Efacec nacionalizada sem “fundamentação técnica” do interesse público. Tribunal de Contas diz que fatura pode chegar aos 564 milhões
A auditoria do Tribunal de Contas à nacionalização da Efacec em 2020 considera que operação não foi devidamente justificada nem cumpriu os objetivos.
A auditoria do Tribunal de Contas considera que a nacionalização da Efacec, aprovada pelo Governo de António Costa em 2020, não foi devidamente fundamentada nem cumpriu os objetivos propostos. Fatura para os contribuintes pode chegar aos 564 milhões, refere o documento divulgado esta segunda-feira.
“A nacionalização da Efacec foi realizada sem fundamentação, técnica e independente, do interesse público. O Estado nacionalizou a empresa, sem validar as alegações da administração da Efacec de esta ser uma empresa estratégica nacional, viável e economicamente sustentável, numa situação de dificuldade provisória”, conclui o Tribunal de Contas.
O Tribunal considera ainda que o propósito da operação não foi atingido: “Sem atingir qualquer dos objetivos da Nacionalização, o financiamento público da Efacec apenas contribuiu para manter a empresa em atividade até à sua reprivatização três anos e quatro meses depois”.
O relatório contabiliza em 484 milhões o impacto negativo nas contas públicas até 17 de maio, mas a conta pode ser ainda mais elevada. “Há o risco de subir até 564 milhões face às responsabilidades contingentes assumidas (80 milhões)”, refere o Tribunal de Contas.
O tribunal critica o facto de o Estado ter escolhido “a proposta com maior Taxa Interna de Rentabilidade” porque isso “introduziu risco à operação, uma vez que, para obter retorno futuro, mas incerto, gastou mais 271 milhões de euros”. Decisão ainda mais arriscada por ficar dependente do sucesso do investidor em inverter a tendência de degradação do volume de negócios da Efacec e vender a empresa a médio prazo (em cinco anos) por 563 milhões de euros, como projetado pela Mutares.
O facto de o caderno de encargos do processo de reprivatização – o segundo já que o primeiro acabou por fracassar porque Bruxelas não declarou que os auxílios públicos inerentes ao processo de venda era compatíveis com o mercado interno, algo que a DST exigia para comprar a Efacec – ser “menos exigente quanto à capacidade técnica dos potenciais investidores” e os critérios de seleção não terem sido associados a ponderações, métricas e prioridades é outra das críticas apontadas já que aumentou os riscos da operação.
Contas públicas sem a divulgação integral dos ativos e passivos da Efacec, “contrariando o princípio da transparência e pondo em causa a sua fiabilidade”, financiamento da Efacec até à reprivatização “sem apreciação técnica da Parpública” e “sem sistema de acompanhamento e monitorização apropriado e eficaz” e privilegiar a empresa ao “criar uma linha de apoio Covid-19 específica e exclusiva” são outros erros que o Tribunal identifica na sua auditoria.
A instituição liderada por José Tavares aponta ainda o dedo ao facto de os acionistas privados da Efacec não terem acompanhado o esforço financeiro do Estado.
O consórcio formado pelo Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves – TMG, acionista minoritário da Efacec, “não acompanhou o Estado no apoio financeiro” à empresa, “nem teve despesa com a reprivatização, em flagrante contraste com o encargo público”. Além disso, alerta o Tribunal de Contas, “há o risco deste encargo aumentar, face ao compromisso assumido pela Parpública em substituir MGI Capital, se esta não cumprir as responsabilidades” assumidas em 2015, de ressarcir a Efacec dos valores em dívida que a Winterfell 2 venha a pagar à MGI Capital.
Nacionalização não salvou postos de trabalho
Um dos argumentos do Governo de António Costa para avançar com a nacionalização era evitar a deterioração financeira e comercial da empresa e salvaguardar os postos de trabalho, no entanto, “até 2022, quase um quartos dos trabalhadores tinha deixado a empresa”.
Os gestores da Efacec, durante a nacionalização, “continuaram a promover a política de emagrecimento da empresa, incidindo sobre” os que tinham remuneração mais elevada, “em regra, mais qualificados”.
O ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, respondeu em contraditório ao Tribunal de Contas, segundo o texto do relatório, “que a intervenção do Estado na Efacec permitiu a sobrevivência da empresa, manter os postos de trabalho, ‘sem prejuízo da redução descrita nos pontos 208 a 211 [perda de 24% dos trabalhadores entre 2019 e 2022]’, ultrapassar o bloqueio total de financiamento pelo setor bancário”.
O facto de a Parpública ter levado três meses para nomear um conselho de administração e a opção ter sido reforçar o poder do presidente da comissão executiva, Ângelo Ramalho, não ajudou a mitigar danos reputacionais causados por Isabel dos Santos, nem “a independência do controlo de gestão que o conselho de administração deveria exercer”.
O Estado voltou a falhar na proteção dos trabalhadores ao não aplicar a Lei Quadro das Privatizações que expressamente determina que no Contrato de Compra e Venda de Ações os trabalhadores devem “manter, na empresa reprivatizada todos os direitos e garantias de que eram titulares”.
O gabinete do Ministério das Finanças diz que este Governo “nada tem a acrescentar em sede de contraditório”.
Mas é ao Governo de Luís Montenegro que o Tribunal de Contas recomenda a apresentação de uma proposta legislativa para que seja obrigatório a constituição de uma comissão especial para acompanhar os processos de privatização. Mas também a definição dos critérios que devem ser usados para classificar uma empresa como estratégica para a economia nacional.
(notícia atualizada às 19h35)
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