Lagarde propõe um “padrão europeu de poupança” para impulsionar União dos Mercados de Capitais

Um dos pontos essenciais do plano do BCE passa por transformar os hábitos de poupança dos europeus através de produtos financeiros padronizados e acessíveis de igual forma a todos os investidores.

Uma das grandes bandeiras da política do Banco Central Europeu (BCE) e da União Europeia (UE) é a concretização da União dos Mercados de Capitais, para assim se criar um grande mercado de capitais na UE, atraindo mais investimentos e melhorando as possibilidades de financiamento das empresas, sendo também uma oportunidade de os investidores europeus investirem as suas poupanças de forma mais produtiva na Europa.

Christine Lagarde, presidente do BCE, tem sido uma das principais vozes defensoras do projeto da União dos Mercados de Capitais: “É fundamental para tornar a nossa economia mais dinâmica e tecnologicamente avançada”, afirmou Lagarde esta sexta-feira no 34.º Congresso Bancário Europeu, em Frankfurt.

Esta situação é particularmente importante dado que pelo menos desde o ano passado que a posição de inovação da Europa tem-se deteriorado, com o fosso tecnológico entre os EUA e o continente a tornar-se mais evidente, como é referido detalhadamente no relatório de Mario Draghi “Competitividade da UE: Olhar em frente”.

Além disso, o ambiente geopolítico tornou-se menos favorável, com ameaças crescentes ao comércio livre. Neste contexto, Lagarde afirma que a “União dos Mercados de Capitais está no centro de todos estes desafios”.

No entanto, a presidente do BCE salienta os enormes desafios que este projeto tem enfrentado, e que estará nas prioridades de Maria Luís Albuquerque como comissária europeia dos Serviços Financeiros. “Desde 2015, foram apresentadas mais de 55 propostas de regulamentação e 50 iniciativas não legislativas, mas a amplitude foi feita à custa da profundidade”, destaca Lagarde, notando que isso apenas permitiu que a União dos Mercados de Capitais “fosse destruída por interesses nacionais instalados que veem uma ou outra iniciativa como uma ameaça”.

Mas Lagarde mostra-se otimista de que essas dificuldades sejam ultrapassadas. “O problema central da União dos Mercados de Capitais é que a ‘conduta’ dos aforradores para os inovadores está bloqueada em três fases fundamentais: entrada, expansão e saída”, salientou a presidente do BCE, para depois propor ações para os resolver:

  1. Entrada nos mercados de capitais: As poupanças europeias não estão a entrar nos mercados de capitais em volumes suficientes, concentrando-se em depósitos de baixo rendimento. Lagarde propõe a criação de um “padrão europeu de poupança” – um conjunto padronizado de produtos de poupança à escala da UE, transparentes e acessíveis, como se espera que seja o Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PEPP), também conhecido como PPR europeu, mas que tarda em chegar aos investidores portugueses e a grande parte dos investidores europeus.
  2. Expansão pela Europa: Quando as poupanças chegam aos mercados de capitais, permanecem presas em silos nacionais. Para resolver este problema, Lagarde sugeriu a adoção de uma abordagem em dois níveis e a utilização do 28.º regime (criação de um quadro legal europeu unificado e opcional para emissores de títulos, que funcionaria paralelamente aos regimes jurídicos nacionais existentes nos Estados-membros da União Europeia) “que nos permitiriam criar um quadro jurídico especial nos domínios em que os progressos estagnaram.” Lagarde argumenta que, nos EUA “a convergência jurídica muitas vezes não se dá através da harmonização total das leis a nível estadual, mas sim através da introdução de leis federais ou da predominância da lei de um Estado”, notando, por exemplo, que, em 2022, 80% das empresas que entram em bolsa estavam registas no Estado de Delaware.
  3. Saída para empresas inovadoras: Lagarde destaca que os fundos não estão a ser direcionados para empresas e setores inovadores devido a um ecossistema subdesenvolvido de capital de risco. Nesse sentido, a presidente do BCE propõe permitir que os investidores de longo prazo contribuam mais para o crescimento a longo prazo, aproveitar o potencial dos bancos de desenvolvimento públicos e explorar como apoiar a inovação através da dívida.

Lagarde destacou ainda no seu discurso que os europeus poupam uma elevada percentagem do seu rendimento, cerca de 13% em 2023, em comparação com cerca de 8% nos EUA. No entanto, tendem a favorecer produtos de poupança de baixo risco e líquidos. “Na Europa, aproximadamente 11,5 mil milhões de euros são mantidos em dinheiro e em depósitos, representando um terço dos ativos financeiros totais das famílias. Nos EUA, essa proporção é de apenas um décimo”, destacou a presidente do BCE.

Esta preferência por depósitos de baixa remuneração tem duas consequências principais para a economia europeia. Primeiro, as famílias europeias são muito menos ricas do que poderiam ser. “Desde 2009, a riqueza das famílias dos EUA cresceu cerca de três vezes mais do que a das famílias da União Europeia”, refere Lagarde. E, segundo, o fluxo de poupanças para os mercados de capitais é muito menor do que poderia ser.

Christine Lagarde considera que os líderes europeus conhecem os problemas criados pela fragmentação dos mercados de capitais e que estão dispostos a agir, mas reconhece que, até à data, “não temos estado a aplicar nem a atuar.”

Para resolver estes problemas, Lagarde propõe a criação de um “padrão europeu de poupança”, que ofereceria produtos transparentes e acessíveis em toda a União Europeia. Estes produtos seriam estruturados de acordo com critérios claros, como diversificação, estrutura de taxas e composição da carteira, e poderiam ser oferecidos com menos burocracia, levando a uma maior comparabilidade e concorrência.

Quanto à expansão do capital pela Europa, Lagarde aponta para a fragmentação das infraestruturas do mercado financeiro como um obstáculo significativo. “Em 2023, havia 295 locais de negociação na União Europeia, 14 contrapartes centrais e 32 centrais de depósito de títulos, em comparação com apenas duas câmaras de compensação de títulos e uma central de depósito de títulos nos EUA.”

Para abordar esta fragmentação, Lagarde sugere a adoção de uma abordagem em dois níveis, semelhante à utilizada na supervisão bancária, e a criação do “28.º regime” para contornar o processo moroso de harmonização regulamentar.

Lagarde considera que os líderes europeus conhecem os problemas criados pela fragmentação dos mercados de capitais e que estão dispostos a agir, mas reconhece que, até à data, “não temos estado a aplicar nem a atuar.” É nesse sentido que a líder do BCE apelou a uma mudança de perspetiva a todos os Estados-membros, apelando para que em vez de se continuar a tentar dar um grande número de pequenos passos, se passe a dar “um pequeno número de grandes passos – e escolher aqueles que podemos realmente dar e que farão a maior diferença”.

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