No quarto dia de julgamento, Belmiro foi chamado de “arrogante e hipócrita”. E Sócrates? “Eu tento controlar-me”
OPA da PT/Sonae, Grupo Lena e Parque Escolar. Declarações e respostas de Sócrates continuaram esta quinta-feira na quarta sessão de julgamento do Marquês. Para terça-feira o tema será TGV.
José Sócrates voltou esta quinta-feira ao tribunal para a quarta sessão de julgamento no âmbito da Operação Marquês. Logo à entrada, o antigo primeiro-ministro voltou a atacar os jornalistas, um dos seus alvos favoritos: “Ao longo de 12 anos nunca foram capazes de apresentar aos portugueses as provas que o Ministério Público alegava”.
Ao contrário das anteriores sessões, José Sócrates não prestou declarações à saída para o almoço não por não querer mas porque os jornalistas optaram por não fazer perguntas. Já de manhã, antes do início desta quarta sessão, a maior parte dos jornalistas retiraram os microfones e deixaram José Sócrates a falar sozinho, depois de mais ataques à comunicação social.
Mas o Ministério Público também não foi poupado. “Como é possível alguém escrever num papel que o meu Governo beneficiou o grupo Lena? No meu governo piorou a quota de mercado? (…) Durante anos a fio houve uma suspeita. Fez essa campanha e isso é falso. A auditoria da Parque Escolar nunca foi publicada. E o que diz essa auditoria? Que o grupo Lena teve um valor de adjudicações similar às outras empresas”, continuou.
Para o antigo primeiro-ministro, “é preciso ter muita paciência! Espero que o MP apresente finalmente uma prova. Onde estão as provas de que favoreci fosse quem fosse? Do BES já acabou, do grupo Lena… vai demorar. Não faço ideia quando vão acabar as perguntas do Ministério Público. Estou aqui honestamente para me defender, para mostrar que isto é um monumental embuste”.
O ex-líder socialista disse ainda que este Ministério Público “tem uma motivação, uma intenção, um ânimo. A intenção é de atacar uma bandeira política do governo. O Ministério Público tinha a intenção de me atacar pessoalmente”, acusou. “Essa motivação política deu no que deu. Doze anos depois damo-nos conta de que tudo o que Ministério Público disse era falso”, afirmou. Sócrates acrescentou que os procuradores “não ouviram ninguém”, nem júris, nem responsáveis da empresa, nem a ministra responsável por aquela pasta.
No decorrer da sessão, perante o coletivo de juízes, o magistrado do MP pegou na ideia de Sócrates de que o Governo poderia opor-se, mas não impor decisões da PT. Nesse sentido, perguntou se o veto que bloqueou a alienação da participação na Vivo não deixou a PT numa posição fraca e condicionada na procura de soluções.
“Não sei se estamos num julgamento ou no parlamento. No parlamento avaliamos o mérito das decisões, aqui avaliamos crimes. Pode ser uma decisão muito contestada, mas pensava que isso aqui não estava em discussão. Vou responder como se estivesse no parlamento. Isso é matéria da política”, respondeu.
O que lhe valeu a primeira repreensão do dia com a juíza Susana Seca a pedir para não fazer apreciações dessa natureza. “Este é o único caso de corrupção do mundo em que o corrompido fez influenciar um voto que não servia de nada ao corruptor”, destaca o ex-primeiro-ministro.

O primo José Paulo
“Nunca recebi nenhum dinheiro do meu primo José Paulo para mim”, disse José Sócrates, em resposta ao procurador Rui Real sobre alegadas entregas em numerário em 2006 e 2007, em ‘tranches’, de um total de dois milhões de euros, com origem na esfera do Grupo Espírito Santo (GES).
O montante terá sido originalmente transferido por um outro arguido, o empresário Helder Bataglia, para contas na Suíça e, no esquema, terá ainda participado Francisco Canas, que morreu em 2017 e era, à data da morte, um dos principais arguidos no processo “Monte Branco”, por suspeita de ter usado uma casa de câmbio em Lisboa para ajudar a branquear milhões de euros no estrangeiro.
Belmiro de Azevedo, “o arrogante”
“Não há nada melhor para reconhecer um arrogante do que outro arrogante, mas eu tento controlar-me”. José Sócrates classificou Belmiro de Azevedo como um “arrogante com pingos de hipócrita” nesta quarta sessão de julgamento. “A primeira vez que Belmiro de Azevedo se sentou comigo disse-me: venho aqui resolver-lhe um problema”, em tom crítico face à postura do presidente da Sonae.
“O tom do engenheiro Belmiro de Azevedo era sempre de arrogância de quem achava que estava a fazer um serviço ao país. Ele tinha este sentimento, coisa que não me afetava por aí além. Sempre achei que era um traço de personalidade… afinal de contas, não há homens perfeitos e o engenheiro fez um trabalho empresarial no país. Achei que fazia parte das minhas funções de primeiro-ministro aturar essa arrogância”, sublinhou.
Questionado sobre reuniões com Belmiro de Azevedo e se em alguma o presidente da Sonae teria pedido ao governo para mudar de posição quanto à OPA da PT, José Sócrates garante que “não tem memória de reuniões em que o dr. Belmiro de Azevedo tenha pedido ao governo para mudar de ideia”.
Já questionado sobre reuniões marcadas na sua agenda, o ex-primeiro-ministro lembra que “isso se passou há 20 anos”, mas que “se estão na minha agenda é muito provável que se tenham realizado”.
“Mas podem ter ocorrido reuniões com o dr. Belmiro de Azevedo por outros motivos”, diz Sócrates, recordando a título de exemplo que uma vez Belmiro de Azevedo o “foi convidar pessoalmente para ir às Torres para a cerimónia de implosão”, depois de a Sonae ter comprado o empreendimento em Tróia. Concluiu ainda dizendo que nunca teve conhecimento sobre quaisquer negociações entre a Sonae e a CGD sobre a OPA à PT. “Não faço a mínima ideia. É um redondo não”, diz o ex-primeiro-ministro.
Sócrates e a retificação sobre telefonema a Salgado
O principal arguido do processo pediu uns minutos para explicar que, nas sessões anteriores, “por lapso” tinha anteriormente dito que teria ligado a Ricardo Salgado quando este foi constituído arguido. “Mas a minha memória atraiçoou-me”.
Isto, porque Ricardo Salgado só foi constituído depois do telefonema ter sido feito. Sócrates explica que era o que se recordava, mas estava errado e não se recorda por que terá ligado ao antigo presidente do BES. E voltou a referir que nunca foi amigo de Ricardo Salgado: “Nem sou amigo dos seus amigos, nunca passei férias com ele e não tinha o número dele na minha lista telefónica até àquele telefonema”, diz Sócrates.
O ex-primeiro-ministro explica que sempre teve “admiração por Ricardo Salgado” e que “não é o facto de ter caído em desgraça” que muda isso. “Não sou desses. Levo os valores da amizade em muita consideração”, diz Sócrates.
As explicações quanto ao Grupo Lena
O antigo primeiro-ministro José Sócrates disse em tribunal que é falso que a Lena fosse “a empresa do regime”, alegando que os dados mostram que a quota desta em adjudicações diminuiu durante o seu Governo.
Invocando números da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS) e da empresa pública Parque Escolar, o ex-governante assegurou que entre 2005 e 2011 a quota de mercado da Lena no conjunto das adjudicações do Estado central foi de 2,54%, enquanto nos seis anos anteriores fora de 2,93%. Este último período, precisou, inclui os executivos de António Guterres (PS) e de José Manuel Durão Barroso (PSD).
“A campanha [do Ministério Público] foi tão forte que os jornais relatavam que a empresa Lena era a empresa do regime. […] Isso é falso, é completamente falso, e estes números demonstram-no”, disse o ex-primeiro-ministro socialista no terceiro dia de interrogatório no julgamento do processo Operação Marquês.
O arguido está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) e o o empreendimento de Vale do Lobo, no Algarve.
Entre os projetos associados ao grupo Lena, estão as obras de reabilitação de escolas no âmbito da Parque Escolar, uma matéria em relação à qual a presidente do coletivo de juízes, Susana Seca, reconheceu não existirem “factos concretos alegados” pelo Ministério Público. Para José Sócrates, esse capítulo da acusação, datada de 2017, “é pura maledicência” dos procuradores para atacar “uma bandeira política” do seu Governo.

O que está em causa na Operação Marquês?
A quarta sessão de julgamento terminou mais cedo, após José Sócrates considerar terminadas as suas declarações sobre a relação com o grupo Lena e a Parque Escolar, remetendo a parte do TGV para a próxima sessão, marcada para terça-feira, às 9.30.
José Sócrates e os restantes 20 arguidos da Operação Marquês começaram a ser julgados no Campus de Justiça, mais de uma década depois de se ter conhecido o processo que acusa um ex-primeiro-ministro de corrupção.
Após decisões instrutórias, confirmações de recursos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, extinções de sociedades acusadas pelo Ministério Público (MP) e prescrições, a acusação inicial do Ministério Público já perdeu sete arguidos, dos 28 iniciais.
O principal arguido, José Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, vai responder por 22, entre os quais três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.
O amigo do antigo primeiro-ministro e empresário Carlos Santos Silva é o arguido com mais crimes imputados pela acusação do Ministério Público, respondendo por 23 crimes, contra os 33 iniciais, entre eles um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, um de corrupção ativa, 14 de branqueamento de capitais e sete de fraude fiscal qualificada.
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