Nova Farfetch: O que mudou em seis meses sob o domínio coreano

A venda da Farfetch aos sul-coreanos da Coupang forçou a saída de centenas de pessoas e levou a uma reorganização da empresa, que mantém presença em Guimarães, Porto e Lisboa.

Seis meses após os sul-coreanos da Coupang terem tomado conta da Farfetch, o marktplace de roupa de luxo, criado por José Neves e o primeiro unicórnio de capitais portugueses, é hoje uma empresa bem diferente daquela que o vimaranense idealizou. Com algumas equipas quase reduzidas a zero após o plano de despedimentos anunciado em meados de fevereiro, menos exuberante e mais concentrada, a nova Farfetch está a moldar-se cada vez mais à imagem da Coupang, conhecida como a Amazon da Coreia.

Comprar a Farfetch por 500 milhões de dólares surgiu para o grupo sul-coreano como uma “oportunidade” para fechar um negócio a “um preço muito atrativo”, num momento em que a empresa nem sequer estava compradora. No entanto, a Coupang não comprou a Farfetch para perder dinheiro. Entre a formalização da aquisição, no final de janeiro, e o anúncio de um doloroso plano de reestruturação, que incluía a dispensa de entre 25% e 30% dos colaboradores, passaram apenas duas semanas.

Bom Kim, CEO da Coupang, assumiu a liderança da Farfetch após a demissão de José Neves em meados de fevereiro.

Apesar de a empresa não ter confirmado ao ECO o número de pessoas exatas que abandonaram a empresa durante este período, os despedimentos em Portugal poderiam abranger cerca de 1.000 trabalhadores, metade das pessoas dispensadas pela tecnológica portuguesa fundada em 2008 a nível global. Segundo apurou o ECO, a equipa mais afetada, tecnologicamente, foi a de FPS (Farfetch Platform Solutions) que foi “quase extinta”.

Este desinvestimento na FPS, a unidade de negócio criada em 2015 para digitalizar o negócio das grandes marcas de luxo e que prometia ser um dos grandes dinamizadores do negócio, confirma uma mudança estratégica na nova Farfetch, com os sul-coreanos focados em transformar a empresa mais à sua imagem. Com menos luxo – a Richemont, fabricante das joias Cartier e dos relógios IWC, tinha anunciado em agosto de 2022 a venda de uma posição de 47,5% na retalhista de artigos de luxo online YOOX Net-A-Porter à Farfetch, um negócio que caiu com a venda à Coupang –, a Farfetch traz uma oferta “mais modesta” e focada em novos designers.

Guimarães concentra operações

A reestruturação da Farfetch no país incluiu ainda uma reorganização dos espaços onde a tecnológica está presente. Depois de anos marcados por um forte crescimento, que coincidiu com a abertura de novos escritórios no Porto e em Braga, a companhia encerrou as operações na capital minhota no final de setembro do ano passado, pouco mais de quatro anos após a inauguração do espaço que ocupou na Avenida Dom João II. Com grande parte dos colaboradores em regimes híbridos de trabalho, a decisão da tecnológica foi concentrar as equipas nos escritórios em Matosinhos e Guimarães.

A abertura do escritório de Braga, o quarto no país, foi anunciada no início de março de 2018 — a inauguração oficial aconteceria em julho do mesmo ano — com a empresa então ainda liderada por José Neves apostada em criar um pólo de tecnologia na cidade com 150 trabalhadores. “Braga é considerada uma das cidades mais jovens do país, dinâmica e inovadora, e reúne as condições certas para receber um novo pólo de tecnologia da Farfetch. Este novo escritório é também sinónimo da continuação da nossa aposta em Portugal e da importância do país no desenvolvimento da nossa operação”, afirmava na altura Luís Teixeira, diretor-geral da Farfetch em Portugal, um dos executivos que entretanto também abandonou a empresa.

Pouco mais de quatro anos após esta inauguração, a Farfetch colocou o escritório de Braga, juntamente com o espaço que mantinha na Avenida da Boavista, no Porto, na lista de locais a encerrar, o que aconteceu logo após o verão do ano passado. Os escritórios fecharam portas definitivamente em setembro passado.

A saída de Braga, a quarta cidade em que a Farfetch estava presente no país, além de Lisboa, Porto (Matosinhos) e Guimarães, ocorreu ainda antes da entrada dos sul-coreanos da Coupang, num período em que a tecnológica de sangue português estaria já a enfrentar dificuldades. Foi no dia 29 de novembro que a empresa, sem que nada o previsse, decidiu cancelar a apresentação de resultados referentes ao terceiro trimestre do ano, precisamente o período no qual o primeiro unicórnio português avançou com a descontinuação dos escritórios em Braga e no Porto, o que mostra que estas decisões já visavam tentar estancar os problemas de liquidez.

Já este ano, um novo ajuste nas equipas. O Centro de Creative Operations (CrOps) que a empresa mantinha em Leça do Balio, em Matosinhos, foi encerrado no final do maio e as pessoas transferidas para a unidade de Guimarães, no Avepark, conforme avançou o ECO. Apesar do encerramento da unidade de operações em Matosinhos, a Farfetch manteve operações nesta localização – mas mais curtas.

Recentemente, o escritório da Lionesa diminuiu a área utilizável para metade, “dado que não justifica a dimensão do mesmo pela quantidade de gente que o utiliza (visto que grande parte dos colaboradores está em full remote)”, conforme explicou ao ECO uma fonte próxima da empresa.

O Fuse Valley, onde a Farfetch previa instalar o seu novo centro tecnológico, foi projetado pelo arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels.Fusão

Com estas mudanças, grande parte das equipas portuguesas transitaram para os “principais” locais da Farfetch no país: Guimarães e a Lionesa. Na gaveta ficaram os planos para o megaprojeto imobiliário em Matosinhos, o chamado vale da Farfetch (Fuse Valley), apesar de a promotora imobiliária do projeto garantir que este é para continuar, mesmo que não inclua a Farfetch.

Este mega projeto imobiliário no valor de 200 milhões de euros, anunciado em 2021, além do futuro campus global da Farfetch, previa acolher outras empresas, um hotel e 42 apartamentos. O projeto inicial previa que dos 140 mil metros quadrados, 60 mil fossem ocupados pela Farfetch.

Em termos de distribuição de equipas, tirando aquelas que tiveram que ser recolocadas, devido ao encerramento de escritórios, a distribuição mantém-se. Em Lisboa estão os departamentos de programação/tecnologia e serviço ao cliente e operações.

Nos escritórios de Matosinhos que a empresa mantém abertos, pelo menos por agora, contabiliza-se a equipa de desenvolvimento da plataforma, serviços financeiros e gestores de contas das lojas associadas, bem como uma parte do serviço ao cliente. É para esta unidade que a Farfetch está a contratar. Segundo a informação disponibilizada na página de carreiras da companhia, há atualmente 41 oportunidades de trabalho abertas para Matosinhos (Porto).

A empresa está a procurar desde supervisores de contas de pagamentos, até analistas de dados, engenheiros de software, especialistas na gestão de talento até um gestor de operações financeiras.

Guimarães é agora a nova casa do centro de operações, além de manter toda a parte “criativa” do negócio. No Avepark, nas Taipas, há profissionais com diversos perfis, desde os fotógrafos especializados que estão responsáveis por fotografar todos os produtos que depois serão catalogados para o site, assim como os “stylists“. Além das pessoas associadas a todo este fluxo de produção, há ainda equipas de engenharia de processo, planeamento, compras, gestão de projetos, design, traduções e descrições, gestão de catálogo ou análise de dados.

Em termos de organização de equipas, segundo adiantou um trabalhador ao ECO, “o modus operandi continuou igual, as mesmas responsabilidades e prioridades mas distribuídas por bastante menos gente.”

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