Blindados da Rheinmetall ultrapassam automóveis da Volkswagen

Pela primeira vez na história, a gigante da indústria de armamento Rheinmetall ultrapassou a histórica Volkswagen em valor de mercado, espelhando com isso uma mudança clara da indústria europeia.

A Alemanha está a trocar carros por tanques. A gigante da indústria de armamento Rheinmetall ultrapassou a histórica Volkswagen em valor de mercado na quinta-feira, atingindo uma capitalização bolsista histórica de 55,7 mil milhões de euros, contra 54,4 mil milhões do histórico grupo automóvel.

Esta surpreendente inversão de posições, que se avoluma esta sexta-feira com as ações da Rheinmetall a valorizarem 4,89% face a uma queda de 0,7% da Volkswagen, representa uma mudança paradigmática na indústria europeia, onde o setor da defesa ganha preponderância face à tradicional indústria automóvel alemã em dificuldades.

A Rheinmetall, líder europeia na produção de munições e veículos militares como o tanque Leopard 2, viu o seu valor de mercado valorizar a uma média de 136% por ano desde o início do conflito russo-ucraniano (24 de fevereiro de 2022), enquanto as ações da maior construtora automóvel europeu caíram a um ritmo de 13% por ano no mesmo período.

Só este ano, as ações da Rheinmetall acumulam uma valorização de 122%. O aumento das tensões geopolíticas e a necessidade urgente de reforçar as forças armadas europeias têm levado investidores a apostar fortemente no setor da defesa e com isso a impulsionar a cotação das ações da Rheinmetall.

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O crescimento explosivo da empresa de armamento em bolsa é impulsionado por um crescimento de 36% do volume de negócios em 2024 para 9,75 mil milhões de euros, com o crescimento mais significativo a vir precisamente do negócio da defesa, onde as vendas aumentaram 50%, segundo as contas apresentadas na quarta-feira.

Somente a divisão de veículos da Rheinmetall (Vehicle Systems), que inclui o Leopard 2 e outros veículos militares, registou um crescimento de 45% de vendas para 3,79 mil milhões de euros. O lucro operacional desta divisão alcançou 425 milhões de euros, representando um aumento de 31% face ao exercício anterior.

Os lucros operacionais da empresa dispararam 61% para 1,5 mil milhões de euros no ano passado, enquanto a carteira de encomendas atual aumentou 44%, alcançando os 55 mil milhões de euros — o equivalente a quase seis anos de vendas ao ritmo atual. Estes números evidenciam a magnitude da transformação em curso no panorama industrial europeu.

Impacto da política de rearmamento da Europa

Num desenvolvimento particularmente significativo, a Rheinmetall anunciou planos para converter uma fábrica da Volkswagen em Osnabrück (no Estado federal alemão da Baixa Saxónia) numa instalação de produção de veículos blindados. Durante a apresentação dos resultados de 2024, o CEO da Rheinmetall, Armin Papperger, afirmou que a fábrica seria adequada para o fabrico de veículos militares, embora necessitasse de uma dispendiosa remodelação.

“Teríamos de remover a maioria dos elementos interiores e instalar gruas de serviço pesado, mas isso não seria um impedimento”, explicou Papperger aos investidores. No entanto, a Rheinmetall só avançaria com os investimentos necessários se pudesse contar com contratos substanciais de aquisição por parte do governo alemão.

O facto de uma empresa de armamento ter ultrapassado o valor de mercado da maior fabricante automóvel da Europa é um sinal claro da transformação económica em curso na Alemanha e no continente europeu.

Papperger acrescentou que o Estado alemão teria de assinar contratos para comprar 1.000 veículos blindados, como os transportes de militares Fuchs ou Lynx, ao longo de dez anos, para justificar a operação. “Osnabrück seria um excelente local para a produção de defesa”, sublinhou ainda, acrescentando que a Rheinmetall poderia adaptar algumas das suas próprias instalações automóveis, mas a aquisição de unidades de empresas automóveis também seria uma opção viável nas condições certas.

A ascensão da Rheinmetall reflete um amplo movimento de rearmamento europeu desencadeado pela invasão russa da Ucrânia e reforçado pela pressão dos EUA para que os aliados europeus aumentem os seus gastos com defesa.

As ações de defesa em toda a Europa dispararam nas últimas semanas, impulsionadas pelos esforços contínuos no continente para aumentar os gastos militares. A corretora Jefferies iniciou recentemente a cobertura das ações europeias de defesa, atribuindo uma classificação de “compra” à Rheinmetall e destacando-a como a sua principal escolha no setor.

“Assistimos a uma clara mudança de paradigma na Europa relativamente aos gastos com defesa”, escreveu a corretora. “Isto foi desencadeado pelo risco de os EUA retirarem o apoio à Ucrânia na guerra em curso e também pela perceção de que a sua proteção concedida à Europa está em risco, especialmente no contexto de um potencial conflito com a Rússia”.

O Leopard 2 tem sido um pilar fundamental na história da Rheinmetall, contribuindo significativamente para o seu crescimento e sucesso financeiro ao longo dos anos.

Declínio da indústria automóvel alemã

Em contraste com a ascensão da Rheinmetall, a Volkswagen enfrenta desafios significativos. A fábrica de automóveis de Osnabrück, que pertence ao grupo Volkswagen, emprega cerca de 2.300 pessoas e dedica-se, principalmente, à produção do T-Roc (o mesmo modelo produzido na Autoeuropa). Em janeiro, a Volkswagen anunciou planos para interromper a produção e encerrar a fábrica em 2027, havendo inclusive interessados chineses em adquirir as instalações.

A Volkswagen e a Rheinmetall já mantêm um bom relacionamento devido a uma joint venture anterior para produzir camiões blindados. A Rheinmetall possui 51% da Rheinmetall MAN Military Vehicles, com o restante detido pela MAN Truck & Bus SE, uma divisão da Traton, fabricante de camiões maioritariamente propriedade da Volkswagen.

O CEO da Volkswagen, Oliver Blume, afirmou à emissora ZDF que, embora não existam conversações aprofundadas com a indústria de defesa relativamente a Osnabrück, existe um amplo espaço para potenciais opções.

O facto de uma empresa de armamento ter ultrapassado o valor de mercado da maior fabricante automóvel da Europa é um sinal claro da transformação económica em curso na Alemanha e no continente europeu. Esta mudança reflete não apenas as alterações nas prioridades de investimento, mas também uma reorientação estratégica da indústria europeia face aos novos desafios geopolíticos.

O sucesso da Rheinmetall é emblemático de uma nova era industrial na Europa, onde as preocupações com a segurança assumem um papel central.

Após décadas a privilegiar o comércio e a integração económica como garantes da paz continental, a Europa dá agora sinais claros de uma viragem para uma postura mais assertiva em matéria de defesa. Recentemente, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, referiu que a “Europa enfrenta um perigo claro e atual” e que isso “tem de ser capaz de se proteger, de se defender”, e que tem “de colocar a Ucrânia em posição de se proteger e de promover uma paz duradoura e justa”.

Esta reorientação estratégica traduz-se num aumento substancial dos orçamentos de defesa em toda a Europa, beneficiando empresas como a Rheinmetall. A empresa não só está a expandir as suas operações na Alemanha, como também finalizou recentemente uma importante aquisição nos EUA através da aquisição da Loc Performance Products, sediada no Estado do Michigan por 950 milhões de dólares.

O sucesso da Rheinmetall é emblemático de uma nova era industrial na Europa, onde as preocupações com a segurança assumem um papel central. Para a Alemanha, representa uma transição significativa do seu tradicional foco na indústria automóvel para uma nova economia parcialmente orientada para a defesa, numa adaptação ao contexto geopolítico mais conflituoso que se desenha no horizonte europeu.

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