Exclusivo Auditoria ao Benfica: Jogadores desconhecidos, comissões acima das guidelines da FIFA
"Não identificamos nenhuma situação ou particularidade em que a SAD do Benfica tenha sido lesada por qualquer um dos seus representantes", concluiu a auditoria forense da EY feita à SAD do Benfica.
“Não identificamos nenhuma situação ou particularidade em que a SAD do Benfica tenha sido lesada por qualquer um dos seus representantes”. A conclusão está na auditoria forense realizada à Benfica SAD pela consultora EY que – entre 1 de setembro de 2021 e 13 de outubro de 2023 – analisou os contratos de transferência de 51 jogadores do clube dos encarnados e respetivos 76 agentes – de 2008 a 2022 – no seguimento do chamado processo Cartão Vermelho. O documento revela que, desde logo, as transferências analisadas revelam que o saldo é positivo a favor da Benfica SAD, em 97 milhões de euros – 108,883 milhões em transações com resultados positivos (lucro entre compra e venda dos passes dos jogadores) e 11,8 milhões em transações com resultados negativos. Ainda assim, revela também que o Benfica contratou jogadores que não chegaram a jogar ou, noutros casos, não jogaram pela equipa principal, e que o clube pagou comissões a agentes acima dos valores recomendados pela FIFA.
A auditoria forense realizada pela EY — denominada ‘cartão amarelo’ — foi pedido na sequência das investigações judiciais à gestão de Luís Filipe Vieira. Em causa estão as suspeitas que recaem sobre o ex-líder das águias de burla qualificada, abuso de confiança agravada, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada, numa investigação que resultou na detenção de Luís Filipe Vieira, em julho de 2021. Agora, a auditoria forense já está com o Ministério Público (MP), apurou o ECO.
Processo autónomo a este é o do Saco Azul que, na semana passada, decidiu levar a SAD do Benfica, a Benfica Estádio, Luís Filipe Vieira e os elementos da anterior administração, Domingos Soares de Oliveira e Miguel Moreira e José Bernardes a julgamento.
No dia 23 de maio, o presidente do clube dos encarnados, Rui Costa, em entrevista, já tinha avançado que essa auditoria estava concluída. “A auditoria está finalizada, demorou mais do que esperávamos porque foram analisados 51 contratos que faziam parte do processo Cartão Vermelho. Está concluída, teve uma série de complementos para poder ser uma auditoria completa. Já foi apresentada à administração do clube e será agora entregue ao Ministério Público e apresentada aos sócios do Benfica como prometido”, disse Rui Costa.
Do total de 176 transferências de jogadores ocorridas entre os anos de 2008 a 2022, a auditoria analisou cerca de 29% (51 casos), os que estão referenciados no inquérito que decorre no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Os auditores da EY revelam também que os contratos analisados estavam contabilisticamente registados nas contas da Benfica SAD, salvo poucas exceções. Mas, se por um lado, a maioria dos contratos de aquisição e alienação de jogadores foram ratificados em reuniões do Conselho de Administração da Benfica SAD, por outro lado é explicado que algumas aquisições, como a de César Martins, Talisca, Lisandro López, Djaló, Witsel, Lindelof, Rodrigo Mota, Daniel Wass, Taarabt, Pedrinho e Urretaviscaya mostraram discrepâncias nas assinaturas dos contratos, não respeitando os estatutos da Benfica SAD.
Em relação aos indivíduos que participaram nas negociações, relativas às transferências dos 51 jogadores em causa, não nos foi possível discutir as conclusões com Luís Filipe Vieira nem com Paulo Gonçalves, mas foi possível perceber o seu grau de envolvimento no fluxo de emails analisados dos outros intervenientes”, concluiu a auditoria forense
Segundo os mesmos auditores, cabe ao Conselho de Administração (CA) – o órgão de gestão da sociedade – deliberar sobre todos os assuntos e praticar todos os atos legalmente considerados como de exercício de poderes de gestão. Para isso, precisa da assinatura de dois administradores. Embora, nos atos de mero expediente basta a assinatura de um administrador. Mas a EY considera que transferência de jogadores não se trata de atos de “mero expediente”. E, por isso, necessitariam de duas assinaturas de administradores da SAD dos encarnados. O que nem sempre aconteceu. Em algumas das operações associadas às transferências apenas constavam ou a assinatura apenas de Luís Filipe Vieira, ou de Vieira e do diretor jurídico Paulo Gonçalves ou apenas deste ou ainda apenas de Miguel Moreira (ex-diretor financeiro e ex-administrador da SAD do Benfica).
A EY identificou 71% de negociações e renegociações de contratos onde as comissões pagas aos agentes superaram 3% da remuneração bruta dos jogadores (percentagem prevista nas guidelines da FIFA). Além disso, 44% das transações envolveram comissões superiores a 10% do valor da transferência. Nesta lista estão os casos de César Martins, González, Weigl, Pedro Henrique, Raúl de Tomáz, Copete, Talisca, Seferovic, Pêpê, Mitroglou, entre outros.
Apesar das comissões excederem frequentemente os valores recomendados pela FIFA, tal prática não necessariamente indica irregularidades, sendo comum em transferências sem fluxo financeiro direto. O que, aliás, revela o documento, é prática comum em muito clubes europeus, nomeadamente de França, Inglaterra, Itália e Alemanha, citando o relatório de dezembro de 2023 “Football Agents in International Transfers”.
Ao longo do extenso documento, apenas uma vez é referido o nome do atual presidente das águias. “A EY discutiu as conclusões vertidas no presente relatório com os seguintes interlocutores: Rui Costa, Domingos Soares de Oliveira, Miguel Lourenço, Paulo Alves, Célia Falé e Joana Galante.” Adicionalmente, analisaram “as caixas de correio de três intervenientes, a saber: Domingos Soares de Oliveira, Miguel Moreira e Paulo Alves”. Estes três responsáveis deram voluntariamente acesso à auditora às suas caixas de correio integrais.
Da revisão de emails sobre as transações ficou claro “que havia uma troca de informações importantes dentro de um grupo restrito de pessoas. Em relação à autorização ou confirmação para realizar pagamentos, Miguel Moreira e Paulo Alves (controller financeiro da Benfica SAD) procuravam, quase sempre, validar se Luís Filipe Vieira estava de acordo com qualquer pagamento, antes da sua realização. No que diz respeito à gestão do futebol profissional, é possível verificar ao longo do tempo uma grande envolvência por parte do diretor desportivo em funções em cada momento da análise”.
O documento revela ainda que, no que chama de “particularidades”, cinco jogadores (Yony Copete, Erdal Rakip, Pelé, Marçal, Nuno Coelho e Daniel Wass) não realizaram qualquer jogo pelo SL Benfica. E ainda que os Jogadores Pedro Henrique, Bernardo Martins, Pêpê, Ronaldo Camará, Jonathan Ongenda, Stefan Mitrovic, Dálcio, Yartey, Nuno Santos e Ghislain Mbeyo’o, apenas integraram a equipa B ou formação.
Na auditoria forense, a EY admite que “não nos foi possível discutir as conclusões com Luís Filipe Vieira nem com Paulo Gonçalves, mas foi possível perceber o seu grau de envolvimento no fluxo de emails analisados dos outros intervenientes”, concluiu a auditoria forense.
O que é o processo do Cartão Vermelho?
No final de 2022, perante as suspeitas que recaíam sobre o Benfica, Rui Costa admitiu reforçar o compliance da SAD. “Acredito que com isso reforço também a confiança dos nossos adeptos”. Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, foi identificado pelo DCIAP como fazendo parte de um alegado esquema de fraude que consistia em comissões altas atribuídas ao empresário e advogado Bruno Macedo, na compra e venda de passes de três jogadores, com desvio de dinheiro da Benfica SAD, que mais tarde revertia para o presidente do clube pagar dívida das suas empresas.
A investigação identificou ainda esquemas de fraude em proveito pessoal de Luís Filipe Vieira e das suas empresas, sendo o principal prejudicado o Sport Lisboa e Benfica, o ex-Grupo Espírito Santo, o atual Novobanco e ainda o Estado português.
O inquérito resultou ainda na detenção do empresário José António dos Santos, o filho Tiago Vieira e Bruno Macedo. Estão em causa “negócios” e “financiamentos” superiores a “100 milhões de euros” que terão levado a “elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades”. Uma delas, será a do próprio Benfica, segundo comunicado da PGR, à data.
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