Tarifas de Trump ‘derretem’ 160 milhões de exportações portuguesas no aço e alumínio
Empresas como a Metalogalva, que já chegou a exportar 70 milhões para os EUA, protegem-se das tarifas com a construção de unidades locais. Bruxelas apresentou plano para ajudar indústria siderúrgica.
Quando Donald Trump impôs pela primeira vez tarifas sobre o aço e o alumínio, no seu primeiro mandato, em 2018, a Metalogalva foi uma das empresas apanhadas pelas taxas da nova administração norte-americana. Com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, estas restrições foram retiradas, mas a empresa portuguesa especializada na engenharia e proteção de aço, que já chegou a exportar 70 milhões de euros para os EUA, preparou-se para não voltar a ser surpreendida. A abertura de uma unidade no Estado do Tennessee, em março de 2023, permitiu à empresa do VigentGroup proteger o grosso do negócio nos EUA das novas tarifas de Trump, que ameaçam 160 milhões de euros de exportações da metalurgia nacional.
Em vigor há uma semana, as novas taxas aduaneiras sobre o aço e o alumínio incidem essencialmente sobre a matéria-prima, podendo incluir alguns produtos semiacabados ou acabados. “Grande parte dos produtos abrangidos [pelas taxas aduaneiras] são matérias-primas. Dos 1.000 milhões que exportamos para os EUA, 160 milhões estão abrangidos pelas tarifas“, calcula Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), o setor mais exportador da economia nacional, com exportações de 24 mil milhões de euros.
Ou seja, “as tarifas têm impacto em 15% a 20% das exportações do setor da metalomecânica para os EUA“, diz Rafael Campos Pereira, explicando que o impacto diz respeito a produtos como estruturas metálicas e perfilaria. O responsável nota, porém, que algumas empresas portuguesas instalaram fábricas nos EUA nos últimos anos, aproveitando até incentivos para investimentos no país, uma estratégia que poderá proteger os negócios no mercado norte-americano.
“Fomos afetados pelas tarifas de Trump em 2018 e nessa altura o produto que estávamos a exportar foi sujeito a taxas. No entanto, conseguimos contornar essas taxas com um sistema a que chamamos de aperfeiçoamento ativo”, explica o CEO da Metalogalva, António Pedro Antunes, ao ECO. Segundo o líder da companhia, que fatura 480 milhões de euros e emprega cerca de 1.000 pessoas em Portugal, este “sistema” durou até agosto de 2022, altura em que foi aprovado o Inflation Reduction Act, um sistema de incentivos lançado por Biden, que incluía investimentos verdes em várias atividades. “A partir daí fomos para os EUA procurar um espaço para produzir porque o nosso produto tinha um incentivo local que era quase 50% do valor do produto“, explica.
Em março de 2023, a empresa especializada na engenharia e proteção de aço, inaugurou a primeira fábrica nos EUA, em Memphis, no Estado do Tennessee, para produzir estruturas metálicas para a indústria fotovoltaica. Hoje, a Metalogalva emprega 100 pessoas na fábrica dos EUA e fatura 60 milhões de euros. “Para os EUA a única coisa que exportávamos era para a área solar e tivemos que fazer o que se chama de offshore para onshore em termos de produção”, acrescenta.
Com a construção da nova unidade no país, a empresa da Trofa consegue driblar as novas tarifas de 25% impostas pelos EUA sobre as importações de aço e de alumínio, que entraram em vigor no passado dia 12 de março, reduzindo as exportações para terrenas do Tio Sam para um valor residual. “Chegamos a exportar para os EUA 70 milhões de euros em 2022, em 2023 reduzimos para 56 milhões e em 2024 exportamos apenas dois milhões de euros“, detalha António Pedro Antunes.
A quebra das exportações é explicada pela “transferência” da produção para os EUA. “O produto que fabricamos localmente nos EUA tem um incentivo em que o Governo americano reembolsa no ano seguinte 50% do valor do produto, que é um tubo que está especificado no Inflation Reduction Act e que pagam 870 dólares por cada tonelada produzida. O peso é pouco expressivo porque o incentivo é demasiado grande para fabricar localmente. Com esse incentivo, nem sequer fabricantes chineses conseguem exportar para os EUA, toda a produção é local”, explica o líder da empresa portuguesa.
A J Silva Moreira é outra das empresas que instalou unidades no país. “Temos uma máquina instalada numa fábrica nos EUA, no estado do Kentucky, há um ano, a produzir um tipo de rede de alta resistência que fazemos para vedações, no seguimento de uma parceria com um local”, refere Joana Moreira, diretora da J Silva Moreira, que pertence à quarta geração da empresa fundada em 1910, adiantando que esta unidade fabril representou um investimento de 1,5 milhões de euros.
Estou bastante assustada com as tarifas porque vão inflacionar os preços e quando isto acontece existe diminuição de procura, especialmente em produtos que não são essenciais. Isto vai ter um impacto muito grande na economia dos EUA e nas empresas que lá estão a laborar.
Segundo Joana Silva, “esta parceria surgiu porque a pessoa que faz a instalação de redes sentiu a necessidade de ter um produtor local para satisfazer uma série de necessidades como tempos de chegada dos materiais e na altura, a oscilação da moeda”. “Hoje em dia a situação é diferente, ainda estamos a adaptar-nos e a perceber o impacto que vai ter, quer seja na produção local, quer seja nas exportações porque temos clientes que continuaram a comprar mesmo com o anúncio das tarifas, outros optaram por alterar as condições de venda”.
“Estou bastante assustada com as tarifas porque vão inflacionar os preços e quando isto acontece existe diminuição de procura, especialmente em produtos que não são essenciais. Isto vai ter um impacto muito grande na economia dos EUA e nas empresas que lá estão a laborar”, admite a responsável da empresa de Marco de Canaveses, que transforma 15 mil toneladas por ano de arame e emprega quase 90 pessoas. Com uma faturação de 17 milhões de euros, a companhia exporta 64% da produção, sendo que o mercado dos EUA absorve 5%.
Grande parte dos produtos abrangidos [pelas taxas aduaneiras] são matérias-primas. Dos 1.000 milhões que exportamos para os EUA, 160 milhões estão abrangidos pelas tarifas. As tarifas têm impacto em 15% a 20% das exportações do setor da metalomecânica para os EUA.
“A imposição de tarifas sobre o alumínio proveniente da Europa, impostas pelo governo americano, terá necessariamente impacto sobre a indústria portuguesa de forma ‘solidária’, uma vez que não temos níveis de exportação direta significativa para este país”, aponta José Dias, presidente da APAL – Associação Portuguesa do Alumínio. O responsável reconhece que, “ainda assim, as empresas do setor do alumínio portuguesas têm uma enorme tradição exportadora para indústrias transformadoras de países Europeus, que poderão ver a competitividade dos seus produtos afetada pela imposição das referidas taxas, e em consequência disso poderá verificar-se uma redução nas suas produções, e por consequência uma redução nas encomendas efetuadas à indústria nacional”.
A associação refere que “neste momento ainda é prematuro estimar o valor específico afetado ao setor por estas imposições, ainda que a UE estime que o impacto total para as indústrias europeias ronde os 28 mil milhões de dólares”. “Uma análise, ainda muito preliminar efetuada recentemente junto dos nossos associados, estima que a maioria das indústrias já verifica uma redução de cerca de 10% nas suas encomendas provenientes de clientes que tradicionalmente exportam para os EUA”, adianta José Dias.
Uma análise, ainda muito preliminar efetuada recentemente junto dos nossos associados, estima que a maioria das indústrias já verifica uma redução de cerca de 10% nas suas encomendas provenientes de clientes que tradicionalmente exportam para os EUA.
O representante da associação considera que “a imprevisibilidade destas decisões e a forma ‘voláti’ como são determinadas, não facilitam nas tomadas de decisão, ainda assim a indústria do alumínio portuguesa é tradicionalmente resiliente e muito consciente dos seus fatores de diferenciação que têm permitido um crescimento sustentável ao longo dos últimos anos“.
“A promoção do alumínio enquanto material sustentável e infinitamente reciclável será seguramente uma forma de sensibilizar as pessoas e os decisores sobre as enormes vantagens da utilização do alumínio, e desta forma poderemos não só contribuir para o cumprimento das metas de descarbonização nacionais, mas também alavancar um setor que poderá ser determinante para a conversão de economias lineares, em economias circulares com beneficio de todos”, acrescenta.
Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, destaca que “a imposição de tarifas alfandegárias globais sobre o aço e o alumínio, em particular, pode colocar pressão no preço das matérias-primas e elevar os custos de produção das empresas que, em último caso, serão refletidos na diminuição das margens de lucro ou no aumento dos preços para o consumidor final, elevando o risco de inflação e, possivelmente, prolongando um período de maior restritividade financeira e prejudicando, inevitavelmente, o comércio internacional”.
Bruxelas lança plano para ajudar indústria
Perante as ameaças que chegam do outro lado do Atlântico, a Comissão Europeia anunciou esta quarta-feira que quer reforçar a indústria siderúrgica dos países da União Europeia (UE) garantindo que conseguem um abastecimento de energia acessível, permitindo aos Estados-membros flexibilizar e reduzir as tarifas da rede elétrica para “aliviar a volatilidade dos preços” que as empresas pagam.
“A indústria siderúrgica sempre foi um motor essencial para a prosperidade europeia”, disse a presidente da Comissão Europeia, destacando que “o aço limpo e de nova geração deve, por conseguinte, continuar a ser fabricado na Europa“.
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“Para garantir a competitividade, temos de reduzir os custos energéticos e ajudá-los a introduzir no mercado tecnologias inovadoras e com baixas emissões de carbono”, disse Ursula von der Leyer, na apresentação do Plano de Ação Europeia para o Aço e os Metais que foi concebido para fortalecer a competitividade do setor e salvaguardar o futuro da indústria.
A Comissão Europeia irá conceder 150 milhões de euros através do Fundo de Investigação do Carvão e do Aço em 2026-27, com um montante adicional de 600 milhões de euros através do Horizonte Europa dedicado ao Pacto Industrial Limpo.
Bruxelas também irá avaliar a introdução de um regulamento para determinar a origem dos produtos metálicos, uma forma de assegurar que empresas de países de fora da UE não estão a mascarar as quantidades de carbono que utilizam na indústria siderúrgica – conhecido como “greenwashing”.
A indústria siderúrgica europeia, com cerca de 500 instalações de produção em 22 estados-membros, contribui com cerca de 80 mil milhões de euros para o Produto Interno Bruto (PIB) da UE e é responsável por 300 mil empregos diretos e 2,3 milhões de postos de trabalho indiretos.
Estes apoios para a indústria são aguardados com expectativa pelo setor. O CEO da Metalogalva considera que as barreiras dos EUA à importação de todos os produtos no aço “vai levar a que toda a restante oferta do resto do mundo vá para à Europa — vamos ser inundados de produtos que deixam de ser escoados para os EUA“. Só existem duas hipóteses, diz. A “UE proteger a nossa indústria de uma forma protecionista como os EUA estão a fazer; ou as empresas vão ter que redirecionar e pensar em alternativas, porque neste momento é mais vantajoso ter uma fábrica fora da Europa para vender para a Europa, porque posso importar matérias-primas sem pagar taxas e meter o produto na Europa sem taxas”.
“A indústria siderúrgica da União Europeia está a ser protegida, mas tem que existir uma consciência que é preciso proteger toda a cadeia”, remata o empresário, que tem fábricas em Portugal, França, Alemanha, Polónia, Ucrânia, Arábia Saudita, Reino Unido, Brasil e EUA, e exporta 80% da produção para o mercado europeu.
Já o presidente da AEP alerta que “seria muito importante que a União Europeia e os EUA chegassem a um diálogo de forma a evitar esta guerra comercial que irá prejudicar a rendibilidade das empresas e o bem-estar das populações dos dois países“.
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