“Aterragem suave” da economia global provoca explosão de emissões de obrigações
O Estado já emitiu 87% do objetivo anual e as empresas já emitiram quase o dobro do montante em igual período em 2023. O que está a impulsionar este boom no mercado de dívida em Portugal e na Europa?
As empresas têm recorrido em grande força ao mercado de capitais para captarem financiamento junto dos investidores neste início do ano. Há muito que não se assistia a valores desta ordem.
Segundo dados recolhidos pelo ECO junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), só até ao final da semana passada, com a conclusão da emissão de 60 milhões de euros do grupo CUF, foram angariados quase 2.400 milhões de euros através de emissões obrigacionistas por parte de empresas nacionais com capital aberto. Trata-se de um montante equivalente a quase o dobro do montante angariado em 2023 no mesmo período e quase tanto quando as emissões realizadas entre janeiro e maio de 2022 e 2023 somadas.
Entre as principais entidades emissoras de dívida estão os bancos Santander Totta, Banco BPI e Novobanco, que foram responsáveis por 86% das emissões de obrigações nos primeiros cinco meses do ano. Segue-se a emissão verde de 100 milhões de euros da Greenvolt, duas emissões de 60 milhões de euros realizados pela Vista Alegre e pela CUF, e ainda duas emissões de dívida de 50 milhões de euros pelas sociedades anónimas desportivas (SAD) do Sporting e do Benfica.
Os números do regulador do mercado de capitais mostram uma clara aposta este ano pelo mercado obrigacionista por parte das empresas nacionais. Mas não só. Também o Estado tem recorrido mais ao mercado de dívida neste começo de ano do que em anos anteriores.
Com a última operação, realizada a 22 de maio através de uma emissão de dívida sindicada a 30 anos pelo qual pagou 3,678%, o Tesouro já emitiu 13,9 mil milhões de euros em obrigações desde o início do ano. Significa que, segundo a atualização do Programa de Financiamento da República Portuguesa para 2024 para o segundo trimestre, o IGCP já cumpriu 87% do objetivo de emissão anual previsto de obrigações do Tesouro.
Este fenómeno não se restringe ao território nacional. Na Europa, as emissões de obrigações atingiram a marca de 1 bilião de euros, ultrapassando na última semana de maio o recorde anterior estabelecido em 2020 em cerca de uma semana. Este valor inclui uma diversificação significativa, com quase metade da dívida a ser emitida por supranacionais — soberanos e agências.
A sustentar esta onda de emissões de dívida tem estado uma procura robusta por parte dos investidores, por conta de um ambiente económico marcado pelo diferencial crescente nas taxas de juro entre o Banco Central Europeu (BCE) e a Reserva Federal dos EUA (Fed).
“Os emitentes têm-se mostrado interessados em obter financiamento com spreads relativamente baixos”, afirmou Marc Lewell, diretor pelas operações sindicadas para a região EMEA do JP Morgan, citado pela Bloomberg.
Segundo dados da S&P Global, a emissão de títulos com grau de investimento na Europa alcançou 311,4 mil milhões de euros no primeiro trimestre, cerca de 2,6 vezes mais do que no trimestre anterior e mais de 21% acima do primeiro trimestre de 2023. “O primeiro trimestre de 2024 marcou a maior emissão trimestral com grau de investimento desde 2010”, referem os técnicos do S&P Global no último relatório trimestral de emissões de dívida.
A sustentar esta onda de emissões de dívida tem estado uma procura robusta por parte dos investidores, por conta de um ambiente económico marcado pelo diferencial crescente nas taxas de juro entre o Banco Central Europeu (BCE) e a Reserva Federal dos EUA (Fed), a que não foi indiferente o primeiro corte em quase cinco anos das taxas diretoras do BCE na última reunião do Conselho do BCE a 6 de junho.
Além disso, a procura por novos títulos de dívida tem sido alimentada pela expectativa de uma “aterragem suave” da economia global, com os mercados a mostrarem otimismo relativamente à queda da inflação e à resiliência económica, procurando neste momento uma última oportunidade para agarrarem elevadas yields das obrigações (lock in yields).
Esta combinação de fatores tem comprimido os spreads das obrigações para mínimos de vários anos, incentivando tanto empresas com elevada qualidade creditícia quanto aquelas de grau especulativo a refinanciarem-se no mercado de dívida.
No entanto, nenhum desses cenários afasta a enorme indefinição que se vislumbra pela frente, nomeadamente no que se refere ao controlo da inflação, como ficou espelhado pelos últimos números do Eurostat que mostraram uma subida do índice de preços na Zona Euro para os 2,6% em maio.
Foi sob essa prudência que, recentemente, Nicolas Trindade, gestor sénior de carteiras na Axa Investment Managers, alertou “os investidores a não serem gananciosos num ambiente como este”, devendo para isso privilegiar “as obrigações com grau de investimento, em que os fundamentos permanecem sólidos e o risco de incumprimento é muito menor, para captar oportunidades de rendimento atrativas.”
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