Meloni, Orbán e Le Pen decidem futuro do Parlamento Europeu
As negociações só deverão arrancar quando forem divulgados os resultados eleitorais de domingo, mas Orbán, Meloni e Le Pen já preparam caminho em Estrasburgo.
A poucos dias das eleições europeias, e a meses da eleição do próximo presidente da Comissão e Conselho Europeu, a direita radical e extrema-direita tornaram-se numa peça-chave para o futuro em Estrasburgo. No Parlamento Europeu, os liberais lutam para segurar o lugar de terceira força política face às sondagens que sugerem uma ultrapassagem dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), mas a principal preocupação dos eurodeputados centra-se na possibilidade de o ECR formar uma “super coligação” com o Identidade e Democracia (ID), na próxima legislatura. A fusão colocaria a extrema-direita como segunda força política, destronando os Socialistas Europeus (PSE). As únicas matérias que os separam são o grau de euroceticismo e a posição em relação à invasão da Rússia à Ucrânia, mas Viktor Orbán quer garantir que esse casamento acontece, e que dessa união surge espaço na bancada no parlamento para o partido se sentar.
“O que Orbán está a tentar fazer é o que Steve Banon [antigo estratega político de Donald Trump] quis fazer na Europa: formar uma internacional populista identitária. Se esta fusão acontecer, deixaria de haver dois grupos no Parlamento Europeu e passaria a haver um. E, a fusão deste grande grupo, embora difícil, ainda é possível”, afirma José Filipe Pinto, politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona ao ECO. “O que sabemos é que esta solução passará muito por Orbán , Meloni e Marine Le Pen”, diz.
Os partidos de direita devem colaborar. Estamos nas mãos de duas mulheres [Giorgia Meloni e Marine Le Pen] que devem chegar a um acordo”
Os esforços de Orbán poderão dar frutos, pelo menos no que toca à futura família europeia do Fidesz, partido húngaro que está órfão em Estrasburgo desde 2021 depois de se ter desvinculado do Partido Popular Europeu (PPE) sob ameaça de expulsão. O primeiro-ministro húngaro tem reiterado o desejo de os eurodeputados do seu partido se juntarem ao ECR após as eleições europeias, tendo na manga possíveis resultados que justifiquem essa adesão.
As sondagens do Politico apontam para que o partido de extrema-direita húngaro consiga eleger pelo menos 10 eurodeputados (menos dois do que em 2019) do total de 21 representantes que a Hungria pode levar para o Parlamento Europeu. Mas as negociações só deverão arrancar depois de domingo e deverão prosseguir até 16 de julho, altura em que arranca a sessão plenária constitutiva que decorre até 19 de julho. Será nesta altura que poderão ser anunciados novos grupos partidários. Nessa mesma sessão, será eleito o presidente do Parlamento Europeu.
Para Mariana Carmo Duarte, doutorada pelo Instituto Universitário Europeu, em Florença e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), a entrada do Fidesz no ECR pode ser “bastante vantajosa para o [grupo] porque ia aumentar substancialmente o número de deputados no Parlamento Europeu”. No entanto, poderia “limitar o apoio a von der Leyen [para a presidência da Comissão Europeia] por parte dos outros partidos que pertencem ao ECR”, indica ao ECO. Mas sobre esta matéria, já lá vamos.
As sondagens do Politico são claras: o nascimento desta “super coligação” poderia resultar na ocupação de 153 lugares no Parlamento Europeu (86 do ECR e 67 do ID). Seriam mais 23 lugares do que as projeções indicam para os socialistas (família europeia do PS): 130 eurodeputados, menos nove do que na legislatura que terminou em abril.
Mas a eventual “super coligação” ainda estaria longe dos 172 deputados que os sociais-democratas (família europeia da Aliança Democrática) podem alcançar na próxima legislatura. O PPE deve continuar a ser o principal grupo político, até 2029.
“Para os partidos conservadores, [esta “super coligação”] poderia dar-lhes bastante peso, embora aí ache que também seria complicado gerir algumas expectativas, porque esse grupo maior iria de facto incluir partidos cuja bandeira é amplamente eurocética, de saída da União Europeia, e com partidos que são críticos da União Europeia, mas que não querem a sua saída. E essa poderia ser uma linha de desentendimento que pode prevenir que haja a junção do ID e do ECR num só grupo”, explica Mariana Carmo Duarte.
Caso esta expectativa se concretize, o que significaria isto, na prática? Ora, a União Europeia é composta por três instituições. O Conselho Europeu “que representa o interesse dos 27 Estados-membros”, a Comissão Europeia “que é o órgão executivo da União Europeia” e que detém competência legislativa, e o Parlamento Europeu “que representa o interesse do povo”, simplifica o professor catedrático. “Quem define as linhas orientadoras da UE é o Conselho, e não a Comissão. As grandes decisões da UE serão sempre do Conselho”, garante José Filipe Pinto, que afasta o risco de dossiês estratégicos europeus serem postos em causa no hemiciclo.
O meu principal objetivo é construir uma maioria alternativa à que tem governado nos últimos anos. Uma maioria de centro-direita – por outras palavras – que fará com que a esquerda passe para a oposição na Europa.
Haverá, no entanto, alterações quanto ao funcionamento dentro do próprio parlamento. “Se o ID e o ECR formarem um grupo novo vão ter direito à presidência e vice-presidência de comités”, algo que até agora estava nas mãos dos dois partidos ao centro, explica o mesmo.
Mas nada é garantido, visto que a primeira-ministra italiana ainda não respondeu ao pedido de casamento proposto por Orbán e Le Pen. Meloni tem optado por manter as suas opções em aberto até ao resultado das eleições, no dia 9 de junho.
Uma amizade improvável e estratégica
Esta viragem à direita seria dramática pois, pela primeira vez em quase 70 anos, os dois maiores grupos políticos e fundadores do projeto europeu deixariam de liderar as negociações no Parlamento Europeu, e Ursula von der Leyen, que prepara caminho para ser reeleita como presidente da Comissão Europeia, não ignora esta possível mudança de paradigma.Entre os corredores de Bruxelas, Ursula von der Leyen e Giorgia Meloni (que é também líder do ECR) estreitam laços de uma amizade que foi sendo construída nos últimos cinco anos.
“Meloni representa um Estado-membro que enfrenta uma pressão particularmente significativa da imigração nas suas fronteiras, e teria sido politicamente difícil, se não impossível, para von der Leyen ter excluído Meloni ao longo dos últimos anos relativamente a estas políticas da UE”, contextualiza Liza Saris do European Policy Center ao ECO, sublinhando que esta aproximação tem levado a uma “inevitável normalização” da direita radical em Bruxelas.
Tenho trabalhado muito bem com a Giorgia Meloni no Conselho Europeu, tal como com todos os restantes chefes dos Estados-membros. É a minha função enquanto presidente da Comissão. [Meloni] é claramente pró-Europa, tem sido muito clara na sua posição contra Putin e o Estado de Direito. Se essas posições se mantiverem, continuaremos a trabalhar juntas.
A governante alemã fá-lo apesar de a decisão pôr em causa a relação com os socialistas que, enciumados e ameaçados, já prometeram retirar o apoio a von der Leyen, em setembro, enquanto spitzenkandidat do Partido Popular Europeu (PPE). Para conseguir ser reeleita líder da Comissão Europeia, além de precisar do consenso dos 27 Estados-membros no Conselho Europeu, von der Leyen vai precisar de 361 votos no Parlamento Europeu, e aqui a bancada socialista pode dar um grande impulso no sentido de voto.
“Por parte da von der Leyen há um cálculo eleitoral. Ela percebe que tem que ter o apoio do máximo número possível de partidos e que, se excluir os partidos pertencentes aos grupos mais à direita no Parlamento Europeu, pode ficar numa posição frágil”, analisa a investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
“Não havendo dois grupos para garantir a eleição” (juntos o PPE e o PSE conseguem 302 votos, segundo as projeções), “von der Leyen tem de se apoiar em partidos que à partida ficariam excluídos [das negociações]. A candidata aproxima-se de um mas acaba a criar anticorpos com outro”, aponta o professor da Universidade Lusófona.
Em Itália, as projeções indicam que os Irmãos de Itália (Fratelli d’Italia, FdI), que escolheram Giorgia Meloni como cabeça de lista, deverão ganhar as eleições e eleger até 23 deputados do total de 76 que a Itália pode indicar para o Parlamento Europeu. Desta forma, o FdI tornar-se-ia no maior partido do ECR.
“O caso da Giorgia Meloni é muito interessante”, analisa a politóloga, recordando que a sua eleição para chefe do Governo italiano, em setembro de 2022, gerou preocupação entre os Estados-membros por ser considerada “um risco para a democracia europeia” visto que estava a representar “uma política de extrema-direita”. “Houve alguma consternação, alguma preocupação com o que é que adviria de um Governo de extrema-direita em Itália”, atira. Mas dois anos volvidos e o seu extremismo moderou-se, o que se tornou compatível com uma melhoria nas relações com o centro democrático em Estrasburgo.
“Meloni, ao contrário de muitos outros partidos de extrema-direita, tem suavizado a sua posição em relação à União Europeia. E essa é uma das razões pelas quais, quando von der Leyen diz que vai precisar do apoio e não nega a colaboração ou comunicação com alguns partidos de extrema-direita, o partido de Meloni está aí incluído. Porque assim que entrou no governo italiano, Meloni tornou-se menos vocal em relação a posições contra a UE”, acrescenta Mariana Carmo Duarte. Essa tem sido uma das linhas vermelhas de von der Leyen, mas nem por isso foi suficiente para evitar criar conflitos na relação com os socialistas.
Nunca cooperaremos nem formaremos uma coligação com a extrema-direita. Isto também significa: nenhuma cooperação ou alianças com o ECR ou a ID no Parlamento Europeu.
Le Pen: um olho no Parlamento outro no Eliseu
Mas além de Meloni, também Le Pen desempenha um papel fundamental nas negociações. As projeções apontam para uma subida galopante do Reagrupamento Nacional (RN), partido de Marine Le Pen e atualmente liderado por Jordan Bardella, nas eleições de 9 de junho. Dos 81 eurodeputados que França elege para o Parlamento Europeu, 29 deverão ser para a família do Identidade e Democracia, mais 11 face a 2019.
No último mandato, o ID elegeu 73 lugares, tornando-se a quinta maior força política no Parlamento Europeu. No entanto, no decorrer da legislatura, esta família política terminou o ciclo com 58 membros. De acordo com as contas do Politico, o ID terá perdido 19 membros para outros grupos – cinco dos quais foram para o PPE e outros quatro para o ECR. A maioria dos que saíram do ID permaneceu como não inscrito até abril de 2024.
Um casamento com Meloni pode ser, desta forma, encarada como uma dupla vitória para Le Pen. Além de formarem um bloco de votos mais robusto no Parlamento Europeu, permitiria colocar o RN mais à direita aos olhos do público e numa situação de maior destaque em Estrasburgo, algo que Le Pen deseja antes das eleições presidenciais em França, em 2027.
O pontapé de partida começou quando, no mês passado, Le Pen rompeu com o partido alemão Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemã), rejeitando sentar-se na mesma bancada em Estrasburgo depois de o cabeça de lista pelo AfD, Maximilian Krah, ter proferido declarações polémicas sobre o nazismo, uma linha vermelha para Le Pen. A decisão enviou um sinal claro para os restantes partidos que fazem parte desta família europeia, um deles, o Chega.
Este é o momento de nos unirmos, seria verdadeiramente útil. Se conseguirmos, tornar-nos-emos o segundo grupo do Parlamento Europeu. Penso que não devemos deixar passar uma oportunidade como esta.
Numa entrevista, dias mais tarde, Le Pen negou que o corte de relações com o AfD fosse uma manobra cínica destinada a facilitar novas alianças na Europa. Mas a união de facto poderá ser complicada por haver divergências de fundo numa matéria que levou o próprio Orbán a sair da sala, numa votação do Conselho Europeu: o apoio à Ucrânia.
“Marine Le Pen apoiou Putin durante muito tempo e chegou mesmo a reconhecer a legitimidade da ocupação da Crimeia, em 2014”, recorda José Filipe Pinto, acrescentando que o RN beneficiou de empréstimos caucionados por bancos russos porque os “bancos ocidentais se recusavam a emprestar dinheiro”.
“O RN, num primeiro momento era pró Putin, mas nas eleições francesas de 2017, o Kremlin trocou o apoio de Le Pen por François Fillon, o que levou Le Pen a mudar também a sua posição em relação a Putin”, acrescenta o professor da Universidade Lusófona.
Se a posição em relação a Moscovo se mantiver, a junção entre o ECR e o ID poderá estar mais perto de se concretizar, mas aí colocaria Orbán numa posição frágil. “É inegável a proximidade de Orbán a Putin”, diz José Filipe Pinto. Já Mariana Carmo Duarte recorda “aquela “negociação simbólica” do novo apoio à Ucrânia, em que Orbán saiu da sala para não melindrar as suas relações com a Rússia, mas ao mesmo tempo, dar espaço para que a UE consiga avançar. Senão, tornar-se-ia um impasse gigantesco”, relembra.
Negociações (e movimentações) até julho
As negociações serão várias, e até julho estará tudo em aberto entre os vários grupos políticos. Os resultados eleitorais são fundamentais para os próximos passos.
Além do Fidesz e do AfD estarem à procura de lugar nas bancadas do Parlamento Europeu por forma a saírem do grupo dos não-inscritos, também o Chega, que faz parte do ID desde 2019 a convite de Le Pen, admite vir a mudar de família europeia na próxima legislatura.
“Vão seguramente haver negociações sobre as várias plataformas políticas” que poderão permitir fazer “aumentar a base de apoio conservadora em que o Chega se insere” no futuro, afirmou o cabeça de lista pelo Chega, António Tânger-Corrêa, dizendo que a posição de Le Pen sobre AfD foi um game changer para a família política.
“É perfeitamente possível o Chega mudar de grupo político, mesmo no decorrer da legislatura. Isso já aconteceu múltiplas vezes com alguns partidos. A tendência maior, não só nos partidos de extrema-direita, como nos partidos em geral, é de passar a não inscritos. É uma opção perfeitamente viável e, em último caso, o Chega terá de fazer os seus cálculos políticos e perceber qual será a família europeia à qual quer pertencer”, analisa Mariana Carmo Duarte.
Em todo o caso, as sondagens do Politico preveem que a extrema-direita portuguesa consiga eleger quatro eurodeputados nas próximas eleições: António Tânger Corrêa; Tiago Moreira de Sá, Mariana Mendes Nina Silvestre e Francisco de Almeida Leite.
Fora da esfera da extrema-direita, os olhos também se viram para o futuro do Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD) liderado por Mark Rutte e que está risco de ser expulso da família Renovar Europa depois de ter formado um acordo para formar o próximo Governo dos Países Baixos com o partido de extrema-direita PVV, liderado por Geert Wilders. A votação está agendada para o próximo dia 10 de junho, no dia seguinte às eleições.
“[A aliança] é uma opção inaceitável, porque não respeita os nossos valores“, disse a líder do Renovar Europa, Valérie Hayer. “A minha linha vermelha é clara (…). Sempre respeitámos o cordão sanitário [contra a extrema-direita]. É um dos valores absolutos do grupo e eu assumirei as minhas responsabilidades no dia seguinte às eleições para garantir que não vamos contra a extrema-direita”, garantiu.
Uma eventual expulsão dos cinco deputados do VVD contribuiria para perda adicional de lugares para o Renovar Europa que, segundo as sondagens, já se estará a preparar para esse desfecho no dia 9 de junho. Segundo o Politico, dos 102 lugares com que a família da Iniciativa Liberal terminou a última legislatura, pelo menos 27 ser-lhes-ão retirados, para 75 eurodeputados. Feitas as contas, e tanto num cenário de casamento entre a direita radical europeia e a extrema, como noutro em que a fusão entre o ID e o ECR não se concretiza, os liberais não conseguiriam evitar a despromoção para quarta força política no Parlamento.
“Neste momento, tudo aponta para que os liberais não consigam repetir os resultados de 2019. Mesmo com as novas chegadas – a Iniciativa Liberal deverá eleger, pelo menos, um deputado – não será suficiente para ultrapassar o ECR que está a subir e isto levaria a um sério problema para os dois grupos que dominavam o Parlamento Europeu”, aponta o politólogo José Filipe Pinto.
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