Diretiva europeia “insuficiente” para proteger portugueses na subida dos juros do crédito à habitação

Diretiva europeia sobre crédito hipotecário, criada há dez anos, revelou "insuficiência" para dar resposta "adequada" à proteção dos consumidores face à subida da Euribor em 2022 e 2023.

A regulamentação europeia sobre contratos de crédito à habitação, implementada na ressaca da crise financeira de 2012, não protegeu os consumidores portugueses da subida abrupta das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) em 2022 e 2023. A conclusão é de Mariana Fontes da Costa, professora de direito, num paper publicado pelo Banco de Portugal (BdP), que defende uma revisão da diretiva.

Para controlar a inflação, o BCE subiu as taxas de juro no ritmo mais rápido desde a criação da moeda única, com 11 aumentos que levaram as taxas de -0,5% para 4%. A rápida subida da Euribor entre 2022 e 2023 levou a um aumento acentuado dos custos a suportar pelas famílias portuguesas com o crédito à habitação, num crescimento da prestação que chegou a ascender a cerca de 35% em 2023.

O paper de Mariana Fontes da Costa, intitulado “A diretiva do crédito hipotecário: lições do passado e prognósticos para uma (possível) revisão futura”, divulgado na Revista de Estudos Jurídicos do regulador português, conclui que a diretiva europeia de contrato hipotecário, implementada em 2014, foi insuficiente no caso português, levando o Governo a tomar medidas excecionais para mitigar o impacto juntos das famílias do aumento dos juros.

A diretiva foi criada há dez anos, após a crise financeira dos anos de 2012/2013, que se fez sentir de forma “especialmente intensa” em Portugal e Espanha, onde muitas famílias sem condições de pagar a prestação ao banco viram a hipoteca executada, ficando a braços com o remanescente da dívida, devido à insuficiência da garantia prestada para o seu total ressarcimento. Na altura, foi adotada uma estratégia europeia de harmonização mínima, o que permitiu aos países, caso o decidissem, manter ou introduzir disposições mais restritivas.

No caso português, na transposição o objetivo foi “desincentivar a adoção dos comportamentos de risco e as práticas irresponsáveis de concessão de crédito que estiveram na origem da crise económico-financeira de 2007”.

No entanto, a professora de Direito da Faculdade do Porto e Investigadora integrada do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça (ICJ) alerta que existiu “insuficiência da diretiva para dar resposta adequada às perturbações e desproteção dos consumidores perante oscilações acentuadas do índice de referência nas taxas de juro variáveis ou mistas“.

Existiu insuficiência da diretiva para dar resposta adequada às perturbações e desproteção dos consumidores perante oscilações acentuadas do índice de referência nas taxas de juro variáveis ou mistas

Mariana Fontes da Costa

Em Portugal, em março de 2023, a percentagem de contratos de crédito à habitação permanente com taxa de juro em Portugal foi inferior a 5% (4,2% em maio de 2024), enquanto a de créditos à habitação a taxa de juro variável representaram mais de 75% da totalidade de contratos celebrados nesse período (72% em maio de 2024).

“Isto coloca Portugal como o Estado-membro com a maior taxa de empréstimos à habitação celebrados com taxa de juro variável na União Europeia, com grande distância do segundo lugar, ocupado por Espanha”, assinala Mariana Fontes da Costa.

O artigo destaca que, sendo o indexante de referência em Portugal a Euribor a 12 meses (seguida da Euribor a 6 meses), ao longo dos últimos sete anos (período de tempo largamente inferior ao tempo médio de duração de um empréstimo à habitação), os consumidores-mutuários portugueses viram-se confrontados com dois cenários “diametralmente opostos”: as taxas Euribor negativas, entre 2017 e 2021, por um lado; e a subida abrupta da Euribor entre 2022 e 2023, por outro lado.

Ao longo dos últimos sete anos, os consumidores-mutuários portugueses viram-se confrontados com dois cenários “diametralmente” opostos

Para responder ao primeiro cenário — taxas negativas entre 2017 e 2021 –, o legislador impôs a obrigação de o valor negativo apurado ser deduzido ao capital em dívida na prestação vincenda. Uma solução que Mariana Fontes da Costa considera ser “claramente favorecedora do consumidor-mutuário” e que “parece não só descaracterizar a natureza necessariamente onerosa do mútuo bancário, como contrariar a própria natureza da obrigação de juros como rendimento do capital e até mesmo descaracterizar o próprio tipo legal do contrato”.

Já o segundo cenário, com o impacto da subida abrupta da Euribor entre 2022 e 2023, tornou “clara a insuficiência das soluções preconizadas pela Diretiva 2014/17/UE para acautelar a proteção dos consumidores-mutuários perante cenários de subidas acentuadas da taxa de juro e que assentam, como referimos supra, em larga medida em deveres de informação e comunicação por parte dos mutuantes”.

Análise da Comissão Europeia em curso

A eficácia e adequação da diretiva estão em análise pela Comissão Europeia, de modo a decidir uma eventual revisão, assinala a autora do estudo.

“Este processo, que estava anunciado ser concluído no primeiro trimestre de 2024, encontra-se ainda em curso, não havendo, de momento, expectativas cronológicas e substantivas seguras do seu desfecho”, refere.

Para a autora, “embora compreensível e até justificável” a “natureza” da diretiva, a opção por um regime de harmonização mínima em matéria de crédito hipotecário “trouxe consequências ao nível do sucesso das aspirações da União Europeia para a criação de um mercado juridicamente homogéneo de crédito à habitação”.

“Na verdade, não só se mantiveram muitas das divergências já previamente existentes, em função dos diferentes graus de protecionismo jurídico em que se encontravam as legislações dos Estados-Membros à data da elaboração da diretiva, como essas diferenças até se acentuaram, em alguns casos“, aponta.

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