Viragem à direita do Parlamento Europeu dependente de partidos em “estreia” e não inscritos

  • Joana Abrantes Gomes
  • 7 Junho 2024

Maior representação dos partidos à direita do PPE em Estrasburgo, antecipada pelas sondagens, pode ganhar mais força com os novos partidos que concorrem pela primeira vez e os não inscritos.

Até ao próximo domingo, 9 de junho, milhões de cidadãos votam numas eleições de “segunda ordem” em que quem vai às urnas nem sempre reconhece a importância ou sabe o que representa a União Europeia (UE). As sondagens têm apontado para uma “direitização” do Parlamento Europeu, o que pode ameaçar a decisão política sobre questões como a imigração e os refugiados, as alterações climáticas, a comunidade LGBT e mesmo o apoio à Ucrânia.

Olhando para os mais recentes dados da sondagem do Politico, o Partido Popular Europeu (PPE) surge com 172 eurodeputados. Em comparação com os resultados de 2019, são menos quatro lugares, mas ainda assim deverá manter-se como a maior família política em Estrasburgo — o que lhe confere mais peso na hora de dividir os cargos das instituições europeias pelos grupos políticos mais votados.

Para os Socialistas & Democratas (S&D), a mesma previsão da plataforma de notícias antevê uma queda ligeiramente maior do que a do seu principal concorrente. Há cinco anos, a força política onde está incluído o PS conquistou 139 assentos, mas agora deverá eleger 130 eurodeputados.

A maior surpresa surge no Renovar Europa, do qual faz parte a IL, e no Grupo dos Verdes, pois deverão ter a maior descida no número de eurodeputados face a 2019: menos 27 no caso dos liberais, para um total de 75 eleitos; e menos 31 para a família do Livre e do PAN, quando em 2019 tinham conquistado 72 lugares, numa altura marcada pelos protestos pelo clima.

A confirmarem-se estes resultados, o Renovar Europa deixa de ser a terceira maior força do Parlamento Europeu, sendo ultrapassado pelo Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR, na sigla em inglês), que, segundo o Politico, poderá ter mais 17 eurodeputados, passando de 69 para 86. Ao mesmo tempo, os Verdes caem do quarto lugar para o penúltimo, apenas à frente do Grupo da Esquerda, cuja previsão é de 32 lugares, menos cinco em relação aos 37 eleitos em 2019.

Além da forte subida do ECR, que se senta à direita da família do PSD e do CDS-PP (atualmente a concorrer na coligação Aliança Democrática), destacam-se os ganhos para o grupo Identidade e Democracia (ID). De 49 eurodeputados em 2019, a força política de extrema-direita abraçada pelo Chega pode conquistar mais 18 assentos, para um total de 67, e tornar-se o quinto maior grupo em Estrasburgo.

Somando as previsões do PPE, do ECR e do ID, serão 325 eurodeputados para os três grupos mais à direita do Parlamento Europeu, cerca de 45% do total dos lugares. Embora ainda fiquem atrás da “aliança” do PPE com os socialistas e os liberais (377 eurodeputados), os eurodeputados não inscritos e de novos partidos sem filiação – que a “Poll of Polls” do Politico aponta para que sejam 59 e 58, respetivamente – podem “trocar as voltas” aos grupos que se sentam mais ao centro.

“Poll of Polls”, a sondagem para as eleições europeias do jornal Politico em 6 de junho

Ao ECO, a investigadora Mariana Carmo Duarte, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, chama a atenção para a eventualidade de “a maior parte dos partidos que estão nos não inscritos e os novos que vão entrar e ainda não têm filiação serem também partidos de direita radical e extrema-direita”. Ou seja, até 117 lugares poderão ser distribuídos entre o ECR e o ID e levar mesmo a uma maioria de direita, pela primeira vez, no Parlamento Europeu.

Para perceber a tendência destes prováveis bons resultados para partidos de extrema-direita ou de direita radical, é preciso ter em conta a dinâmica das eleições europeias. “Todos os cálculos eleitorais que os eleitores fazem no momento de votar em eleições legislativas ou parlamentares não se colocam nas eleições para o Parlamento Europeu“, assinala Mariana Carmo Duarte, apontando que as pessoas tendem a votar ou no sentido de “penalizar o partido no governo nacional” ou “num partido com que de facto se identificam, mas sabem que nunca seria eleito para o parlamento nacional”.

Transferência de votos na Itália e futuro incerto para a extrema-direita na Hungria e na Alemanha

Embora nestas eleições sejam distribuídos mais 15 lugares pela assembleia legislativa europeia, a Alemanha mantém-se com o maior número de eurodeputados entre os 27 Estados-membros. Dos 96 que elege, a análise de sondagens divulgada pelo Politico na quarta-feira prevê 30 eurodeputados para a CDU/CSU (que se sentam junto do PPE), enquanto os 15 estimados para o SPD (da família socialista) ficam abaixo dos 16 da AfD, partido de extrema-direita que foi recentemente expulso do ID por declarações polémicas do seu líder, entretanto afastado, e está agora sem família política na UE. Apesar disto, as sondagens apontam para que o partido receba o dobro dos votos face a 2019.

A subida da extrema-direita deverá ser mais evidente em França, o segundo país mais representado em Estrasburgo. Num total de 81 eurodeputados, 29 deverão ser da Frente Nacional, mais 11 em relação aos que conquistou nas eleições europeias anteriores e à frente do partido de Macron, com 15 assentos. Segundo a investigadora do ICS-UL, a “implementação regional” do partido no país, aliada ao “desinteresse” das pessoas nas eleições europeias e à “lógica de se votar mais com o coração ou de se votar para penalizar o incumbente”, torna expectável um “forte resultado eleitoral” por parte da Frente Nacional.

Esta tendência para que haja bons resultados para partidos de extrema-direita ou de direita radical não me surpreende, tendo em conta o que são as eleições europeias e a dinâmica das eleições europeias. Estas são mesmo eleições de segunda ordem. Portanto, todos os cálculos eleitorais que os eleitores fazem no momento de votar para eleições legislativas não se colocam.

Mariana Carmo Duarte

Investigadora em pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Em Itália, o terceiro Estado da UE que elege mais eurodeputados (76), o partido Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni, elegeu dez lugares em 2019 e agora deve conquistar 23. Associando este aumento de representação do partido do ECR ao facto de a primeira-ministra italiana ser a cabeça-de-lista às eleições europeias, Mariana Carmo Duarte considera que está relacionado com “a associação entre partido e líder” que existe na extrema-direita e que não se costuma verificar noutros partidos.

Por outro lado, a Lega, partido de extrema-direita de Salvini, desce dos 22 eleitos há cinco anos para sete, contrariando a tendência dos restantes partidos de extrema-direita na UE – e que se verifica também a nível nacional, em que caiu de 17,4% nas eleições de 2018 para 8,8% em 2022, “provavelmente” devido a uma transferência de votos para o partido de Meloni, em ambas as dimensões, segundo Mariana Carmo Duarte. O populista Movimento 5 Estrelas, sem filiação e que terminou a legislatura com 5 eurodeputados, deverá agora conquistar 13 lugares, enquanto o Partido Democrático (S&D) deve subir de 14 para 18.

Outro Estado-membro a ter debaixo de olho é a Hungria, onde o Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán, está fora de uma família política europeia desde 2021. Em 2019, em 21 eurodeputados possíveis, elegeram 12; agora, segundo estima o Politico, deverão eleger dez – a juntarem-se ao ECR, dão ainda mais peso a este grupo político. O novo Tisza, liderado por um antigo aliado de Orbán, deve conquistar seis lugares, preparando-se para se sentar com o PPE.

Já na Polónia, onde uma coligação liderada pelo antigo presidente do Conselho Europeu Donald Tusk (PPE) pôs fim ao governo do Lei e Justiça (PiS, que se senta no ECR) no ano passado, as previsões apontam para que estas duas forças políticas conquistem o mesmo número de eurodeputados (18) num total de 53. Face a 2019, o PiS perde sete eurodeputados.

O espanhol Vox (ECR), depois de ter elegido quatro eurodeputados em 2019, prepara-se agora para sentar sete eurodeputados no Parlamento Europeu – uma subida que “reflete a importância que este partido tem tido na política espanhola ao longo dos últimos anos”, frisa Mariana Carmo Duarte. Do total dos 61 eurodeputados que a Espanha irá eleger, o Politico prevê ainda 24 para o Partido Popular (PPE) e 22 para o PSOE (S&D).

A investigadora do ICS-UL ressalva, ainda assim, que é preciso ter em conta a taxa de participação. A tendência das últimas votações no conjunto dos 27 é para um aumento, com mais de metade dos eleitores da UE a irem às urnas em 2019. Mas Portugal, por exemplo, registou uma das taxas mais altas de abstenção, tendo tido apenas 31% de pessoas a votar.

No último domingo, mais de 212 mil votaram antecipadamente em território nacional, um número “significativo”, diz Mariana Carmo Duarte. “Em último caso, para a democracia, são dados animadores, mas as pessoas não reconhecem valor a estas eleições”, lamenta.

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