Os sermões de Marcelo aos Governos sobre os incêndios

Já levou à demissão de uma ministra, ameaçou não se recandidatar e agora reconhece impreparação de Maria Lúcia Amaral. O Presidente não poupa críticas à atuação dos Executivos na gestão dos fogos.

Marcelo Rebelo de Sousa tem estado sempre vigilante quando Portugal é fustigado pela tragédia dos incêndios. Faz sermões e puxa orelhas aos vários Governos e até já levou à demissão de uma ministra da Administração Interna. Depois dos fogos de 2017 de Pedrógão Grande, Constança Urbano de Sousa saiu pelo próprio pé do Executivo socialista de António Costa mas levou um empurrão do Presidente da República.

O Chefe de Estado chegou mesmo a ameaçar não se recandidatar a um novo mandato presidencial, nas eleições de 2021, caso tudo “voltasse a correr mal”. No ano passado, em setembro, criticou Luís Montenegro por interferir no teatro das operações e agora reconhece a impreparação da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, uma posição que teve respaldo nas declarações do próprio secretário de Estado da Proteção Civil, Rui Rocha, que admitiu “alguma descoordenação momentânea” no combate aos incêndios, em entrevista à SIC Notícias.

"Admito que quem acaba de chegar há dois meses esteja a descobrir os problemas e as respostas a dar. Isso também se aprende, eu próprio aprendi.”

Marcelo Rebelo de Sousa

19 de agosto de 2025

Esta terça-feira, 19 de agosto, o Presidente da República falou ao final da tarde aos jornalistas a partir de Vila Franca do Deão, na Guarda, após participar no funeral do ex-autarca Carlos Dâmaso, a primeira vítima mortal dos incêndios florestais que têm lavrado este ano em Portugal e que até agora já consumiram mais de 216 mil hectares de terrenos agrícolas e florestais.

Questionado sobre o silêncio da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral — que no domingo se recusou a responder aos jornalistas, após uma declaração na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil —, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o Governo é, pelo menos em teoria, responsável pelo que acontece no país e disse ser natural que a população queira respostas imediatas.

A ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, durante a conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros no Campus XXI, em Lisboa, 7 de agosto de 2025. MANUEL DE ALMEIDA/LUSAMANUEL DE ALMEIDA/LUSA

“Admito que quem acaba de chegar há dois meses esteja a descobrir os problemas e as respostas a dar. Isso também se aprende, eu próprio aprendi”, disse, respondendo à forma como Maria Lúcia Amaral tem lidado com as perguntas dos jornalistas.

No último domingo, 17, no final de uma declaração aos jornalistas a partir da sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil para anunciar o prolongamento da situação de alerta por mais 48 horas, a ministra da Administração Interna abandonou a sala sem responder a perguntas, nem mesmo sobre o funcionamento do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), a rede de comunicações do Estado para comando e coordenação de comunicações em situações de emergência, que, de acordo com a Proteção Civil, teve falhas naquele dia. “Vamos embora”, disse a quem a acompanhava, enquanto se levantava e saía.

"Aprendemos que é preciso mais prevenção, mas mais prevenção implica mais trabalho ao longo do ano. Há coisas a mudar e a melhorar. A conclusão a que poderá chegar-se é que as mudanças desde 2017 não foram suficientes.”

Marcelo Rebelo de Sousa

19 de agosto de 2025

Já em relação à forma como está a decorrer o combate aos fogos este ano, Marcelo Rebelo de Sousa admite que haverá lições a tirar. “Em 2017, aprendemos que era importante preservar o mais possível as vidas humanas e evitar mortos e feridos, mas infelizmente há exceções dramáticas. Aprendemos que é preciso mais prevenção, mas mais prevenção implica mais trabalho ao longo do ano”, acrescentou, admitindo que “há coisas a mudar e a melhorar”.

Terminado este período de incêndios florestais, em setembro ou outubro, será necessário refletir sobre o atual sistema e “a conclusão a que poderá chegar-se é que as mudanças desde 2017 não foram suficientes”, disse o Chefe de Estado.

Na véspera da festa do Pontal, que decorreu no passado dia 14 de agosto e que marca a rentrée política do PSD, Marcelo alertou para o “fenómeno excecional” dos incêndios e alertou que o pior ainda estaria por vir. Mesmo assim, Luís Montenegro não cancelou as férias e rumou para o Calçadão de Quarteira, no Algarve, com críticas aos meios de comunicação social que transmitiam em simultâneo imagens da festa e dos incêndios.

O Presidente da República disse estar “particularmente preocupado” com o agravamento dos incêndios, alertando para uma situação especialmente preocupante na sexta-feira, dia 15.

O presidente do PSD e primeiro-ministro, Luís Montenegro, na Festa do Pontal, no Calçadão de Quarteira, Algarve, 14 de agosto de 2025.MIGUEL A. LOPES

“O dia que mais nos preocupa é sexta-feira. Há uma convergência de condições objetivas de natureza meteorológica e física que pode apontar para uma situação muito propícia ao agravamento dos fogos florestais”, afirmou, mostrando-se particularmente preocupado com os incêndios que lavram em Piódão e Sátão, onde centenas de operacionais combatem as chamas.

"O dia que mais nos preocupa é sexta-feira. Há uma convergência de condições objetivas de natureza meteorológica e física que pode apontar para uma situação muito propícia ao agravamento dos fogos florestais.”

Marcelo Rebelo de Sousa

13 de agosto de 2025

Marcelo Rebelo de Sousa garantiu, no entanto, que “haverá resposta adequada para esta situação verdadeiramente grave”, afastando qualquer comparação com a situação vivida em 2017 no país, ano que ficou marcado pela morte de quase 120 pessoas em duas fases diferentes, uma delas em Pedrógão Grande.

“Não há comparação possível porque em 2017, apesar de haver uma estrutura da Proteção Civil, não tinha o grau de coordenação, nem os bombeiros tinham o grau de capacidade de liderança que hoje têm, nem outras instituições fundamentais tinham o grau de resposta que hoje têm, nem o envolvimento de militares”.

Neste momento, o país ainda se encontra em estado de alerta. Mas no ano passado, a 17 de setembro, o Governo decidiu decretar a situação de calamidade, tal como tem vindo a ser exigido pelo secretário-geral do PS, José Luís Carneiro.

Num Conselho de Ministros extraordinário que contou com a participação de Marcelo de Rebelo de Sousa, o Presidente pediu “serenidade” aos portugueses, mas alertou o Executivo para não cair na tentação do facilitismo.

“Foi bom que o primeiro-ministro e o Presidente da República não tivessem tido uma mensagem facilitista”, sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa.

"Não podemos ter a tentação da facilidade. Não podemos garantir que o dia de hoje não tenha ainda a projeção daquilo que foi vivido nos últimos.”

Marcelo Rebelo de Sousa

17 de setembro de 2024

“Não podemos ter a tentação da facilidade. Não podemos garantir que o dia de hoje não tenha ainda a projeção daquilo que foi vivido nos últimos dias, mas esperamos que amanhã e depois de amanhã seja já muito mais claro o efeito do combate corajoso das populações, dos operacionais da Proteção Civil, das Forças Armadas, da GNR e dos meios aéreos”. O chefe de Estado expressou solidariedade “institucional” e “estratégica” para com o Governo.

Tomada de posse do XXIV Governo Constitucional no Palácio da Ajuda - 02ABR24
Tomada de posse do XXIV Governo Constitucional no Palácio da AjudaHugo Amaral/ECO

Os incêndios que lavraram Portugal em setembro do ano passado provocaram várias vítimas mortais, entre os quais quatro bombeiros e três civis.

Ainda numa declaração feita a propósito dos incêndios florestais que assolaram o país, a 16 de setembro do ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa deu um puxão de orelhas a Luís Montenegro, defendendo que, “por muito que os políticos sintam obrigação moral de ir mais perto do que se passa, por respeito aos operacionais não devem intervir onde não são chamados”.

Uma crítica depois das imagens do primeiro-ministro num barco durante as buscas dos militares que sofreram um acidente de helicóptero no Douro.

"Por muito que os políticos sintam obrigação moral de ir mais perto do que se passa, por respeito aos operacionais não devem intervir onde não são chamados.”

Marcelo Rebelo de Sousa

16 de setembro de 2024

Em 2018, chegou a ameaçar não se candidatar a um novo mandato presidencial, nas eleições de 2021, caso o flagelo dos incêndios de Pedrógão Grande se repetissem. Numa entrevista à Rádio Renascença/Público, o Presidente da República afirmou que não demitiria o Governo se houver nova tragédia relacionada com os incêndios, mas tirou uma consequência: “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, isso seria só por si impeditivo de uma recandidatura.”

Ainda assim, Marcelo disse, na altura, que confiava que tudo tinha sido feito para que as tragédias de 2017 não ensombrassem novamente o país.

"É decisivo. O que eu quis dizer é que é decisivo. Dito por outros termos: voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura.”

Marcelo Rebelo de Sousa

8 de maio de 2018

E recusou demitir o Governo se se repetir uma tragédia como a que ocorreu no ano anterior. “É um cenário que não se coloca no meu espírito. Não vai acontecer”, respondeu. De resto, Marcelo Rebelo de Sousa considerou, na altura, que o tempo de mostrar apreensão, preocupação ou dúvidas já passou e que agora é preciso mobilizar vontades.

O discurso muito crítico que fez em 2017 teve um contexto e já passou à história. Agora, “da minha boca não se ouvirá nada que signifique colocar o que seja de um pauzinho na engrenagem”, garantiu ao Público e à RR.

Foi precisamente nos incêndios de 2017 que as críticas subiram de tom e levaram mesmo à queda da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

"Pode e deve dizer que abrir um novo ciclo inevitavelmente obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo.”

Marcelo Rebelo de Sousa

18 de outubro de 2017

Vinte e quatro horas depois do discurso do primeiro-ministro, falou o Presidente da República. Foi o discurso mais brutal alguma vez feito por Marcelo contra o Governo de António Costa, por ventura o mais duro feito por qualquer Chefe do Estado em relação a um Executivo em funções.

Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna (MAI).PAULA NUNES / ECO

Marcelo pediu repetidamente a demissão da ministra, exigiu “novo ciclo”, criticou Costa e ameaçou com “todos os seus poderes”. “Pode e deve dizer que abrir um novo ciclo inevitavelmente obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo”, afirmou. Ou seja, e para que não reste dúvida alguma: a ministra da Administração Interna tem de sair. “Quem” melhor “serve” o “novo ciclo” não é, seguramente, quem foi protagonista do velho ciclo.

“O Presidente da República pode e deve dizer novamente que espera do governo que retire todas, mas todas, as consequências da tragédia de Pedrógão, à luz das conclusões dos relatórios, como de resto o governo se comprometeu publicamente a retirar. Pode e deve dizer que estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir”, continuou. Por outras palavras: a ministra sairá a bem ou mal, nem que o Presidente tenha de “exercer todos os seus poderes”.

"O Presidente da República pode e deve dizer que estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir.”

Marcelo Rebelo de Sousa

18 de outubro de 2017

“Para mim, como Presidente da República, o mudar de vida neste domínio é um dos testes decisivos ao cumprimento do mandato que assumiu e nele me empenharei totalmente até ao fim desse mandato. Impõem-no milhões de portugueses mas impõem-no sobretudo os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do verão de 2017 e não chegaram ao dia de hoje”. Assim concluiu o seu discurso no fatídico outubro de 2017.

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