Indústria do café apreensiva com sabor amargo do regulamento anti-desflorestação da UE
A indústria do café está com dificuldade em cumprir legislação da UE contra a desflorestação, que entra em vigor no final do ano. Pede mais tempo para cumprir os requisitos.
A União Europeia (UE) tem novas regras para ajudar a desflorestação em todo o mundo. A indústria do café concorda com o regulamento europeu anti-desflorestação (EUDR), que entra em vigor a 30 de dezembro, mas pede o adiamento do prazo de implementação por considerar que não estão reunidas as condições para cumprir esse calendário. A legislação tem como objetivo obrigar as empresas a garantir que os produtos vendidos na UE não se encontram em terrenos desflorestados.
A Associação Industrial e Comercial do Café (AICC) apoia o novo regulamento europeu anti-desflorestação (EUDR), mas pede a prorrogação do prazo de implementação e justificam que os pequenos produtores de café precisam de tempo, estruturas e recursos suficientes para cumprir o regulamento que entra no final do ano.
“A União Europeia está a pôr a carroça à frente dos bois e não temos tempo de absorver esta nova burocracia e pôr isto a funcionar, principalmente os países de origem. Angola não sabia sequer deste regulamento”, afirma a secretária-geral da AICC, em declarações ao ECO. “É um trabalho burocrático gigantesco”, reforça Cláudia Pimentel.
A União Europeia está a pôr a carroça à frente dos bois e não temos tempo de absorver esta nova burocracia e pôr isto a funcionar, principalmente os países de origem. Angola não sabia sequer deste regulamento.
“Concordamos com a legislação EUDR, mas solicitamos o adiamento porque não há, ainda, condições para a implementação do regulamento”, explica ao ECO a secretária-geral da AICC. Cláudia Pimentel justifica esse adiamento devido à “falta de preparação dos países produtores e à falta de clarificação do sistema informático/plataforma que servirá de base a todos os operadores envolvidos no processo”.
A Nestlé Portugal assume ao ECO que está a ser “afetada pelo Regulamento Europeu Anti-Desflorestação“, apesar de estarem “confiantes com a capacidade de cumprir o regulamento, graças ao nosso trabalho de longa data na prevenção da desflorestação”.
“A Nestlé é afetada pelo EUDR devido à ampla gama de produtos no nosso portfólio. Esses produtos contêm ingredientes fornecidos por fornecedores e produtores localizados em vários países, e são transformados e vendidos em toda a Europa e todo o mundo”, explica ao ECO Gonçalo Granado, diretor de comunicação da Nestlé Portugal. O responsável apela que é “necessária mais clareza em relação a alguns aspetos práticos, incluindo como os Estados membros da UE planeiam implementar este regulamento”.
Já o Grupo Nabeiro-Delta Cafés garantiu apenas que “não estão a comprar mais stock” antes de a lei entrar em vigor, mas sim a “tentar ajudar os pequenos agricultores via International Coffee Partners (ICP)”.
É necessária mais clareza em relação a alguns aspetos práticos, incluindo como os Estados membros da UE planeiam implementar este regulamento.
Apesar de faltarem apenas três meses para este novo regulamento entrar em vigor, a Associação Industrial e Comercial do Café concorda com a falta de clareza. “Na verdade nenhum de nós sabe como vai funcionar esta plataforma que foi criada pela União Europeia e só vai estar disponível para inscrição em novembro. Nós temos acesso aos relatórios dos testes e sabemos que não estão a correr muito bem porque existem muitas dificuldades e mutas dúvidas”, refere a a secretária-geral da AICC.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que é a autoridade competente para a aplicação do regulamento europeu anti-desflorestação (EUDR) em Portugal, indicou ao ECO que “tem realizado várias reuniões com associações setoriais, incluindo a Associação Industrial e Comercial do Café (AICC), de forma a sensibilizar e a preparar as empresas para o cumprimento das obrigações do EUDR”.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas adiantou que a “Comissão Europeia encontra-se a desenvolver material de apoio à implementação do EUDR para operadores e comerciantes que se prevê seja publicado ainda em setembro”.
Uma avaliação realizada ao grau de preparação no Uganda, uma das regiões do projeto da ICP, revelou que os produtores de café do país ainda não estão preparados para cumprir o EUDR. “Atualmente, apenas cerca de 10% dos produtores de café do Uganda tem o seu café rastreado.
Para cumprir os requisitos do EUDR, os agricultores ugandeses terão de desenvolver um sistema de rastreabilidade eficaz, que provavelmente exigirá anos de planeamento, aperfeiçoamento e melhoria das competências, bem como um investimento inicial significativo”, alerta a International Coffee Partners.
Este regulamento vai implicar que todos os intervenientes na venda de café, desde a produção até ao aos hipermercados, entrem na plataforma para validarem as operações. A Associação Industrial e Comercial do Café exemplifica ainda que “os pequenos produtores do Brasil dizem não estar preparados“, enquanto a Colômbia “diz estar praticamente pronta a 100% para arrancar com o projeto”.
Pequenos produtores de café podem optar por países fora da UE devido ao novo regulamento
A International Coffee Partners (ICP), que é formada por empresas familiares europeias de café, como a Delta Cafés de Portugal, Franck da Croácia, Paulig da Finlândia, Joh. Johannson da Noruega, Löfbergs da Suécia, Lavazza da Itália, Neumann Kaffee Gruppe da Alemanha e Tchibo da Alemanha, afirma que o “cumprimento da EUDR representa agora outro grande desafio” e receia que “muitos produtores não conseguirão responder a todos os requisitos necessários até ao final de 2024 pelo que, podem ser excluídos do mercado da União Europeia”.
A somar ao desafio do regulamento europeu anti-desflorestação, a International Coffee Partners realça ainda que “os 12,5 milhões de pequenos produtores de café no mundo, que produzem até 80% do café mundial, dependem da volatilidade dos mercados e estão expostos a riscos climáticos crescentes, ao aumento dos preços de produção e a outros fatores económicos externos”.
A International Coffee Partners alerta que “é provável que os agricultores transfiram a comercialização dos produtos para países fora da União Europeia” e que “estes resultados não contribuem para a redução do risco de desflorestação”. A Associação Industrial e Comercial do Café corrobora a ideia e antecipa ao ECO que esses produtores “vão optar por vender para a Ásia ou Americana Latina, já que não têm que estar sujeitos a essas regras morosas”.
Alguns produtores vão optar por vender para a Ásia ou Americana Latina, já que não têm que estar sujeitos a essas regras morosas.
“Não podemos obrigar os países terceiros a implementar uma medida europeia. Partimos do pressuposto que estes países têm interesse para vender para a Europa, mas na verdade temos cada vez mais países a consumir café que antes não consumiam, como é o casos da Ásia e mesmo todo o americano e latino-americano”, salienta a secretária-geral da AICC.
O regulamento anti-desflorestação da UE abrange produtos tradicionalmente associados a riscos elevados de degradação dos ecossistemas florestais, como o óleo de palma, a carne bovina, café, cacau, soja, madeira, borracha, bem como produtos derivados (como carne de vaca, mobiliário ou chocolate).
De acordo com o IAPMEI, “todas as empresas que comercializem ou exportem este tipo de produtos a partir da UE são obrigadas a assegurar o seu rastreamento ao longo das cadeias de valor, no sentido de identificar e minimizar os riscos decorrentes da pegada florestal que possam acarretar, e das suas repercussões em termos de impactos ambientais e sociais”.
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