Salgado era “mentiroso compulsivo” e tentou “comprar Marcelo” com trabalho jurídico do BES

"É capaz de matar o pai e a mãe. Depois, a principal característica é ser um mentiroso compulsivo", disse Pedro Queiroz Pereira em julho de 2018. Depoimento ouvido no julgamento do caso BES.

O quarto dia do julgamento do caso BES começou com a audição da gravação do depoimento do empresário Pedro Queiroz Pereira, que morreu em agosto de 2018, explicando o processo de privatização do BES e a entrega do banco aos Espírito Santo. “Quando o GES se recupera, recupera-se com muitas dificuldades financeiras“, disse. Queiroz Pereira foi ouvido em julho de 2018.

O ex-líder da Semapa sublinhou que Ricardo Salgado, arguido no processo, tinha características boas e más. “Entre as boas: é uma pessoa extraordinariamente trabalhadora; entre as más, é um ambicioso desmedido, capaz de matar o pai e a mãe, e um mentiroso compulsivo”, disse. Segundo Pedro Queiroz Pereira, o ex-líder do BES era capaz de dizer que uma folha de papel é preta, “é doentio”, acrescentou.

Pedro Queiroz Pereira explicou ainda que os outros administradores do Grupo Espírito Santo não levantavam objeções às decisões de Ricardo Salgado. “Ninguém se atrevia. Ele era o único capaz de comandar o grupo. Ninguém se atrevia a dizer o que fosse. Eu era independente e o único que dizia… Ele é capaz de chegar aqui e dizer-lhe que esta folha branca era preta e sair daqui convencido que convenceu o interlocutor. É uma coisa espantosa”, sublinhou.

Sobre António Ricciardi, o ex-líder da Semapa sublinha que a sua continuidade como chairman era “completamente conveniente para Ricardo Salgado fazer o que quisesse no BES”.

O empresário acusou ainda Ricardo Salgado de comprar Marcelo Rebelo de Sousa ao entregar trabalho jurídico do BES à antiga companheira do atual Presidente da República. “O doutor Salgado fez o seguinte: pega no Departamento Jurídico e manda entregar trabalhos de cobrança à doutora Rita Amaral Cabral, que tem um escritório de advocacia. Para quê? Para recuperar a relação com o professor Rebelo de Sousa. Se for, por exemplo, ao escritório da doutora Rita Amaral Cabral, mais de metade ou 60% do trabalho era o BES que dava. Era uma forma de comprar o professor Rebelo de Sousa”, afirmou o industrial.

Na audição de 2018, Pedro Queiroz Pereira explicou também que sabia que as coisas “estavam mal” no banco, quando participou, em dezembro de 2012, numa das reuniões do conselho superior do Grupo Espírito Santo. Nessa altura estava a concretizar-se a a compra de ações da Semapa pelo BES.

O empresário revelou ainda que só foi ao BdP com os documentos “um ou dois meses depois” por estar “sempre na expectativa” de que o BES recuasse na tentativa de controlo das suas empresas. “Não sou propriamente amigo de Ricardo Salgado, mas sou amigo de outros Espírito Santo e sei que não estão no cerne da questão… Tentei durante algum tempo não usar números e coisas que tinha”, referiu.

Sublinhou também que o que o “revoltou mais” foi quando o GES tentou discretamente comprar ações na tentativa de controlar a Cimigest. “Andavam a comprar os meus acionistas e não tinham dinheiro”, refere. O ex-líder da Semapa depôs ainda que pediu ao tribunal de Luxemburgo um inquérito judicial às contas da Espírito Santo Control em 2013.

Pedro Queiroz Pereira morreu em 2018, depois de ter entrado em conflito com Ricardo Salgado e de ter contribuído para a queda do ex-banqueiro, ao expor os problemas nas contas do Grupo Espírito Santo.

“O conflito com Pedro Queiroz Pereira saldou-se numa disputa judicial em que foi colocado em destaque uma possível viciação das contas das holdings do GES, facto que, em termos hipotéticos, foi revelado à supervisão bancária no segundo semestre de 2013”, realçou o Ministério Público na acusação do processo proferida em 2020.

A sessão desta terça-feira ficará ainda marcada pela audição da inquirição do presidente do conselho de administração do BPI Fernando Ulrich. O julgamento retoma no próximo dia 28 de outubro.

Fernando Ulrich chegou a defender publicamente que as autoridades deviam ter atuado mais cedo face aos problemas no GES. O banqueiro visou, nomeadamente, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Banco de Portugal e o Governo, acrescentando que essa ação deveria ter chegado ainda em 2012, a fim de tentar evitar o que viria a ser a ruína do grupo.

A 14 de julho de 2020 a equipa de procuradores liderada por José Ranito acusou 25 arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, no âmbito do caso Banco Espírito Santo (BES). Passados mais de quatros anos, arrancou o julgamento do já apelidado maior processo da história da justiça portuguesa.

Dez anos depois da queda do BES, com o arguido Ricardo Salgado acusado de 62 crimes (três entretanto prescreveram), o julgamento do processo BES conta com 17 arguidos singulares, sete empresas arguidas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas.

O ex-banqueiro está acusado de associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais. E estava inicialmente acusado de um total de 65 crimes, vai agora ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade. O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo MP indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro.

Em janeiro de 2025 prescrevem mais três crimes de falsificação de documento, no final de fevereiro cai um de infidelidade e até 28 de março tombam outros três de infidelidade.

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