Tecnológicas entram na era Trump com menos políticas de inclusão e verificação de factos
A chegada do 47.º presidente dos EUA está a ser planeada há meses por empresas como Meta e Amazon. Mesmo antes de tomar posse, as ‘Big Tech’ reformularam políticas para se alinharem ao republicano.
Silicon Valley quer o apoio do próximo presidente dos Estados Unidos para conseguir políticas públicas amigas das grandes tecnológicas e menos travões regulatórios, e está disposto a fazer o que é necessário para o conseguir. As grandes tecnológicas norte-americanas iniciaram o ‘namoro’ a Donald Trump quando ainda era candidato do Partido Republicano e, nas últimas semanas, os preparativos para o novo inquilino da Casa Branca foram notórios.
A dona do Facebook tem-se mostrado a mais apta a mexer na estratégia para agradar ao presidente eleito, que toma posse na próxima segunda-feira, e uma das primeiras decisões foi pôr um ponto final na verificação de factos nos Estados Unidos, cortando restrições ao tom de determinados comentários e publicações sobre imigração, género e sexualidade para alinhar à direita mais conservadora.
“Diria que é normal e muito comum que as organizações se adaptem aos contextos socioeconómicos, políticos, culturais, geográficos, legais, etc., dos países onde operam e que esse contexto influencie a estratégia das próprias empresas. No caso dos Estados Unidos, tratando-se da maior economia mundial e do grande país de referência para todo o mundo, as alterações na Casa Branca são especialmente relevantes pelo impacto que tem na economia global e, consequentemente, na vida das organizações”, diz Ricardo Rocha, managing director responsável pelo mercado norte-americano na Noesis. Ainda assim, nega modificações no seio da consultora tecnológica portuguesa, que tem uma subsidiária na Carolina do Norte.
A alteração no modelo de fact-checking, criado para combater a desinformação, começou a ser desenhada logo a seguir à reunião entre Mark Zuckerberg e Donald Trump em Mar-a-Lago, o resort na Florida onde o republicano costuma passar uma grande parte do seu tempo. De acordo com o New York Times, seguiram-se jornadas de reuniões online na Meta e o processo ficou concluído em apenas seis semanas, entre o Dia de Ação de Graças (Thanksgiving) e o ano novo, sendo que normalmente estas renovações de políticas de aplicações da empresa (Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads) decorrem durante meses.
Após o encontro entre Mark Zuckerberg e Donald Trump, houve uma série de videoconferências e noitadas de trabalho dos colaboradores da Meta para pôr tudo em marcha, segundo o mesmo jornal. E eis que, na primeira semana de 2025, estava a ser anunciado ao público o fim do programa de verificação de factos nos Estados Unidos e a sua substituição por “notas da comunidade”, o que fez soar os alarmes na Europa. Fontes da agência Lusa disseram que a Meta já enviou a Bruxelas uma avaliação de impacto sobre a medida na União Europeia para perceber as consequências da sua aplicação nos 27. A Comissão Europeia está a analisar, mas não tem data para apresentação das conclusões.
“Não estamos a dizer quais as políticas de moderação de conteúdos que devem ser aplicadas nas grandes plataformas online. Isso é da sua responsabilidade. Se quiserem confiar inteiramente nas classificações da comunidade, é uma possibilidade. Agora, esta possibilidade, qualquer que seja o modelo escolhido pela plataforma, deve ser efetiva”, comentou Thomas Regnier, porta-voz da Comissão Europeia, à Euronews.
Na opinião do professor académico João Castro, a Europa tem a oportunidade — e a responsabilidade — de continuar a “desbravar” caminho na uniformização das regras, como fez com a exigência do USB-C (carregadores iguais para todos os telemóveis), a cookie lawv e o RGPD, que já conquistou “alguns adeptos fora da Europa”. “As (más) redes sociais da Meta, do X, do LinkedIn são no presente o que o tabaco foi há uns anos. Primeiro experimentamos, depois suspeitamos que fazia mal, agora já sabemos. A Europa pode liderar nessa discussão”, refere o professor de Gestão de Operações, Tecnologia e Inovação da Nova SBE.
A metamorfose para uma gestão pró-Trump não se ficou por aqui e atacou outro tópico quente para os democratas: as políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). A Amazon fez um anúncio interno a informar que iria deixar programas que estão “desatualizados” relacionados com inclusão e representatividade para se concentrar nos que têm “resultados comprovados”, garantindo que continuaria “dedicada a oferecer experiências inclusivas”. O objetivo era unificar a força de trabalho da gigante do e-commerce debaixo do mesmo chapéu ao invés de segmentar.
No mesmo dia, a Meta comunicou aos trabalhadores que deixou de ser necessário fazer entrevistas a candidatos de grupos subrepresentados ou procurar fornecedores com negócios com essas preocupações, na mesma linha de corte aos programas DEI.
“A maioria das Big Tech, em particular no setor das tecnologias da informação, teme a regulação da sua atividade. A proteção de dados, o controlo da veracidade dos conteúdos nas redes sociais e a colocação de limites éticos à Inteligência Artificial custam dinheiro e podem reduzir o tráfego. A reeleição de Trump vem acompanhada de um programa de completa desregulação do ciberespaço, com exceção do combate às Big Tech não americanas. Veja-se o caso do TikTok, cujo encerramento ou venda forçada irá beneficiar a quota de mercado das restantes tecnológicas com base nos EUA”, exemplificou Mário João Fernandes, consultor da Abreu Advogados.
"A reeleição de Trump vem acompanhada de um programa de completa desregulação do ciberespaço”
Na sombra de tudo está outro Marc, o investidor Andreessen — membro do conselho de administração da Meta e cofundador do Andreessen Horowitz, um dos principais fundos de capital de risco dos EUA — com quem Zuckerberg se tem aconselhado. Marc Andreessen ganhou mediatismo por ter doado 2,5 milhões de dólares (2,4 milhões de euros), num envelope a meias com Ben Horowitz, para a campanha de Trump, mas antes também disse que ia fazer uma doação “significativa” para apoiar a candidatura de Kamala Harris mesmo sem conhecer as suas políticas.
Quem não terá dado ‘luz verde’ a esta nova fase do grupo que detém as redes sociais mais famosas do mundo foi Nick Clegg. O antigo vice-primeiro-ministro britânico que há quase sete anos estava com a pasta dos Global Affairs na Meta e saiu da empresa, tendo sido substituído pelo republicano Joel Kaplan.
Zuckerberg encabeçou o pelotão, mas não foi o único a visitar o presidente eleito em Mar-a-Lago, uma vez que também lhe bateram à porta o CEO da Apple, Tim Cook, o fundador da Amazon e dono do Washington Post, Jeff Bezos, o CEO da Google, Sundar Pichai e até mesmo o CEO do TikTok, o empresário de Singapura Shou Zi Chew. Já Elon Musk, o braço direito de Trump, tem-se juntado aos jantares de algumas destas figuras — inclusive no com Jeff Bezos — e tweetou prontamente que foi uma “grande conversa”.
E o criador do ChatGPT? Também e até fez uma doação pessoal à campanha, no valor de mil milhões, e estará presente na tomada de posse ao lado de outros bilionários da indústria. Porém, descarta colar-se ao discurso do 47.º presidente dos EUA, ainda que admita que acha que a Inteligência Artificial Geral se vai desenvolver nestes próximos quatro anos de mandato. “Não apoio tudo o que Trump faz, diz ou pensa. Não apoio tudo o que Biden diz, faz ou pensa. Mas apoio os Estados Unidos e vou trabalhar na medida do que for capaz com qualquer presidente para o bem do país”, garantiu, em entrevista à Bloomberg.
Porque é que os CEO das tecnológicas estão a estender o tapete a Donald Trump? Além de quererem cimentar boas relações com a nova administração, há contratos em cima da mesa que podem ser renovados, como é o caso do que a Amazon Web Services tem, de 10 mil milhões, com a National Security Agency até 2031.
O advogado Mário João Fernandes afirma ao ECO que, ao contrário do que defende o senso comum, nos EUA o Estado tem um papel ativo na economia, nomeadamente com uma “enorme” despesa pública associada a compra de bens e serviços ao setor privado.
“Elon Musk celebrou com a Administração Federal muitos contratos no valor de milhares de milhões de dólares e que beneficiam várias das empresas por si controladas, com destaque para a SpaceX (já recebeu 21 mil milhões de dólares do orçamento federal) e para a Tesla (está em vigor um benefício fiscal de 7.500 dólares por cada veículo elétrico adquirido, sendo a Tesla a grande beneficiária)”, assinala o consultor da Abreu.
“Estamos a ver estas empresas a deixarem cair qualquer farsa de valores que tivessem. Interessa-lhes o lucro, interessa-lhes a renda, interessa-lhes o umbigo. Tudo o resto era burocracias que agora não têm de cumprir”, acrescenta o professor João Castro, da Nova SBE.
Os próximos meses serão decisivos para perceber o rumo estratégico das tecnológicas norte-americanas e da política a elas ligada — inclusive se a proposta para impor limites à exportação de semicondutores avançados, que abrange Portugal, avança durante o mandato de Donald Trump.
As Big Tech apresentam os resultados do quarto trimestre de 2024 a partir de 29 de janeiro.
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