Legislatura europeia perto do fim. Partidos dão nota positiva aos mandatos mas receia-se subida dos radicais populistas
Eleições europeias vão ser "teste" ao Governo, à oposição do PS mas também à resiliência do Bloco e PCP que arriscam perder deputados. Chega e IL devem ganhar representação.
Ao fim de cinco anos no Parlamento Europeu (PE), o mandato dos 21 eurodeputados portugueses – entre 705 – chega ao fim. O balanço geral é positivo – sete eurodeputados estão entre os 100 mais influentes – e mantêm-se, de forma geral, confiantes em relação à próxima legislatura. A última sessão plenária no Parlamento decorre entre 22 e 24 de abril, e apesar de a maioria dos compromissos terem sido cumpridos, os eurodeputados deixam trabalho pelo caminho esperando que a próxima legislatura possa dar continuidade. Mas não será certo, pois pela Europa fora, assiste-se a uma polarização do discurso político potenciado pelos radicais populistas à esquerda e à direita, o que ameaça a atual composição do Parlamento Europeu.
Tanto o PS como o PSD dizem ser “prematuro” a admissão de perda de deputados face ao que aconteceu nas últimas eleições legislativas, mas o que é certo é partidos da família do Chega – que cimentou a sua posição como terceira força política na Assembleia da Republica – têm crescido por toda a Europa. Em 2019, o PS conseguiu eleger nove deputados para a família dos Sociais e Democratas (S&D) enquanto o PSD assegurou a nomeação de seis para o Partido Popular Europeu (PPE).
Mesmo sendo prematuro, o PS garante ao ECO que o combate às forças populistas anti-Europa serão uma prioridade durante a campanha eleitoral, à semelhança dos restantes partidos europeus que integram a sua família partidária europeia. “É claramente uma ameaça”, dizem.
“[Queremos] que as forças democráticas e progressistas continuem a conduzir a Europa neste projeto de paz e diversidade, contribuindo para melhores condições de vida das pessoas, mais sustentabilidade das nossas economias e do planeta, assim como valorização e respeito do Estado de Direito e das liberdades fundamentais”, sublinha o PS.
Já o PSD rejeita a possibilidade de perda de mandatos. Na verdade, os sociais-democratas antecipam “uma subida em número de deputados e de votos, atenta à grande influência dos deputados do PSD, universalmente reconhecida, na vida do PE e do PPE”.
No entanto, dita a história, as eleições europeias tendem a ser um “teste de avaliação” ao partido que está no Governo e que ainda se tenta afirmar politicamente depois de oito anos no papel de oposição, afirma Paula Espírito Santo.
“As eleições europeias vão espelhar as eleições nacionais e o crescimento interno da direita radical”, aponta a cientista política e investigadora no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP).
“Sabendo que houve um ato eleitoral muito próximo, a maioria destes eleitores ainda não mudaram as suas convicções e vão continuar a apoiar o Chega. Não se desmobiliza um eleitorado tão facilmente em três meses, mesmo sabendo que estas eleições são menos participadas”, diz a especialista.
O mesmo é apontado por José Filipe Pinto, professor catedrático de Relações Internacionais pela Universidade Lusófona e autor do livro “As Europas e os Novíssimos Príncipes – Os Escândalos Populistas”. “Há uma grande mobilização dos novos eleitores e por isso penso que vamos ter uma taxa de abstenção mais baixa“, prevê o docente. Nas últimas eleições, a taxa de abstenção atingiu os 70%, a mais alta de sempre em Portugal.
“O Governo quis passar esta mensagem de que quer resolver os problemas das pessoas, e tudo vai depender do sucesso dessas medidas – como a baixa do IRS e a resposta às reivindicações da administração pública”, refere o mesmo, sublinhando que a concretização de parte do programa eleitoral da Aliança Democrática nos próximos dois meses permitirá “testar a credibilidade” a Luís Montenegro a tempo das eleições.
Dança de cadeiras entre Bloco, PCP, Chega e IL
Mas não será só a credibilidade do primeiro-ministro a ir a jogo.
As sondagens a nível europeu realizadas até agora indicam que as próximas eleições provocarão uma mudança da orgânica do Parlamento Europeu. Os partidos radicais populistas, à esquerda e à direita, deverão ganhar votos e lugares, ao contrário dos partidos de centro-esquerda e verdes. Isto acontece numas eleições que permitirão eleger mais 15 deputados do que no último sufrágio: serão 720 eurodeputados com assento parlamentar na próxima legislatura. Dois lugares suplementares para França, Espanha e os Países Baixos, e um lugar para a Áustria, Dinamarca, Bélgica, Polónia, Finlândia, Eslováquia, Irlanda, Eslovénia e a Letónia. De Portugal, voltarão a sair 21 eurodeputados, mas poderão, desta vez, ter origens partidárias diferentes.
José Filipe Pinto explica que o número de deputados atribuídos é resultado de um sistema de proporcionalidade degressiva, ou seja, os países mais pequenos elegem mais deputados do que seria estritamente justificado pelo tamanho das suas populações. “A Alemanha consegue eleger 96, mas se não houver esse sistema, provavelmente seria mais”, acrescenta
Na sondagem de março do IPSOS para a Euronews, a AD (coligação que volta a juntar o PSD e o CDS) e o PS deverão a ser os dois partidos mais votados, conquistando cada um oito representantes, podendo resultado num eventual “empate técnico”.
Já o Chega, que se estreia no boletim de voto com António Tânger Corrêa como cabeça de lista do partido, surge como terceira força política nas sondagens, resultando na eleição de pelo menos três deputados. “Podem chegar aos quatro deputados”, admite José Filipe Pinto. “Pela primeira vez, vamos ter deputados portugueses que pertencem à família dos partidos europeus que põe em causa o processo de integração europeia“, aponta o professor da Lusófona. “Já tínhamos o PCP, mas era do lado esquerdo do espetro”.
Por seu turno, a Iniciativa Liberal, que terá como cabeça de lista João Cotrim de Figueiredo, traz pelo menos um deputado para o hemiciclo, depois de em 2019, não terem conseguido eleger nenhum. Resultado idêntico terá o Bloco de Esquerda, ficando com menos um deputado.
“O Bloco, embora seja europessimista – ou seja, não concorda com o rumo de desenvolvimento da União Europeia – não se opõe à integração de Portugal no bloco. É eurocético“, analisa o docente da Universidade Lusófona, que não exclui, no entanto, que isso possa resultar numa perda total da representação no Parlamento Europeu – um cenário bastante provável para o PCP, que de acordo com as sondagens perde os dois eurodeputados.
O resultado do PCP deverá ser coerente à posição assumida pelo partido desde a integração de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1985. “O PCP é eurófobo, europessimista, eurorejeitante”, elenca o investigador da Universidade Lusófona. “Depois de tanto tempo a criticar o projeto europeu, mas a beneficiar dele, o PCP está a ser confrontado, segundo as sondagens, com a perda de representação no Parlamento. O eleitorado estará, pela primeira vez, em coerência com a posição do partido“.
Já o PAN (que ficou sem representação em 2020) e o Livre (que em 2019 não elegeu ninguém) devem voltar a ficar de fora do PE.
“O Livre e o PAN têm poucas hipóteses de eleger um representante. O método de Hondt privilegia os partidos maiores e as coligações. Fazia todo o sentido que os pequenos partidos, próximos ideologicamente – que o caso do Livre, PAN, e eventualmente o Volt – aparecessem coligados nestas eleições. O problema é que isso resultaria num único eurodeputado. Quem seria?”, questiona o Filipe Pinto.
Prós-Europa resistem à subida de populistas radicais
A nível europeu, embora os partidos mais ao centro (considerados os “pró-europeus”) continuem a deter a maioria dos lugares devem ver uma perda no sentido de voto, de acordo com a sondagem da IPSOS. “O PPE e o S&D estavam habituados a controlar o Parlamento, mas desde as últimas eleições que isso deixou de ser uma realidade”, recorda José Filipe Pinto.
O PPE, partido da família do PSD e CDS, deverá ficar sem um lugar (177 deputados), enquanto o S&D perde quatro (136 eurodeputados). Já a família partidária da Iniciativa Liberal, o Renovar a Europa, que poderá perder até 17 representantes, continuará, no entanto, como a terceira força política no Parlamento Europeu, assegurando 102 representantes.
Os Verdes, partido do qual o eurodeputado independente Francisco Guerreiro integra, perdem 17 lugares para 55 eurodeputados, e no extremo desse hemiciclo, a Esquerda Unitária Europeia — considerada por José Filipe Pinto como a “esquerda populista socioeconomica” — poderá ganhar cinco deputados, embora a nível nacional nem o Bloco nem o PCP reflitam essa tendência.
Pela primeira vez, vamos ter deputados portugueses que pertencem à família dos partidos europeus que põe em causa o processo de integração europeia.
As maiores subidas acontecem no hemisfério mais à direita. Enquanto os Reformistas e Conservadores Europeus ganham mais oito lugares, para um total de 76 deputados, o Identidade e Democracia (ID), família partidária do Chega, deverá ganhar mais 22 deputados, conquistando 81 lugares no hemiciclo – mesmo sendo um grupo parlamentar “anti-europeu” e caracterizada como do”populista cultural ou identitária”, por José Filipe Pinto. Este grupo tornar-se-ia na quarta força política no Parlamento Europeu, a uma distância de apenas quatro deputados dos liberais.
José Filipe Pinto explica que isso acontece como resultado de uma “moderação do discurso a nível europeu”, tal como aconteceu com o Movimento Cinco Estrelas, de Itália, que na última legislatura europeia votou “várias vezes ao lado” do PPE. Isto, em prol de dois benefícios: o financeiro e o da afirmação política.
“Ao moderarem o discurso, face aos princípios ideológicos, isto permite-lhes ganhar credibilidade e integrar órgãos comunitários europeus. Sentam-se à mesa do poder”, explica o docente. “Chamo-lhes eurointeresseiros“.
Portugal com sete eurodeputados entre os 100 mais influentes
Os últimos cinco anos merecem nota “bastante positiva” dos 21 eurodeputados portugueses, ainda que a ordem de trabalhos tenha sido prejudicada face às sucessivas crises e pressões sobre o debate político: a pandemia, início da guerra na Ucrânia, crise inflacionista e escalada do conflito armado no Médio Oriente.
Ao longo de cinco anos, foram aprovados mais de 330 diplomas, estando ainda cerca de 200 em curso. Entre as conquistas destacam-se o Fit for 55, o apoio financeiro e militar à Ucrânia, os diplomas relativos às tecnologias nos espaços digitais — regulamento dos serviços digitais e a lei da inteligência artificial, a primeira no mundo. Mas também o direito à reparação, a aprovação de um carregador universal e o pacote para as migrações, uma das últimas conquistas do Parlamento.
“A legislatura que agora termina foi tudo muito menos previsível, dadas as crises com que fomos surpreendidos”, indica o PS. “Questões que ninguém equacionou no início da legislatura alteraram muito as prioridades e o planeamento definido”.
Ainda assim, Portugal conseguiu assegurar um lugar de destaque. De acordo como índice EU Matrix, os portugueses foram a “terceira delegação em termos de influência política proporcional e a segunda mais prolífera proporcionalmente [ao seu tamanho].” Para além disso, são os que demonstram “o melhor desempenho no que toca a atividades legislativas” de entre as 27 delegações nacionais, indica o ranking.
O maior destaque é atribuído ao agora ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, que ocupou a 15º posição entre os eurodeputados de maior influência, seguindo-lhe Maria Graça Carvalho, agora ministra da Energia e do Ambiente na 70.ª posição.
Esses não são, no entanto, as conquistas de maior relevo para o PSD. Ao ECO, fonte oficial destaca os vários diplomas aprovados na área do ambiente e o pacto para as migrações, com especial atenção para a primeira emissão de dívida europeia que permitiu financiar o Next Generation EU e o fundo de Recuperação e Resiliência.
“Em ambos os casos fomos construtores de pontes e responsáveis pelos resultados mais equilibrados do que o ponto de partida”, diz fonte oficial do partido, destacando também os esforços conduzidos a nível da defesa do apoio humano, financeiro e militar à Ucrânia e da integração do país no bloco europeu.
No entanto, ficou por concretizar a União Bancária, “com a garantia dos seguros de depósitos” e a “União para a saúde”, proposta que nasceu na sequência da pandemia. A expectativa é de que a próxima legislatura permita não só dar avanços nesse sentido, como também fazer um “maior aprofundamento dos mecanismos de avaliação do Estado de Direito” e concretizar uma “reforma institucional e financeira com vista ao alargamento”.
Por seu turno, os socialistas – que conseguiram Pedro Marques (34º) Isabel Santos (35º) e Isabel Carvalhais (63º) no ranking dos eurodeputados mais influentes – dizem ter apresentado resultados “positivos” nesta legislatura, salientando que a sua família política europeia desempenhou “um papel fundamental na promoção de avanços sociais, na defesa de um futuro mais sustentável [ambientalmente] e de um mundo digital mais transparente”.
Já o Bloco, que foi o terceiro partido mais votado, em 2019, garante ter conseguido intervir “de forma coesa” e concretizar diplomas ligadas à governação económica, o combate pela justiça fiscal, e dossiers ligados aos direitos sociais e humanos e combate às alterações climáticas. Apesar de já não contar com Marisa Matias – a 100º eurodeputada mais influente desta legislatura – para encabeçar a lista, sendo agora a vez da ex-coordenadora Catarina Martins, o partido mantém-se confiante de que conseguirá eleger novamente dois representantes para a Esquerda Unitária Europeia.
O PCP, apesar dos desafios e de não ter nenhum dos dois eurodeputados representado na lista dos mais influentes, também faz um balanço “positivo” da sua intervenção no Parlamento nos últimos anos “em nome dos trabalhadores e do progresso social”.
Já Francisco Guerreiro – que foi considerado pelos ambientalistas o eurodeputado que mais apresentou e fez aprovar propostas em defesa do ambiente e da ação climática, entre 2019 e 2024 – não deverá voltar a concorrer nas próximas eleições, ainda que se orgulhe das conquistas obtidas no Parlamento durante o seu mandato. Entre elas, vice-presidente da Comissão de Agricultura e vice-presidente do Intergrupo pelo bem-estar animal.
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