Garantia do Estado nos créditos à habitação espera regulamentação para poder avançar
A garantia pública para viabilizar o financiamento na aquisição da primeira habitação por jovens ainda não pode ser aplicada pois, apesar de o decreto-lei estar em vigor, precisa de regulamentação.
A garantia pública nos créditos à habitação a jovens ainda espera a regulamentação necessária para ser posta em prática e deve, segundo o projeto de portaria a que a Lusa teve acesso, durar até final de 2026.
No início de agosto entrou em vigor a isenção do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo (IS) na compra da primeira habitação própria e permanente para os jovens até 35 anos à data da compra.
Já a medida de garantia pública para viabilizar o financiamento bancário na aquisição da primeira habitação por jovens – que consta do mesmo pacote do Governo (Construir Portugal) para facilitar o acesso à habitação – ainda não pode ser aplicada pois, apesar de o seu decreto-lei estar em vigor, precisa de regulamentação para ser posta em prática.
Segundo fontes do setor financeiro, este tema não tem tido desenvolvimentos e só deverá avançar depois de agosto. Desde logo, disseram, tem de ser acordado com o Banco de Portugal como é que a medida se integra no cumprimento pelos bancos de regras macroprudenciais (um tema para que o regulador já alertou várias vezes).
O decreto-lei da garantia pública na habitação foi publicado em 10 de julho e já aí era referido que os membros do Governo responsáveis pelas finanças, habitação e juventude têm até setembro para aprovar a regulamentação necessária.
A garantia destina-se a pessoas entre 18 e 35 anos de idade (inclusivé), residentes em Portugal, com situação regularizada nas Finanças e Segurança Social, com rendimentos até ao 8.º escalão (81.199 euros de rendimento coletável anual), e que estejam a comprar a primeira de habitação própria permanente cujo valor não exceda 450 mil euros. Os beneficiários não podem ser proprietários de prédio urbano ou fração de prédio urbano.
De acordo com o projeto de portaria a que a Lusa teve acesso, a garantia é válida para contratos assinados até 31 de dezembro de 2026 e terá o prazo de 10 anos. A medida poderá vir a ser prorrogada para além de 2026 após a avaliação do seu impacto.
O prazo de amortização do empréstimo tem de ser pelo menos superior a cinco anos e a garantia pessoal do Estado “destina-se a viabilizar que o banco financia a totalidade do valor”.
Os bancos têm de aderir à garantia pública para que os seus clientes beneficiem deste instrumento. O projeto da legislação refere ainda que os bancos não podem cobrar comissões ou encargos pela garantia.
O projeto de portaria, que regulamenta o decreto-lei, indica ainda que o montante da garantia na carteira de crédito à habitação de cada banco pode ser objeto de revisão, podendo ser aumentada ou diminuída por acordo entre as partes.
Apesar de a informação ser pouco clara, tal parece indicar que cada banco terá um ‘plafond’ para o montante de carteira de crédito à habitação que pode ser garantido.
A garantia do Estado vai assegurar o pagamento do capital em caso de incumprimento durante os 10 primeiros anos do contrato de crédito. Caso o cliente não pague o crédito, é o Estado que “fica obrigado a reembolsar até 15% desse montante”, refere o projeto de portaria.
Quando é executada a garantia, o Estado fica detentor dos direitos correspondentes que os bancos possuam e os bancos devem informar das diligências para recuperar os montantes executados pelo Estado. A parte que os bancos venham a recuperar relativa às garantias executadas deve ser devolvida ao Estado até ao valor por este pago.
Se o cliente fizer o reembolso parcial antecipado do financiamento, a garantia do Estado reduz-se proporcionalmente. Já em caso de venda da habitação pelo cliente, a garantia do Estado cessa nessa data.
A Inspeção-Geral de Finanças irá fazer auditorias aos montantes garantidos e eventuais acionamentos da garantia, ainda segundo o projeto de diploma.
Desde que esta medida foi apresentada pelo Governo, o Banco de Portugal alertou publicamente, várias vezes, que os bancos não podem aliviar o cumprimento das regras de concessão deste crédito mesmo com a garantia pública.
Segundo o governador, Mário Centeno, o Banco de Portugal é sempre favorável a medidas que ajudem a população mais jovem a aceder a habitação, mas nesta medida é preciso “cautela” pois há que assegurar tanto que os clientes conseguem pagar a dívida como a estabilidade financeira da banca.
Segundo Centeno, a garantia pública não diminui o esforço que os clientes têm de fazer e considerou ainda um risco se o montante do empréstimo concedido aumentar devido à garantia pública.
“Se o montante [do crédito] aumenta e se rendimento não aumenta significa que há maior possibilidade de as pessoas excederem o rácio do serviço da dívida” face ao rendimento, disse em junho.
Em julho, o ministro das Finanças, Miranda Sarmento, afirmou no parlamento que não existem diferendos com o Banco de Portugal sobre a garantia pública e que o processo de regulamentação decorre “sempre em auscultação com o regulador”.
As regras macroprudenciais atualmente em vigor determinam que o crédito não pode ir além de 90% do valor da casa (sendo, para este feito, considerado o valor mais baixo entre o valor de aquisição e o valor da avaliação) de habitação própria e permanente. Indicam ainda que, em regra, um cliente não deve despender mais de 50% do seu rendimento na prestação da casa ao banco (a chamada taxa de esforço).
Na semana passada, o presidente executivo do Santander Totta considerou que a garantia pública é positiva, mas vai ter um impacto muito limitado e não resolve o problema da habitação.
“Acreditamos que o impacto desta medida vai ser muito limitado”, disse Pedro Castro e Almeida, na conferência de imprensa apresentação dos resultados semestrais do banco.
O gestor avisou que é necessário “ajustar as expectativas”, porque esta medida “não vai permitir a todos os jovens, de repente, começarem a comprar casa”, mas sim apenas aqueles que têm capacidade para pagar a prestação ao banco, ou seja, cuja taxa de esforço seja abaixo do permitido pelo supervisor bancário.
“Há muitos países da Europa que adotaram medidas parecidas e o impacto foi em menos de 1% dos empréstimos feitos. [A medida] vem ajudar jovens que tenham capacidade para o serviço da dívida, mas que lhes falte os 10% iniciais para comprar casa”, afirmou.
O presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em outra conferência de imprensa, elogiou a ideia da garantia pública, mas registou que é preciso clarificar detalhes.
“Como é do conhecimento geral, há conversas nesse sentido entre autoridades, e a Caixa cá estará para financiar esses imóveis para quem estiver nessas condições”, disse Paulo Macedo.
Pelo Governo, o ministro das Infraestruturas e Habitação disse, na semana passada, que espera que os bancos façam a sua parte na medida da garantia bancária.
“Esperemos agora que os bancos [façam a sua parte], porque a garantia bancária que é concedida para a componente que não era possível por parte dos jovens garantir, o Governo também se substitui”, afirmou Miguel Pinto Luz.
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