Administração da Inapa devia ter avisado Estado mais cedo da iminência da falência
A administração, que deveria manter a tutela atualizada sobre alterações no orçamento, previa, no final de 2023, ter condições de tesouraria para manter continuidade das operações por 12 meses.
A Inapa anunciou, no passado domingo, que vai avançar com o pedido de insolvência depois de ter visto negado por parte do Estado o seu pedido para uma injeção de liquidez de emergência no valor de 12 milhões de euros para acudir a uma quebra de liquidez na unidade alemã. No entanto, cabia ao conselho de administração da distribuidora de papel – que garantia, no relatório e contas de 2023, ter liquidez para assegurar a continuidade das operações por um período de 12 meses – informar a tutela, que detém o controlo da empresa através de uma participação de cerca de 45% do capital detida pela Parpública, sobre qualquer alteração nos planos da empresa, ou nos seus orçamentos. Muito antes de chegar a uma situação de insolvência.
O comunicado emitido pela Inapa no dia 21 de julho, onde a empresa informa que não foi capaz de obter financiamento para suprir “uma carência de tesouraria de curto prazo da sua subsidiária” na Alemanha, na ordem dos 12 milhões de euros – o que levou a empresa a pedir a insolvência da operação alemã e, “nos próximos dias” da própria Inapa IPG –, não era esperado pelos investidores. “O desfecho foi surpreendente”, assume fonte próxima de um acionista da empresa, em declarações ao ECO.
Os primeiros sinais que fizeram soar os alarmes nos mercados surgiram no dia 11 de julho, após a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter decidido suspender as ações da empresa. Uma suspensão levantada após a Inapa comunicar que iria adiar o reembolso de uma linha de obrigações convertíveis, emitida precisamente em 2018 para financiar a compra da empresa alemã Papyrus Deutschland, com uma faturação da ordem dos 550 milhões de euros e que, somado à operação que já tinha naquele mercado, prometia elevar a faturação global da distribuidora de papel para 1.400 milhões de euros.
Seis anos depois, a Inapa fechou o último ano com um volume de negócios inferior a mil milhões de euros e prejuízos de oito milhões, com a operação que prometia dar a volta ao negócio da Inapa a ser responsável pelo acelerar do colapso da empresa.
O presidente do Conselho de Administração deve assumir as responsabilidades das relações com a tutela (…) O Estado deve deixar autonomia à gestão da empresa mas deve ser informado se os planos estão em risco muito grande de não ser implementados.
Sendo o Estado o maior acionista, com uma posição de 44,89%, “o presidente do conselho de administração (CA) deve assumir as responsabilidades das relações com a tutela“, defende João Moreira Rato, presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), acrescentando que “é muito importante que o Estado respeite a autonomia de CA, mas há planos de autonomia e orçamento que têm que ser cumpridos e é preciso ter contratos de gestão”.
“O Estado deve deixar autonomia à gestão da empresa mas deve ser informado se os planos estão em risco muito grande de não ser implementados“, isto antes de chegar-se a uma situação limite, reforça Moreira Rato.
Frederico Lupi acumulava o cargo de presidente do conselho de administração e da comissão executiva até esta segunda-feira, dia 22 de julho, data na qual apresentou a sua demissão, juntamente com seis vogais do Conselho de Administração, depois de a empresa ter anunciado a falência durante este fim de semana.
O presidente do IPCG, o instituto que monitoriza e é responsável pelas recomendações de governo societário, defende que “alguma coisa falhou no canal de comunicação” e a “Parpública tem obrigação de defender a posição do Estado enquanto acionista”, participando ativamente nas assembleias-gerais de acionistas e na aprovação de planos de atividade e orçamento, assim como dar sugestões em relação à estratégia da empresa e participar ativamente. Para o mesmo responsável haver um organismo único que coordenasse a ação do Estado, como acionista nas várias empresas, poderia ajudar a evitar estes problemas de comunicação.
Segundo avançou ao ECO uma fonte que conhece o dossiê, a administração da Inapa comunicou à Parpública a “situação crítica” na empresa no dia 6 de junho, num email da administradora financeira (CFO), Inês Louro, enviado ao vice-presidente da Parpública, Marco Neves, que foi depois o reenviou, em nota interna, a Realinho de Matos.
Nessa nota, a Inapa precisaria de 15 milhões de euros, mas o objetivo para os justificar era a reestruturação da companhia e também compra de matéria-prima. Mas sem qualquer plano de negócios que justificasse esta operação. Nessa mensagem por email, a gestão da Inapa admitiria uma solução de haircut da dívida bancária. Mas esse email terá ficado na Parpública e só já no dia 11 de julho, quando a CMVM suspendeu as ações da empresa, houve uma troca de informações com a tutela.
No dia 10 de julho, logo pela manhã, a Inapa envia um email à Parpública a rever as necessidades, para 12 milhões de euros, mas já para responder a uma situação de emergência e para assegurar os compromissos devidos pela subsidiária na Alemanha. A solução de reestruturação tinha desaparecido.
Em respostas ao ECO, o Ministério das Finanças confirmou que “a Inapa havia solicitado uma injeção de 12 milhões de euros no imediato, para fazer face a necessidades de tesouraria da sua participada na Alemanha, quando estaria já em análise um outro pedido de 15 milhões de euros para reestruturar a empresa.” Por considerar que faltava “estratégia de recuperação” e garantia de “ressarcimento do Estado”, o Governo recusou estes pedidos.
O Conselho de administração concluiu que o Grupo dispõe de recursos adequados para manter as suas atividades. Consequentemente, é convicção de que a continuidade das operações e liquidez do grupo se encontram asseguradas, tendo por base as necessidades de tesouraria estimadas, a esta data, para o prazo de 12 meses.
Estas necessidades de capital estão longe da realidade relatada pela administração da empresa no seu relatório e contas de 2023. “O conselho de administração concluiu que o grupo dispõe de recursos adequados para manter as suas atividades. Consequentemente, é convicção de que a continuidade das operações e liquidez do grupo se encontram asseguradas, tendo por base as necessidades de tesouraria estimadas, a esta data, para o prazo de 12 meses“, pode ler-se no relatório de auditoria publicado no relatório e contas de 2023, auditado pela PwC.
Questionada pelo ECO sobre eventuais falhas no processo de auditoria, fonte oficial da PwC adiantou que, “por questões de confidencialidade e sigilo profissional” não comenta os trabalhos realizados para os clientes.
Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM), afirmou que “já era previsível este cenário”, realçando que uma análise às contas e ao goodwill da empresa permitia verificar que a empresa estava falida. “A Inapa vale próximo de zero”, acrescenta. O representante defende que “os acionistas deviam, na opinião da ATM, pedir responsabilidades à gestão e aos auditores”, aconselhando-os a agir judicialmente.
Também João Moreira Rato nota que é preciso verificar “se tem havido prestação de informação transparente e pública em relação à sua situação financeira”, referindo que, “dada a informação que existe, é necessário ver se incorreram em imponderáveis que aceleraram” a falência da empresa, que contabilizava no final de 2023 uma dívida líquida de 206,7 milhões de euros – para um EBITDA de 28,6 milhões de euros no mesmo período – e capitais próprios de apenas 166 milhões de euros. E um passivo corrente superior ao ativo.
Faz sentido o Estado estar na Inapa?
O Estado tornou-se o maior acionista da Inapa após, em 2019, ter comprado a posição de 33% que a CGD detinha na empresa por 15,8 milhões de euros, sendo que a Parpública já detinha à data 8% da empresa. Esta semana, as Finanças referiram que “a Parpública é detentora de 45% da Inapa, mas não é acionista maioritária”, que a Inapa “é uma empresa privada, não tendo uma atividade considerada como estratégica para a economia portuguesa”. Assim, o “Ministério das Finanças confirmou o parecer da Parpública de não avançar com as operações de financiamento solicitadas”.
Para João Moreira Rato, deveria haver uma política de detenção para cada empresa pública, onde se apresenta uma justificação clara para o Estado ser acionista nessa empresa. “Porque faz sentido o Estado ter uma posição nessa empresa? Porque carga de água o Estado está no setor do papel?”, questiona. “Tem que ser claro para todos porque é que o Estado está na empresa”, reforça. Quanto ao facto do Estado ter rejeitado injetar dinheiro dos contribuintes na Inapa, João Moreira Rato reitera que “se nem existe uma política de detenção clara, porque é que há-de [o Estado] mantê-la viva?”
O Estado, seguido dos pequenos investidores, que detêm 37,7% do capital da empresa, são os principais lesados, com a falência da Inapa, que deixa ainda 113,7 milhões de euros de empréstimos bancários. Segundo avançou o Jornal Económico e o Público, BCP, Novobanco e CGD são os bancos mais expostos à dívida da empresa, contudo estes valores estão amplamente provisionados pelas instituições financeiras. Questionados pelo ECO, os três bancos remeteram-se ao silêncio, adiantando que não comentam.
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