões de euros, “um dos maiores investimentos de sempre”.
“Significa, desde logo, que estamos a fazer mais em matéria de promoção comercial externa. Mas ainda não é suficiente. Queremos ter mais empresas em mais ações e em mais mercados. Queremos acelerar o passo e ir à conquista de novas oportunidades. Além de consolidar a presença nos mais exigentes mercados europeus, nos dois próximos anos vamos explorar oportunidades na Europa de Leste, nos EUA, Coreia do Sul e Japão”, explica o porta-voz, Paulo Gonçalves.
Estamos a fazer mais em matéria de promoção comercial externa. Mas ainda não é suficiente. Queremos ter mais empresas em mais ações e em mais mercados. Acelerar o passo e ir à conquista de novas oportunidades.
Por outro lado, há “oportunidades em nichos específicos” a aproveitar pela indústria portuguesa, composta por mais de 1.100 empresas que empregam 36 mil pessoas. Traduzem-se no reforço da presença das empresas nacionais em certames especializados nas áreas da saúde, da segurança ou da sustentabilidade, como a Expoprotection (França), a Sicur (Espanha) e a Neonyt (Alemanha).
Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Colômbia, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Hong Kong, Itália, Japão, Marrocos, Nova Zelândia, Países Baixos, Polónia e Reino Unido. Estes são os 18 mercados-alvo selecionados para 2024 e estão enquadrados no mais recente plano estratégico desenhado para o setor, que até 2030 quer empresários com estudos e a subcontratar mais no estrangeiro.
Apresentado em novembro de 2022, este documento mapeou até as 145 cidades no mundo que devem ser consideradas prioritárias (63% delas concentradas na Europa e nos EUA) por serem “núcleos significativos de clientes com apetência por calçado de alta qualidade, com forte componente de moda e design ou exigentes requisitos técnicos”.
As três maiores empresas do cluster do calçado em Portugal continuam a ser multinacionais de origem europeia, implantadas no Norte do país desde as décadas de 70 e 80, e que em conjunto respondem por um volume de negócios superior a 180 milhões de euros e asseguram quase 2.000 postos de trabalho no país. Lidera a alemã Gabor (fábrica em Barcelos), segue-se a dinamarquesa Ecco (Santa Maria da Feira) e fecho o pódio a alemã Ara (Seia).
Paulo Gonçalves garante que o setor continua a estar “no radar de investidores estrangeiros, em especial no segmento de luxo”, notando que “praticamente todas as principais marcas à escala mundial já estão a operar direta (com fábricas) ou indiretamente (subcontratando) em Portugal”. “Procuram-nos pelo saber-fazer acumulado, capacidade de desenvolvimento, flexibilidade produtiva e, mais recentemente, por questões relacionadas com a sustentabilidade e responsabilidade social”, resume o diretor de comunicação da APICCAPS.
Quase 70 rumam a Itália com duas estreantes a bordo
Fechado o “ano mais difícil”, como classificou Luís Onofre na tomada de posse para o terceiro mandato à frente desta associação, o primeiro grande teste à retoma do mercado acontece a partir deste domingo em Milão. Quase 70 empresas viajaram até Itália para participar na Micam (calçado) e também na Lineapelle (componentes para calçado e marroquinaria) e na Mipel (acessório de pele), que na edição passada receberam mais de 42 mil visitantes profissionais oriundos de 129 países.
Apostadas em “evoluir na gama e abordar clientes de maior valor”, na comitiva portuguesa seguem duas estreantes nesta que é a mais importante feira do setor a nível mundial. Fundada em 1987 em Cesar, freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis pela mão do sócio Albino Vaz, a empresa A. Hernâni especializou-se no fabrico de calçado de senhora e vai mostrar na capital da moda italiana as coleções da marca Nano Shoes.
Outro stand inédito na Micam, que arrancou no domingo de manhã e só termina na quarta-feira, é o da Mitik, que exporta 92% dos sapatos casual de senhora e para crianças. Sediada no município vizinho de São João da Madeira, a marca pertence à Leal & Companhia, que foi criada em 1965 pelo casal Carlos e Isabel Pinho e já tem a terceira geração da família aos comandos. Emprega 45 pessoas e produz atualmente 400 pares por dia.
No último ano, enquanto as exportações de calçado encolheram 8,2%, as vendas no exterior de artigos de pele e marroquinaria cresceram 14% para 310 milhões de euros, e nos componentes aumentaram 13,6% para 73 milhões de euros. Valores e competências que levam a associação a reforçar a lógica de fileira e encarar estes segmentos como “estratégicos” na afirmação da indústria nacional de calçado. Em preparação está uma campanha com o slogan “Portuguese Shoes Cluster”.
Paulo Ribeiro, vice-presidente da APICCAPS, sustenta que “um dos principais argumentos competitivos da indústria reside precisamente no facto de existir, num raio de 50 quilómetros da cidade do Porto, uma oferta variada de todo o tipo de componentes e de serviços à disposição das empresas de calçado”.
E numa altura em que “tanto se fala de produção de proximidade”, acrescenta o dono da Atlanta, que expandiu a fábrica de solas de borracha na Lixa, a indústria portuguesa é “uma das mais qualificadas do mundo, que se soube reinventar, evoluir técnica e tecnologicamente, e por isso está no radar das grandes marcas internacionais da especialidade”.
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