Reforma fiscal já no terreno com duas entidades. Governo anuncia simplificação tributária “brevemente”
Conclusões dos grupos de trabalho serão entregues em abril e junho, mas o Executivo já anunciou que irá "muito em breve" apresentar "uma agenda que pretende diminuir os custos de contexto".
O antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e o ex-ministro da Economia, Carlos Tavares, lançaram o repto ao Governo de Luís Montenegro para avançar com uma comissão para uma reforma fiscal, ideia bem vista dentro do Executivo, mas na realidade já há duas unidades no terreno.
As conclusões destas entidades serão entregues em abril e junho, respetivamente, mas a secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte, já anunciou que “está a ser ultimada e será apresentada muito brevemente uma agenda para a simplificação fiscal que pretende diminuir os custos de contexto”, afirmou esta quinta-feira, no âmbito de uma iniciativa da Associação Fiscal Portuguesa (AFP).
O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já tinha indicado, no final do ano passado, que o Governo iria apresentar um programa de simplificação fiscal ambicioso. Agora Cláudia Reis Duarte reforça esta ideia, explicando que o objetivo é avançar com uma reforma, no sentido da “eliminação e simplificação das obrigações fiscais e da melhoria dos serviços dos Estado com os contribuintes”.
“Desta forma, o Governo pretende contribuir para um reforço da confiança dos cidadãos e das empresas com o sistema e com a administração tributária”, sublinhou.
Está a ser ultimada e será apresentada muito brevemente uma agenda para a simplificação fiscal que pretende diminuir os custos de contexto.
O compromisso também tinha sido assumido no relatório do Orçamento do Estado para 2025. Aquando do debate da proposta orçamental, o ministro das Finanças enviou uma nota explicativa, na qual defendia a adoção de “um conjunto de alterações legislativas e dos procedimentos e processos administrativos”, de modo a “diminuir os custos de cumprimento para os cidadãos e as empresas e os custos administrativos para o Fisco.”
Um dos dois grupos já a trabalhar é liderado por Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de António Guterres, e foi criado, em julho, pelo atual Ministério de Joaquim Miranda Sarmento. Trata-se de uma comissão para a revisão do processo e procedimento tributário e das garantias dos contribuintes com vista a uma maior simplificação fiscal e uma maior justiça fiscal. Ouvidas mais de 90 entidades, esta unidade deveria apresentar o relatório no final deste mês, mas pediu a prorrogação por mais três meses, pelo que só deverá entregar as conclusões no final de abril.
Entre os contributos recolhidos, há uma panóplia de recomendações como o alargamento de prazos para entrega de obrigações declarativas ou a suspensão da aplicação de contraordenações quando os processos são contestados.
A Unidade Técnica de Avaliação Tributária e Aduaneira (U-Tax) foi outro organismo criado, mas com a missão de avaliar os benefícios fiscais que devem ser eliminados por não evidenciaram racionalidade económica e social. Lançado em dezembro do ano passado pelo anterior Governo de António Costa, a poucos dias de entrar em gestão, este grupo de trabalho é uma das condições para o pagamento do oitavo cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), em junho.
Já com o Executivo de Luís Montenegro em funções, a economista e professora de econometria no ISEG, Isabel Proença, foi nomeada para presidir à U-Tax. A missão desta unidade é promover “um sistema fiscal mais simples e transparente, com um maior grau de exigência quanto à explicitação dos objetivos extrafiscais que presidam à criação ou manutenção de benefícios fiscais”, de acordo com o despacho.
Esta comissão resulta das conclusões do grupo de trabalho para o estudo dos benefícios fiscais (criado em 2018), que recomendou a sua criação. Até ao final de junho, esta unidade tem de entregar ao Ministério das Finanças um relatório sobre a avaliação dos benefícios e respetivas recomendações.
No âmbito da apreciação do Orçamento do Estado para 2025, em novembro do ano passado, a juíza conselheira do Tribunal de Contas, Ana Furtado, já tinha alertado para a existência de “uma quantidade relevante de despesa fiscal que não está quantificada”.
“Isso é grave”, atirou, indicando que há “110 benefícios fiscais que não são quantificados.
A complexidade e a perda de coerência do sistema fiscal português ao longo dos anos está também presente no Estatuto dos Benefícios Ficais.
A este propósito, Cavaco Silva e Carlos Costa consideram que “a complexidade e a perda de coerência do sistema fiscal português ao longo dos anos está também presente no Estatuto dos Benefícios Fiscais, como resulta claro do relatório de um grupo de trabalho publicado em 2019″.
“Nele se concluía pela existência de 542 tipos de benefícios, dos quais 121 no âmbito do IRC”, escrevem no artigo publicado no Observador.
Para os autores, muitos desses benefícios são “de justificação duvidosa”, foram “criados sem uma cuidada avaliação prévia e sem função económica ou social relevante, decididos ao sabor de pressões de grupos de interesses ou do populismo de políticos”.
“No relatório do Orçamento do Estado para 2025, pode verificar-se que a perda de receita resultante de benefícios fiscais estimada para 2024 ascende a 16,2 mil milhões de euros, com destaque para as taxas reduzidas do IVA, sendo de 4,25 mil milhões de euros no caso dos impostos sobre o rendimento. A perda global de receita fiscal equivale a 5,5% do PIB, uma percentagem muito superior à observada na larga maioria dos países europeus”, concluem.
Não posso, no entanto, deixar de concordar com os autores sobre a pertinência de se designar uma Comissão da Reforma Fiscal.
Com dois organismos no terreno, um para a simplificação fiscal e outro para a avaliação dos benefícios fiscais, será que se justifica uma nova comissão para uma reforma fiscal, como defendem Cavaco Silva e Carlos Tavares à semelhança da que foi criada em 1984 por Mário Soares? O ECO questionou o Ministério das Finanças mas não obteve resposta. Contudo, sabe que o Governo está empenhado nessa matéria com ou sem uma nova unidade para o efeito.
Já o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que exerceu funções em três governos socialistas de António Costa, mostrou-se um entusiasta. “É uma boa ideia”, afirmou num artigo de opinião que escreveu para o ECO. Uma posição própria e que não vincula o PS.
Embora reconheça que “a criação da U-Tax constitui uma importante concretização resultante do grupo de trabalho para os benefícios fiscais (2018)”, sendo “um instrumento valioso para a avaliação do sistema de benefícios fiscais, e de suporte técnico à tomada de decisões de política fiscal”, Mendonça Mendes não pode “deixar de concordar com os autores sobre a pertinência de se designar uma comissão da reforma fiscal, com tempo necessariamente longo para estudo e reflexão, sem pressa de decisões imediatas”, defende Mendonça Mendes.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Reforma fiscal já no terreno com duas entidades. Governo anuncia simplificação tributária “brevemente”
{{ noCommentsLabel }}