Líder do Supremo pressiona aprovação do OE. E o princípio de separação de poderes?

O líder do Supremo considerou que a incerteza sobre a viabilização do próximo OE e novas eleições antecipadas com um eventual “chumbo” levaria a “um rude golpe na credibilidade das instituições".

No decorrer da atualidade política relativa à aprovação ou não aprovação do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), na sequência da falta de consenso entre o Governo e o PS, podem ter passado despercebidas as palavras do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) — a mais alta instância judicial do país –, que apelou à “maturidade democrática” dos políticos, de forma a evitar uma eventual queda do Governo caso o OE não seja aprovado.

Apesar do previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) relativo a uma clara separação de poderes entre o poder político e o poder judicial — no artigo 11º — João Cura Mariano não se fez rogado e pressionou esse mesmo poder político: “Confio que uma desejável maturidade democrática dos nossos dirigentes políticos evite que, entretanto, ocorra uma terceira dissolução da Assembleia da República num curto período temporal, a qual, a verificar-se, adiaria mais uma vez o tão necessitado conjunto de reformas na área da Justiça e colocaria este Supremo Tribunal na inédita situação de não dispor de um número mínimo de juízes que assegurassem o seu regular funcionamento”, afirmou Cura Mariano.

Num discurso proferido na cerimónia de tomada de posse de oito novos juízes conselheiros, o líder do Supremo considerou que o cenário de incerteza sobre a viabilização do próximo OE e a perspetiva de novas eleições antecipadas com um eventual “chumbo” levaria a “um rude golpe na credibilidade das instituições democráticas, neste caso ferindo de morte o Supremo Tribunal de Justiça”.

Questionado pelo ECO/Advocatus se essas declarações não poriam em causa a separação de poderes, o juiz conselheiro explicou que apenas advertiu “quais seriam as consequências de mais uma dissolução do Parlamento para os tribunais, mais concretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, no cumprimento de um dever de cooperação institucional”.

João Cura Mariano, presidente do STJLusa

Ao ECO, o advogado Paulo Saragoça da Matta, sócio da DLAPiper, defende que “a ideia do senhor presidente do STJ é correta, mas atrasará muitas outras alterações legislativas e não só essa”.

“Mas não penso que signifique um rude golpe na credibilidade das instituições democráticas. O STJ está a funcionar, pelos vistos mal, mas este mal existe há décadas. E se o STJ está ferido de morte, continua a sangrar na arena há anos. Quanto ao objeto de alteração: há que fazer um urgente rejuvenescimento dos juízes conselheiros. Há uma questão a tratar. Mas não é uma questão de emergência, não penso que seja um rude golpe”, entende o advogado.

Luís Couto, advogado e sócio da SPCB Legal, refere que o presidente do STJ expressou uma opinião, “o que não constitui, per si, uma violação do princípio da separação de poderes, que decorre do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa”.

Além disso, diz o jurista, “apesar de aos magistrados judiciais ser ‘vedada a prática de atividades político-partidárias de caráter público’, como o determina o art. 6.º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a expressão de uma opinião política, ainda que numa cerimónia pública, não parece enquadrar-se no conceito de atividade político-partidária”.

Mas o advogado diz que, “ainda que se possa considerar inconvenientes as declarações proferidas pelo presidente do STJ, produzidas numa cerimónia pública, que podem constituir uma tentativa de pressão sobre os partidos com assento parlamentar para que aprovem (ou permitam que seja aprovada) a lei do Orçamento de Estado em preparação pelo Governo, não são as mesmas adequadas à subversão do principio da separação de poderes, sob o ponto de vista estritamente jurídico”.

Apenas adverti quais seriam as consequências de mais uma dissolução do Parlamento para os tribunais, mais concretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, no cumprimento de um dever de cooperação institucional”.

João Cura Mariano

Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

João Cura Mariano salientou a pressão existente sobre o STJ relativamente à renovação constante do quadro de magistrados, ao equivaler a permanência nesta instância “ao tempo de vida de uma libelinha” ou a “um guichet de uma qualquer repartição pública”, no qual os juízes apresentam o pedido de jubilação pouco depois de chegarem. Nesse sentido, anunciou que já enviou ao Governo uma proposta de alteração com vista ao “urgente rejuvenescimento”.

“Só poderá ser alcançado com uma urgente alteração legislativa às regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça que constam do Estatuto dos Magistrados Judiciais e, por isso, exigem a intervenção da Assembleia da República. Já foi entregue ao Governo um projeto que, através de um alargamento considerável do leque de concorrentes, permita que juízes das Relações com idades mais baixas possam ingressar nos quadros do Supremo”, frisou.

Cura Mariano disse que esta “situação de emergência” afeta a qualidade da jurisprudência e que o Governo encara a proposta de alteração “como uma prioridade urgente”, convertendo em breve numa proposta de lei a apresentar no Parlamento.

O juiz conselheiro João Cura Mariano foi eleito em maio presidente do STJ. O novo presidente do STJ — quarta figura do Estado — foi juiz do Tribunal Constitucional entre 2007 e 2016, passou pelos tribunais da Relação de Coimbra e do Porto e integrou ainda o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra e iniciou funções na magistratura judicial em 1986.

Cura Mariano, de 66 anos, sucede na presidência do STJ a Henrique Araújo, que deixa o cargo por ter atingido o limite de idade para a função: 70 anos. Como o mandato de presidente do STJ é de cinco anos, o juiz conselheiro agora eleito também não poderá cumprir o seu mandato até ao fim.

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