Bruxelas aperta o cerco a Portugal com cinco exigências. Defesa, PRR e Saúde estão no centro das prioridades

A Comissão Europeia alerta que Portugal tem de acelerar a "bazuca europeia" e investir mais na defesa e na saúde, ou arrisca-se a ser ultrapassado e a perder credibilidade junto dos seus parceiros.

A Comissão Europeia entregou na quarta-feira a Portugal um conjunto de cinco recomendações que funcionam como uma verdadeira agenda política para desenvolver este ano e no próximo.

O documento não poupa nas críticas ao ritmo de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e coloca pela primeira vez a questão da defesa no centro das preocupações europeias para o país.

As recomendações de Bruxelas chegam numa altura em que Portugal navega entre a pressão externa para acelerar reformas estruturais e a necessidade interna de equilibrar as contas públicas.

Com mais de um terço das medidas da “bazuca” europeia em estado crítico ou preocupante, segundo dados oficiais, a entidade liderada por Ursula von der Leyen deixa um aviso claro ao Governo de Luís Montenegro que toma posse esta quita-feira: há menos de um ano e meio para cumprir todas as metas do PRR, e o tempo está a esgotar-se.

1) Reforço da defesa torna-se prioridade nacional

A primeira recomendação marca uma viragem estratégica. A Comissão Europeia exige que Portugal “reforce as despesas globais com a defesa e a prontidão em consonância com as conclusões do Conselho Europeu de 6 de março de 2025″, que classificou a guerra na Ucrânia como “um desafio existencial para a União Europeia”. O documento do Conselho Europeu deixa claro que “a Europa deve tornar-se mais soberana, mais responsável pela sua própria defesa e estar melhor equipada para agir autonomamente”, numa referência direta à necessidade de reduzir dependências estratégicas e colmatar lacunas críticas nas capacidades militares.

O executivo comunitário reconhece que “as despesas gerais com a defesa em Portugal mantiveram-se estáveis em 0,8% do PIB de 2021 a 2023”, um valor que permanece abaixo da média europeia. Para permitir este aumento sem comprometer as finanças públicas, Portugal poderá recorrer à cláusula de escape nacional, que oferece flexibilidade orçamental para gastos militares.

“O período em que a cláusula de escape nacional está ativada (2025-2028) permite a Portugal dar nova prioridade às despesas públicas ou aumentar as receitas públicas para que despesas de defesa duradouramente mais elevadas não ponham em perigo a sustentabilidade orçamental a médio prazo”, esclarece a Comissão Europeia no documento.

2) PRR sob pressão: “Acelerar” é a palavra de ordem

A segunda recomendação de Bruxelas vai ao encontro de uma das principais preocupações do Governo. A Comissão Europeia pede para “acelerar a implementação do plano de recuperação e resiliência, incluindo o capítulo REPowerEU”, destacando que existem “desafios em termos de capacidade administrativa, regras de contratação pública e morosidade dos procedimentos de licenciamento”.

O documento revela que “para cumprir os compromissos do plano de recuperação e resiliência até agosto de 2026 é essencial que Portugal acelere a implementação das reformas e investimentos, abordando os desafios relevantes”. A situação é particularmente grave porque, segundo dados da Comissão Nacional de Acompanhamento, 20% das medidas estão em estado crítico e 13% em estado preocupante.

A Comissão Europeia sublinha ainda a importância de “maximizar o uso dos instrumentos da UE, incluindo o âmbito proporcionado pelo InvestEU e pela Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa, para melhorar a competitividade”.

3) Burocracia: O eterno calvário das empresas portuguesas

A terceira recomendação da Comissão Europeia vai ao centro de uma das principais queixas do tecido empresarial português de há vários anos. Bruxelas exige que Portugal “simplifique a regulamentação, melhore as ferramentas regulamentares e reduza os encargos administrativos sobre as empresas”.

Os argumentos da Comissão para esta recomendação assentam no facto de “51% das empresas considerarem que a complexidade dos procedimentos administrativos é um problema para a sua empresa quando fazem negócios em Portugal”, como refere o relatório. Mais grave ainda, “mais de 83% das empresas portuguesas reportam a regulamentação empresarial como um obstáculo ao investimento, comparado com 66% na União Europeia”.

O documento critica também o sistema fiscal nacional, apontando que “existem mais de 500 gastos fiscais em vários textos legais diferentes” e que “os pagamentos em atraso fiscais pendentes de Portugal relativamente ao PIB permanecem entre os mais elevados na União Europeia”. A Comissão Europeia pede ainda melhorias na “eficiência dos tribunais administrativos e fiscais, para diminuir a duração dos procedimentos”.

4) Fim dos subsídios aos combustíveis fósseis

A quarta recomendação coloca Portugal no centro da transição energética europeia. Bruxelas quer uma “redução da dependência global dos combustíveis fósseis no setor dos transportes, em particular através da eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis”.

Os técnicos da Comissão Europeia criticam o facto de Portugal “registar subsídios consideráveis aos combustíveis fósseis sem uma eliminação gradual planeada antes de 2030”. O documento especifica que “subsídios aos combustíveis fósseis como reduções e isenções fiscais para o gasóleo para empresas de carga e transporte público são economicamente ineficientes, perpetuam a dependência dos combustíveis fósseis e desincentivam a mudança para veículos elétricos e outras soluções sustentáveis”.

Bruxelas evidencia, por exemplo, que o setor dos transportes “representa 37,5% do consumo final de energia” e é “fortemente dependente do petróleo e produtos petrolíferos, que constituem 92% do seu consumo final de energia”, evidenciando com isso a dimensão do desafio.

5) SNS: Sustentabilidade versus acesso universal

A quinta e última recomendação aborda um dos temas mais sensíveis da política portuguesa: a saúde. A Comissão Europeia pede para “assegurar o acesso igual a cuidados de saúde e de longa duração de qualidade, preservando ao mesmo tempo a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”.

O documento identifica problemas graves no sistema, apontando que “o Serviço Nacional de Saúde continua a enfrentar escassez significativa de profissionais de saúde, com impacto na acessibilidade aos serviços de saúde”, referindo que “entre 2020 e 2024, apenas cerca de metade dos postos abertos para recrutar médicos para o Serviço Nacional de Saúde foram preenchidos”.

Bruxelas alerta ainda para o envelhecimento populacional, destacando que “quase um quarto da população portuguesa tem 65 anos ou mais” e que “o investimento público em cuidados de longa duração é inferior à média da União Europeia”.

O atraso na execução dos fundos europeus, a persistência de entraves burocráticos e a dependência de modelos económicos ultrapassados podem comprometer não só o acesso a recursos essenciais, mas também a credibilidade de Portugal junto dos seus parceiros europeus.

As recomendações da Comissão Europeia a Portugal traçam um roteiro exigente para os próximos anos, colocando o país perante escolhas determinantes para o seu futuro económico e social.

O reforço da defesa, a aceleração do PRR, a simplificação da burocracia, a transição energética e a sustentabilidade do SNS não são apenas metas técnicas, mas desafios que vão testar a capacidade de resposta das instituições e a vontade política de concretizar reformas estruturais.

O tempo para agir é limitado, como destaca a Comissão Europeia no relatório, e a margem de erro é cada vez mais estreita, sublinhando que o atraso na execução dos fundos europeus, a persistência de entraves burocráticos e a dependência de modelos económicos ultrapassados podem comprometer não só o acesso a recursos essenciais, mas também a credibilidade de Portugal junto dos seus parceiros europeus.

O apelo de Bruxelas é que sem ação decisiva e reformas profundas, o país arrisca-se a perder o ritmo da recuperação e a ficar à margem das prioridades estratégicas da União Europeia.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Bruxelas aperta o cerco a Portugal com cinco exigências. Defesa, PRR e Saúde estão no centro das prioridades

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião