Salário mínimo de mil euros e baixa do IRC. Queda do Governo suspende acordo de Concertação

Ainda nem seis meses passaram desde que os parceiros sociais assinaram o acordo sobre a valorização salarial e crescimento económico, mas a queda do Governo vem interromper cumprimento.

Cinco meses e meio depois de os parceiros sociais terem dado “um grande benefício da dúvida” ao Governo, assinando um acordo sobre valorização salarial e crescimento económico, confirmou-se o cenário que se temia: o Executivo e as oposições não foram mesmo capazes de garantir a estabilidade política do país.

Com a antecipação das eleições legislativas, vários dos compromissos firmados nesse entendimento ficam agora envoltos em incerteza, da trajetória do salário mínimo (que devia ultrapassar a fasquia dos mil euros em 2028) à redução progressiva do IRC.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, durante a foto de família com os parceiros que assinaram o acordo Tripartido de Valorização Salarial e Crescimento Económico no Conselho Económico e Social em Lisboa, a 1 de outubro de 2024FILIPE AMORIM/LUSA

Voltemos por momentos a outubro de 2024 e à sede do Conselho Económico e Social, em Belém. Numa sala lotada, as quatro confederações empresariais, a UGT e o Governo assinaram o referido acordo de salários, ainda que tanto os representantes dos empresários, como dos trabalhadores tenham deixado reparos ao entendimento em cima da mesa.

“É um acordo em que os parceiros sociais apostam no Governo e nas oposições para garantir a estabilidade do país“, avisou, logo de seguida, Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

Já o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, salientou que o país estava “perante o risco de instabilidade política” — por causa do Orçamento do Estado para 2025 –, daí que esta confederação tenha entendido que era o momento de “ser parte dos consensos e não das divisões”.

Por sua vez, Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), argumentou que o acordo era “um grande benefício da dúvida“, referindo-se também ao cenário de instabilidade, então, vivido no Parlamento.

Serviu-se o tempo de confirmar o cenário temido e, nem seis meses volvidos, o país está mesmo a braços com uma crise política.

Com uma moção de confiança chumbada no Parlamento, o Presidente da República está para anunciar a dissolução do Parlamento e a uma nova ida às urnas, o que significa que vários dos compromissos firmados no acordo assinado na Concertação Social (que tinha como horizonte o ano de 2028) ficam interrompidos.

A primeira das medidas em risco é a evolução do salário mínimo nacional. No acordo assinado em outubro, estavam previstos aumentos anuais de 50 euros até 2028. Ou seja, para 870 euros em 2025, 920 euros em 2026, 970 euros em 2027 e 1.020 euros em 2028.

Trajetória do salário mínimo prevista no acordo

Fonte: CES

“A evolução acordada traduz a ambição do Governo e dos parceiros sociais em proporcionar uma valorização da remuneração mínima mensal garantida maior do que aquela que foi acordada anteriormente“, lia-se no entendimento.

Desses aumentos, um foi concretizado: em janeiro deste ano, o salário mínimo subiu mesmo para 870 euros brutos por mês, mas as demais subidas ficam agora envoltas em incerteza.

Fica em risco esta capacidade de valorizar os salários, quando a economia pode entrar em recessão ou pode não crescer o suficiente.

Armindo Monteiro

Presidente da CIP

O mesmo acontece em relação aos referenciais definidos para a valorização do salário médio do setor privado. Para este ano, o referencial é de 4,7% e deverá ser tido em conta na negociação coletiva. Mas os referenciais firmados para os demais anos (entre 4,5% e 4,6%) podem estar em risco.

Aliás, em declarações ao ECO, o presidente da CIP sublinha que o acordo implica um “esforço bastante significativo de valorização dos salários“, sendo que a capacidade de fazer essas melhorias está ameaçada, uma vez que a economia pode não crescer o suficiente ou entrar em recessão. “Andarmos em crises políticas não ajuda nada“, argumenta Armindo Monteiro.

Afinal, leque salarial resiste?

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, ladeada pelo secretário de Estado do Trabalho, Adriano Rafael Moreira, durante a reunião da Concertação Social no Conselho Económico e Social (CES) em LisboaANTÓNIO COTRIM/LUSA

O benefício em sede de IRC para as empresas que aumentem os salários foi criado pelo Governo anterior, mas o atual Executivo propôs alguns ajustamentos, no âmbito do Orçamento do Estado.

Uma dessas mudanças (o aumento do máximo dos encargos majoráveis) foi viabilizada e já consta do Estatuto dos Benefícios Fiscais, mas outra (a retirada da condição de não alterar o leque salarial) ficou pelo caminho, gerando sério desagrado.

Em concreto, tem estado definido que esse benefício só pode ser aplicado às empresas que não agravem as diferenças entre os salários mais elevados e mais baixos. O acordo assinado em 2024 na Concertação Social retirava a referência a essa condição e a proposta de Orçamento do Estado para 2025 chegou a mesmo a sua revogação, mas uma coligação negativa travou-o.

No início de fevereiro, o Governo anunciou que ia insistir com a eliminação desse critério e entregou uma proposta nesse sentido no Parlamento, mas a queda do Executivo dita que, afinal, esse requisito vai mesmo manter-se (pelo menos, por agora), continuando por cumprir o acordo de Concertação.

15.º mês com retenção e IRC em dúvida

O ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento acompanhado pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho e ministro da Economia, Pedro Reis, durante a reunião plenária da Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) em LisboaTIAGO PETINGA/LUSA

Estava ainda António Costa nas rédeas do poder quando Armindo Monteiro propôs que as empresas pudessem pagar um 15.º mês isento de impostos. A ideia não foi acolhida na altura, mas o Governo de Luís Montenegro abraçou-a, tendo essa medida ficado não apenas no referido acordo de Concertação, mas também no Orçamento do Estado para 2025.

Há, no entanto, uma parte dessa medida por ajustar, na visão dos patrões: como estão, esses prémios fazem retenção na fonte de IRS e só mais tarde é que o Fisco reembolsa o imposto cobrado em excesso (o ECO mostrou com simulações o impacto dessas regras).

Na última reunião de Concertação, o presidente da CIP pediu que tal fosse ajustado, mas, com a previsível dissolução do Parlamento, tal poderá não ser possível.

Outras das medidas do acordo que ficam em dúvida é a redução do IRC e das tributações autónomas. Sim, o Orçamento do Estado para 2025 fez reduções em ambos os casos, mas o acordo previa diminuições progressivas até 2028, o que agora não é certo.

De notar que, quando António Costa se demitiu, os parceiros sociais fizeram questão de insistir que os compromissos que tinham sido assumidos teriam de ser cumpridos pelo próximo Executivo. A mensagem deverá repetir-se desta feita. Ao ECO, Luís Mira atira já que “o acordo em vigor é para cumprir“. “Não podemos estar permanentemente a mudar acordos apenas porque mudam os Governos”, salienta o secretário-geral da CAP.

Mas muito dependerá do Governo que se seguir (o atual, por exemplo, comprometeu-se a cumprir o acordo anterior, mas quis, como já referido, firmar um novo compromisso com a revisão de várias medidas). “É muito frustrante ver como de ano para ano estes acordos vão sendo interrompidos e recomeçados. Isto é muito mau para o país”, realça, a propósito, o presidente da CTP. “Se não temos a capacidade de ter objetivos de médio prazo, isso significa que não podemos pensar para além do curto prazo. Nenhum país se transforma a olhar só para o curto prazo“, acrescenta o presidente da CIP.

Segurança Social e lei do trabalho

Logótipo na sede da Segurança Social, em LisboaANTÓNIO COTRIM/LUSA

O acordo assinado em outubro identifica também uma série de matérias que deveriam ser discutidas na Concertação Social, como a lei do trabalho, a Segurança Social e a saúde e segurança no trabalho.

No caso da lei laboral, a intenção do Governo era revisitar as dezenas de mudanças que o Executivo de António Costa fez à legislação, do teletrabalho às regras do trabalho nas plataformas, passando pelo recurso ao outsourcing após os despedimentos coletivos. O Governo até constitui um grupo de trabalho sobre este tema, mas fica agora pelo caminho.

Já no que diz respeito à Segurança Social, o Governo anterior encomendou um livro verde sobre sistema previdencial e o atual criou um novo grupo de trabalho para alargar a análise, liderado (com polémica) pelo economista Jorge Bravo. A indicação era a de que em meados deste ano seriam já conhecidas as primeiras conclusões (nomeadamente sobre as reformas antecipadas), mas esse é outro dos dossiês interrompidos.

Quanto à saúde e segurança no trabalho, há um livro verde também na Concertação Social, mas não está certo o que acontecerá às dezenas de recomendações feitas pelos especialistas.

De resto, estava prevista uma nova reunião da comissão permanente da Concertação Social para o início de abril, mas também não está seguro que aconteça.

Está do lado do Governo decidir se acontecerá ou não este que poderá ser o último encontro desta ministra do Trabalho com empresários e sindicatos.

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