Empresas de carga aérea pressionam ANA a ser mais do que “senhorio” dos aeroportos
Transitários e operadores de carga aérea queixam-se dos constrangimentos nos principais aeroportos do país e avisam que, se não houver condições em Portugal, têm que ir para fora.
Os constrangimentos sentidos pelos transitários e outros operadores de carga aérea continuam a limitar a atividade destas empresas, que muitas vezes são forçadas a desviar a expedição de mercadorias que são transportadas por via aérea para aeroportos de Espanha e até do norte da Europa.
A ANA reconhece estas limitações, as quais justifica com o grande crescimento das mercadorias transportadas e protege-se argumentando que não lhe compete a gestão dos terminais de carga. Uma justificação que não é acolhida pelas empresas, que dizem que o operador dos aeroportos não se pode limitar ao cargo de “senhorio”.
“A ANA fez um diagnóstico muito exaustivo, de uma forma muito discreta, de há um ano/ano e meio”, explica José Natário, da ANA Aeroportos, a participar num seminário organizado pela Transportes & Negócios, dedicada ao transporte aéreo. O representante da gestora dos aeroportos adiantou que este levantamento confirmou o “fraco desempenho das infraestruturas de carga”, mas “há muitas questões que não dizem respeito diretamente à ANA. Quem gere os terminais de carga não é a ANA“, defendeu.
O mesmo responsável atribui os constrangimentos ao forte crescimento do transporte aéreo, apontando que há 2,5 toneladas de carga por metro quadrado em Lisboa e Porto. “Não há espaço. Existem constrangimentos.”
Os problemas não são novos e são conhecidos há bastante tempo. Questões como a falta de investimento na modernização destas infraestruturas, com terminais “obsoletos” e falta de instalações adequadas de aceitação de carga, assim como medidas de segurança que obrigam ao rastreio da carga na máquina de raio-X, a abertura de grande parte das cargas para verificação visual por parte da Alfândega e da segurança, ou a falta de câmaras frigoríficas limitam a atividade das empresas que expedem mercadoria via aérea.
Artur Anjo, da Portway, a empresa de handling detida pela ANA, reconhece que “há um trabalho a fazer e podemos melhorar certas questões”, ainda assim aponta o dedo aos operadores. “Os terminais de carga não são armazéns durante duas, três semanas. Num aeroporto, é um terminal de entrada e saída. Tudo o que exceda 48 horas não é urgente, perde urgência“.
A Portway está, no entanto, a planear mudanças nos dois maiores aeroportos do país, com obras previstas para o Porto. Quanto a Lisboa, a empresa de handling diz que “precisa de uma intervenção diferente, porque os aviões de grande porte estão em Lisboa.”
“No Porto é mais uma central de camiões do que um terminal de carga aéreo. Vamos fazer uma obra muito importante“, adianta, sem especificar mais detalhes.
O responsável refere ainda que é preciso “fazer este trabalho juntamente com as companhias aéreas” e com os transitários. “A paletização das cargas precisa de uma área brutal. Temos que o fazer dentro dos armazéns e não temos espaço”, lamenta, acrescentando que “toda a gente quer exportar carga à sexta-feira à tarde”. “É um trabalho conjunto (que tem que ser feito) com os transitários, com as companhias aéreas“, reforça.
“Há quantos anos falamos em constrangimentos? Há quantos anos os agentes transitários sofrem com as condições nos aeroportos?”, atira Fernando Gomes. Para o responsável da Emirates SkyCargo em Portugal, “todos trabalhamos em conjunto, mas há alguém que tem fator de decisão na mão. Quem gere estes espaços deveria ter feito estes estudos há 10 anos“, refere, numa referência direta ao estudo desenvolvido pela ANA no último ano.
Quanto à queixa que as mercadorias são entregues à sexta, Fernando Gomes aponta que “não podemos obrigar as nossas exportadoras a dizer: não entreguem carga à sexta.” “Tenho dois voos diários, sete dias por semana. Transportamos carga de segunda a domingo. A carga existe”, acrescenta.
Mário Silva, da Rangel, junta-se às queixas. “Ou somos eficientes ou não existimos”, destaca, apontando questões como a “necessidade de pôr carimbos no transporte aéreo. Estamos a falar de imprimir e ir com papel. Isto destrói valor e atrasa o que é a nossa produção”. “A carga chega. Nós levamos a carga para os aeroportos”, atira.
Em resposta às críticas dos operadores, José Natário realça que há “um investimento que deve ser feito pelos demais operadores”, dando como exemplo o investimento realizado pela DHL no Aeroporto do Porto. “Há um operador de carga expresso que duplicou a sua capacidade aqui no Porto. Existiu capital para o fazer e foram criadas condições para que esse negócio se realizasse”, acrescenta.
A DHL inaugurou em setembro um novo terminal de carga no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. O investimento de 25 milhões de euros vai triplicar a capacidade de processamento de carga aérea.
Referindo-se ao aeroporto de Lisboa, o representante da ANA diz que “o edifício 132 é um espaço vazio e que pode ser ampliado”. Natário assume, contudo, que a “ANA tem perfeita consciência” das infraestruturas antigas O edifício de carga no Porto é de 1989 e em Lisboa de 2008.
“As instalações são já antigas e a ANA tem feito investimentos de conservação e beneficiação da infraestrutura, mas a capacitação ganha-se não é só com espaço, mas também com eficiência de processos”, argumenta, adiantando que espera-se o novo aeroporto de Lisboa, que vai ser construído no campo de tiro de Alcochete para 2035, “vamos ter 10 anos à nossa frente e temos que criar com todas as entidades uma combinação de várias medidas. Um dos desafios é tentar encontrar as melhores soluções até à chegada do novo aeroporto.”
A APAT – Associação dos Transitários de Portugal defende a construção de um “verdadeiro hub de carga aérea” e de uma nova “cidade logística” em redor do futuro aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete. Segundo Ana Camacho, da APAT trata-se de “aproveitar não só a posição geográfica de Portugal, mas também que a nova infraestrutura deva contemplar as condições para uma cidade logística, numa perspetiva de multimodalidade.
“A carga é uma entidade viva. Vai encontrar o seu caminho”, acrescenta, apontando que se houver constrangimentos em Portugal, “a carga vai sair para os aeroportos de outros países.”
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