Relatório do Tribunal de Contas sobre venda da ANA tem “erros técnicos graves”, alega Sérgio Monteiro
O antigo secretário de Estado das Infraestruturas, criticou no Parlamento a avaliação à privatização da ANA pelo Tribunal de Contas, divulgada em janeiro. Venda já poupou 800 milhões ao Estado, disse.
Sérgio Monteiro, antigo secretário de Estado das infraestruturas no Governo de Pedro Passos Coelho, recorreu à avaliação feita pelo Tribunal de Contas em 2015 para defender no Parlamento os méritos da privatização da ANA três anos antes. Deputados da esquerda atacaram com auditoria de 2024, que o gestor considera ter “erros graves”.
“Não devemos confundir a qualidade de um relatório que não cumpre o que é suposto com a qualidade de um tribunal“, afirmou esta quarta-feira Sérgio Monteiro durante a audição na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, onde está a ser ouvido sobre a privatização da ANA a requerimento do PCP.
O ex-secretário de Estado disse que o Tribunal de Contas (TC) “é da maior importância” e que o respeito pela instituição “é total”, mas considerou que o relatório divulgado “tem erros técnicos graves” e “considerações que são opiniões”.
Sérgio Monteiro preferiu salientar as conclusões da avaliação feita pelo TC em 2015, enviada para contraditório ao Governo, mas que nunca chegou a ser formalmente concluída. “O processo foi até elogiado pelo staff do Tribunal de Contas“, assinalou, socorrendo-se das conclusões para afirmar que a venda foi um sucesso “na maximização do encaixe financeiro e nos objetivos de desenvolvimento e eficiência dos aeroportos”.
O Tribunal de Contas divulgou no início do ano um relatório com duras críticas ao processo de privatização da ANA – Aeroportos de Portugal conduzido pelo Governo de Passos Coelho. A análise, que não foi unânime, com três dos nove juízes a votarem vencido, conclui “não ter sido maximizado o encaixe financeiro resultante da alienação das ações representativas do capital social da ANA”. Considera ainda que o processo não protegeu “cabalmente os interesses nacionais”, que o contrato de concessão fragilizou a regulação e criou um monopólio.
Conclusões que foram usadas pelos deputados do PS e PCP para criticar a venda. “A urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respetivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro”, leu Pedro Coimbra, do PS.
Uma avaliação do Tribunal de Contas feita há oito anos fez, no entanto, uma avaliação oposta da operação, concluindo que foi adequada “à luz dos interesses dos contribuintes” e maximizou o valor da venda. O presidente da entidade, José Tavares, afirmou recentemente no Parlamento que esta avaliação não completada e não vincula o Tribunal.
Questionado pelo deputado Filipe Melo, do Chega, sobre as contradições entre as duas análises, Sérgio Monteiro, afirmou ser “estranho que o conteúdo seja diametralmente oposto e que conclusões sejam tão diferentes”. Considerou ainda ser “estranho que não tenha sido dada oportunidade para contraditório aos intervenientes” na auditoria divulgada este ano, ao contrário de 2015.
Uma das críticas deixadas ao TC por Sérgio Monteiro diz respeito ao desconto dos dividendos pagos pela ANA no preço de venda à Vinci, que os juízes condenaram. “Para que todos os concorrentes estivessem em situação de igualdade, todos os eventos subsequentes a 30 de junho de 2012, sejam pagamentos feitos ou endividamentos contraídos, teriam de ser descontados. É assim em todas as operações do mundo”, disse. Os trabalhadores da ANA que têm ações sabem que o valor da empresa baixa a seguir ao pagamento de dividendos“, atirou.
“À direita há muito respeito pelo Tribunal de Contas, exceto quando o Tribunal de Contas faz as contas“, reagiu António Filipe, do PCP.
Venda da ANA “determinante para a saída limpa”
Sérgio Monteiro argumentou que a privatização da ANA à Vinci, por 3.080 milhões de euros, foi “determinante para a saída limpa” do período da troika em 2014. Para o ex-secretário de Estado o processo “foi elogiado por vários entidades, desde logo pelo mercado”. “Foi uma operação de referência nesse ano e mudou a forma como a comunidade de investidores olhava para Portugal. O país era olhado com desconfiança perante a possibilidade de sair do euro”, referiu. Segundo contas do antigo governante, o encaixe de 2.400 milhões para o Estado permitiu “em 11 anos uma poupança de 800 milhões de euros em juros, considerando uma taxa média anual de 3%”.
Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, questionou Sérgio Monteiro sobre o facto de a concessão da totalidade dos aeroportos à ANA ter criado um monopólio. O antigo secretário de Estado, respondeu que foi feito um estudo de contabilidade analítica de cada aeroporto e, “exceto Lisboa, todos eram deficitários”. “Lisboa podia ser vendido por um valor superior, mas não se conseguiria vender os outros”, defendeu.
António Filipe confrontou Sérgio Monteiro com o facto de a administração da ANA que estava em funções ter transitado para a empresa privatizada, num “conflito de interesses”, tendo primeiro considerado a proposta da Vinci “irrealista e irrealizável”, mudando depois de opinião, afirmando vê-la com “entusiasmo” e “prudência”. Sérgio Monteiro rejeitou que existisse um conflito de interesses e que o Governo mudou a administração antes de fechar o processo de privatização, porque a anterior “queria impor o seu próprio modelo de privatização”, com parte do encaixe a servir para a construção de um novo aeroporto.
(Notícia atualizada às 12h30)
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