Competitividade europeia precisa de menos regras e mais colaboração
Na primeira sessão do Estúdio ECO dedicada ao relatório de Mário Draghi, o tema foi inovação e competitividade. Identificados os riscos e oportunidades, como devem as startups e empresas evoluir?
Numa altura em que se discute de que forma pode a Europa reduzir o gap da competitividade e inovação face aos Estados Unidos e a China, importa saber o papel que as empresas já consolidadas e as startups desempenham nessa missão. E como esse papel deve ser mais colaborativo. O tema marcou o painel de debate, esta quinta-feira, naquela que foi a primeira de três sessões no Estúdio ECO dedicado ao relatório de Mário Draghi, o documento desenhado para a Europa mitigar a perda de competitividade das últimas duas décadas.
Numa discussão sobre como pode a Europa responder ao diagnóstico do Relatório Draghi, no que toca à competitividade económica, alguns pontos geraram consenso entre os participantes: menos burocracia e mais regras simples e harmonizadas a nível europeu; menos restrições regulatórias à partida, nomeadamente em tecnologias emergentes como a Inteligência Artificial; incentivos de enquadramento à inovação e ao crescimento de empresas disruptivas, nomeadamente no investimento por parte de institucionais privados; e um reforço da relação entre academia, startups e empresas de grande dimensão.
“As startups têm um papel crítico e central na inovação”, começou por defender o diretor-executivo da Startup Portugal, António Dias Martins, argumentando que estes negócios emergentes não só “promovem a diferença” por contrariarem aquilo que “já foi feito”, como também têm uma capacidade de escalar e crescer “incrível”. E, aos olhos de um dos responsáveis do ecossistema de negócios inovadores em Portugal, esta última característica é essencial face à “lentidão” da Europa em reagir ao crescimento dos outros blocos geográficos.
“São empresas que ajudam o tecido empresarial a renovar-se e a transformar as economias. São drivers de crescimento“, reforçou, apontando a Alemanha como um país defensor dessa noção. Em 2022, o então ministro da economia, Robert Habeck, anunciou um pacote de 30 mil milhões de euros até 2030 para a startups focadas em desenvolver tecnologias limpas e acelerar a transição ecológica da Europa. “É um statement muito forte”, disse António Dias Martins.
Por seu turno, a diretora de inovação da Galp, Ana Casaca, rejeita que o caminho para a mitigação do gap da competitividade entre a Europa e o resto do mundo possa ser feito, somente, pelas startups.
“As empresas com mais de 100 anos ainda conseguem inovar“, respondeu, referindo a título de exemplo a aposta da petrolífera portuguesa no desenvolvimento de projetos emergentes, nomeadamente, através dos concursos de inovação, que trazem para dentro das empresas estabelecidas os novos projetos com grande potencial transformador, em trabalho conjunto.
“Temos de dizer de viva voz que as empresas grandes na Europa têm um papel crucial no desenvolvimento de ecossistemas de inovação e futuros mais sustentáveis”, sublinhou, apelando para que o público geral não encare as empresas consolidadas como “bichos papões”. “Se não tivermos empresas grandes, também não se consegue criar valor“, rematou. É que o tema não é apenas inovação, mas como esta pode trazer mais competitividade à Europa.
Segundo a responsável pela pasta de inovação da Galp, o caminho para impulsionar a competitividade na Europa deve ser feito de mãos dadas entre as empresas consolidadas e as startup, juntando as competências e experiências de cada um, mas sobretudo fundindo a ambição de chegar mais longe. “Haja vontade de colaboração entre os diversos players. Um verdadeiro espírito crítico entre a empresa grande e a startup“, defende.
Ana Casaca deixou ainda um desejo, de que a Europa assuma uma ambição sem reservas, e que os europeus percam algum conservadorismo e pensem em grande, algo no qual os concorrentes norte-americanos são muito fortes.
Quadro regulatório deve ser mais sexy e com “menos barreiras”
Além de ser necessária uma maior colaboração entre as entidades que já têm a experiência e os organismos que entram agora no mercado com tecnologias disruptivas, deve ser desconstruído o quadro regulatório e legislativo na Europa que, segundo o partner da PWC, Luís Barbosa, hoje “enfrenta grandes desafios”. O alerta foi um dos apelos deixado também pelo antigo governador do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi.
“Nos últimos cinco anos, foram aprovados nos Estados Unidos mais de 3.500 atos legais, enquanto na Europa, durante o mesmo período, foram aprovados cerca de 13 mil”, referiu Barbosa durante uma apresentação, no arranque da conferência do ECO, acrescentando que só a nível da regulação digital “foram publicados mais de 100 atos legais”.
“É evidente a disparidade em termos regulatórios”, acrescentou, alertando que as empresas europeias “têm menos capacidade para enfrentar” esta quantidade de regulamentação uma vez que elas surgem num curto espaço de tempo. “A regulação tem de ser mais clara e harmonizada”, apela. Um problema acrescido para as empresas europeias e, sobretudo portuguesas, de dimensão média reduzida e, como tal, com menos capacidade para se adaptarem a novas regras consecutivas.
Durante o debate, António Dias Martins referiu a título de exemplo que os europeus estão “ainda a digerir” atos legislativos como o Regulamento dos Serviços Digitais (DSA), o Regulamento Mercados Digitais (DMA) ou o Regulamento para a Inteligência Artificial (AI Act), aprovados no último mandato da Comissão Europeia, mas que já está “em pipeline mais regulação”, seja ela destinada à cloud ou privacidade. “Ainda estamos a digerir estes e já estamos a preparar outros. É um obstáculo ao empreendedorismo” sublinhou.
O mesmo alerta também foi deixado pelo keynote speaker, Carlos Oliveira, Presidente do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que referiu que além da excessiva regulamentação e o prazo temporal em que surgem, esta tem de ser adaptada a 27 países que integram o bloco europeu. E lembrou que a Europa continua a não ser um verdadeiro mercado único, com necessidades de adaptação de todo o tipo a 27 países, ao contrário do que existe nos Estados Unidos.
“Estamos a criar amarras artificiais porque a regulamentação excessiva não é mais do que isso. É criada com positividade, sim, mas os impactos nas PME [pequenas e médias empresas] não são medidos”, apontou.
Além de ser necessário flexibilizar a regulação, é preciso corrigir o problema logo pela raiz, apostando mais na formação especializada. Atualmente, apenas três instituições portuguesas integram o top 50 do Nature Index, o indicador mundial que mede o desempenho da investigação institucional, enquanto do outro lado do Atlântico esse valor salta para 21. Esta realidade espelha o investimento nas universidades em investigação e desenvolvimento (I&D).
“Tem de haver uma aposta no conhecimento, na academia, em investigadores de topo e de melhor qualidade”, defende Luis Barbosa, isto sobretudo numa altura em que a aposta em inteligência artificial (AI) avança de forma acelerada e o financiamento para esta área tem sido fortemente canalizado para os Estados Unidos.
“É preciso mobilizar o setor privado. Temos um mercado de capitais fragmentado e um de venture capital reduzido, e face ao EUA o investimento é muito mais baixo. Dos fundos angariados para investimento em AI, o investimento global mundial, 60% está a ser canalizado pelos americanos e 6% pelas empresas europeias“, alertou o partner da PWC, recomendando que as soluções passem também por alterar o paradigma do financiamento bancário (ainda dominante) e reforçar o orçamento comunitário — tema que o próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, já fez questão de o defender em Bruxelas.
Já no final do evento, Carlos Oliveira situou a discussão: discute-se o relatório Draghi e as suas conclusões não para sermos iguais a blocos concorrentes como a China ou os Estados Unidos, mas porque precisamos de mais produtividade e competitividade para podermos continua a pagar o nosso estilo de vida, que tem muito de positivo. Algo também salientado por Ana Casaca, que se afirmou “muito orgulhosa por ser europeia e por ser portuguesa”.
O Relatório Draghi sobre o futuro da competitividade europeia foi apresentado em setembro e trouxe um diagnóstico em forma de sobressalto acerca do que espera o Velho Continente se não mudar de rumo.
O ECO, em parceria com a PwC, vai realizar uma série de debates acerca dos temas mais importantes apontados pelo documento. Depois do arranque esta quinta-feira, seguir-se-ão as conferências dedicadas à Indústria Verde e Segurança e Defesa.
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