Como a Digi comprou a Nowo e tenta fintar as televisões
A Digi vai pagar 150 milhões de euros para ficar com a Nowo, incluindo a fibra ótica, os clientes e as licenças 5G. Mas o pacote traz também outro ativo apetecível: os contratos de distribuição de TV.
Se a compra da Nowo pela Digi, anunciada esta sexta-feira, for aprovada pelos reguladores, a operadora romena ficará com mais espetro para lançar 5G, uma maior rede de fibra ótica e uma carteira inicial com algumas centenas de milhares de clientes fixos e móveis. Mas só isso não explica os 150 milhões de euros que a Digi ofereceu para ficar com a quarta maior operadora de telecomunicações do país: a compra da Nowo pode ser a chave para resolver o imbróglio dos conteúdos televisivos, pelo menos no curto prazo.
Há muito que se especula no mercado quando é que a Digi vai anunciar o lançamento dos seus serviços. Mas, na verdade, a empresa está obrigada por lei, nos termos do regulamento do leilão do 5G, a disponibilizar serviços ao público até 30 de novembro, dia em que termina o prazo de três anos a contar do dia em que a Anacom emitiu a licença para uso das frequências, sob pena de, no limite, perder esses direitos e os muitos milhões que já investiu.
A expectativa tem sido grande, pois a Digi agitou o mercado espanhol com ofertas mais baratas e períodos de fidelização mais flexíveis. Ora, quando preparou o leilão do 5G em 2020 e 2021, a Anacom criou condições para a entrada de novos operadores no setor, esperando que a romena pudesse replicar em Portugal, país em que as três principais operadoras têm ofertas praticamente homogéneas, a mesma receita que aplicou no país vizinho.
A Digi sabe que, para se poder apresentar no mercado como uma verdadeira alternativa à Meo, Nos e Vodafone, tem de incluir um serviço de televisão no pacote. Mas não tem sido fácil alcançar acordos. O ECO noticiou em julho que a empresa ainda não tinha assinado nenhum contrato para distribuição de alguns dos canais mais vistos pelos portugueses: RTP, SIC e TVI. No caso desta última, o desentendimento com a Media Capital acabou por ser público, pois a Digi apresentou queixas contra o grupo nos três principais reguladores.
Numa queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) contra a Media Capital, que foi tornada pública, a Digi acusou a empresa de adotar “um comportamento abusivo” e de impor “condições comerciais discriminatórias em relação às importas aos seus concorrentes”. O documento da ERC sugeria mesmo uma rutura insanável na relação entre os dois grupos, ao dizer que “os contactos formais entre Digi e Media Capital” terminaram no dia 29 de janeiro deste ano, “data que ficou marcada por uma viva e infrutífera troca de argumentos”.
A Media Capital rejeita liminarmente a possibilidade de entregar os seus canais televisivos a um distribuidor que os desvaloriza.
Enquanto isso, o processo da venda da Nowo à Vodafone arrastava-se na Autoridade da Concorrência (AdC), há muito convicta de que um negócio deste tipo não tinha condições para avançar. Em fevereiro, o presidente do Conselho de Administração da Nowo, Miguel Venâncio, dá uma surpreendente entrevista ao ECO afirmando, com todas as letras, que a Nowo poderia encerrar se não fosse vendida à Vodafone, com consequente despedimento de 500 trabalhadores diretos e indiretos. “Ainda não temos os cenários fechados, mas esse é um dos cenários que poderá vir a acontecer, que é, sim, o encerramento da Nowo em Portugal”, apontou.
Se a declaração foi uma derradeira tentativa de pressionar a AdC a aprovar o negócio com a Vodafone, sabemos hoje que não funcionou — o regulador respondeu logo que a Nowo tinha opções para evitar abrir falência, nomeadamente uma venda a outro comprador, e meses depois proibiria a concentração. Mas a declaração, pouco comum, acabou por produzir outros efeitos: dois novos interessados começaram a posicionar-se como alternativas.
A Digi já andava de olho na Nowo há algum tempo. Em março, numa apresentação de resultados, o CEO da Digi Communications, Serghei Bulgac, confirmou aos investidores estar a “monitorizar” a Nowo, que na altura estava a ser vendida à Vodafone, num processo que se arrastou desde setembro de 2022 e cujo desfecho positivo parecia cada vez mais improvável. “Do nosso conhecimento, existe um processo entre o comprador, a Vodafone, e a AdC, que vamos monitorizar e ver como corre”, afirmou.
No início de julho, a AdC deu a machadada final no negócio com a Vodafone. Estava a via aberta para uma nova corrida à Nowo, e o processo começou logo a rolar. Não tardou até se saber que a Media Capital também queria comprar a Nowo. Como noticiado, o grupo controlado pelo empresário Mário Ferreira, que também é acionista do ECO, propunha pagar um preço significativamente inferior aos 150 milhões de euros oferecidos pela Vodafone.
O ECO sabe que o acionista da Nowo, a Lorca JVco, que também tem metade do capital da MásOrange em Espanha, esteve muito perto de aceitar a oferta e que a conclusão do negócio chegou a estar marcada para esta sexta-feira, 2 de agosto. Mas, à última hora, a empresa rompeu um acordo já assinado com a Media Capital, ao mesmo tempo que assinou um acordo para a venda da Nowo à Digi. Não deixou só a noiva no altar: fugiu para outro casamento.
Mas voltemos aos conteúdos televisivos, de que a Digi precisa para poder ter um serviço de televisão. Quando o ECO noticiou pela primeira vez as dificuldades da Digi nas negociações com os canais, a Media Capital respondeu que recusava entregar os seus canais a “um distribuidor que os desvaloriza” e lembrou que a Digi não é uma pequena empresa que se está a estrear neste mercado. “Tem dez vezes a dimensão do grupo Media Capital” e, “no mercado português, seria equivalente a juntar a Altice, a Vodafone, a Media Capital, a Impresa e a Sport TV num grande grupo empresarial”, comentou fonte oficial.
Agora, com a compra da Nowo, a Digi espera ter conseguido contornar o problema: a operadora portuguesa que adquiriu tem contratos de distribuição dos principais canais, na medida em que já tem um serviço de televisão por subscrição. O ECO sabe que essa é, pelo menos, a expectativa internamente: a de que o assunto terá ficado resolvido, pelo menos “durante algum tempo”. Isto porque os contratos não são eternos e, no limite, terão de ser renegociados no futuro.
Não se sabe qual será a resposta das televisões, incluindo da própria Media Capital, que poderão ainda ter uma palavra a dizer, constituindo-se contrainteressadas num eventual processo que venha a correr termos na AdC. O ECO contactou a Digi e a Media Capital sobre este assunto e encontra-se a aguardar respostas.
Além do acesso a conteúdos, a compra da Nowo dará à Digi uma carteira de 130 mil clientes fixos e 270 mil clientes móveis (aos quais a Nowo presta serviço subcontratando rede à Meo), o que se reveste de importância para uma empresa que se vai estrear num mercado em que, regra geral, os clientes têm fidelizações de dois anos. Inclui ainda uma rede de cabo e fibra ótica (híbrida) com 900 mil casas passadas e uma rede de fibra ótica mais moderna que chega a 150 mil lares. Toda esta infraestrutura irá juntar-se às centenas de antenas 5G que a empresa tem estado a instalar por todo o território continental, mais uma rede própria de fibra que tem estado a construir.
Com a compra, a Digi recebe ainda o espetro que a Nowo comprou no leilão do 5G por mais de 70 milhões de euros. A operadora de origem romena já tinha licenças para a quinta geração, mas, com acesso a mais frequências, fica com condições para oferecer um melhor serviço. Resta saber se os reguladores aprovam a fusão da Digi com a Nowo. Porém, a avaliar por declarações prévias da AdC, isso não deverá ser um problema.
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