Incêndios vão a debate com PSD e PS unidos contra comissão de inquérito

Face à oposição do Governo e socialistas, o Chega já usou o direito potestativo, que permite a um quinto dos deputados forçar uma CPI. Montenegro vai hoje ao Parlamento prestar esclarecimentos.

PSD e PS estão unidos contra a comissão parlamentar de inquérito (CPI) aos incêndios, apresentada pelo Chega. BE e JPP avançaram com propostas semelhantes que também merecem a rejeição de sociais-democratas e socialistas. Perante a iminência do chumbo, o partido de André Ventura já decidiu usar o direito potestativo, que permite a um quinto dos deputados, o que corresponde a 46 parlamentares, forçar uma CPI. Os 60 lugares do Chega são mais do que suficientes para avançar com o requerimento.

As pontes de entendimento entre o Governo e os socialistas deverão marcar o debate de urgência com o primeiro-ministro sobre a situação dos incêndios em Portugal que se realiza esta quarta-feira no Parlamento, segundo os politólogos consultados pelo ECO.

O líder da bancada laranja, Hugo Soares, já se manifestou favorável à constituição de uma comissão técnica independente, como propõe o PS, medida aliás semelhante à apresentada por Luís Montenegro a propósito dos incêndios de Pedrógão Grande de 2017, quando, à época, era presidente do grupo parlamentar. Pedro Delgado Alves, vice da bancada socialista, afirmou ao ECO que “a prioridade é a comissão técnica independente”. “Se forçarem a votação agora da comissão de inquérito, não acompanharemos”, indicou.

“Para já, verificamos algum entendimento entre o PS e o PSD para uma comissão técnica independente. Face à forma como as últimas semanas foram vividas, dificilmente teremos pontes de contacto entre o PSD e o Chega, que já confirmou que avança para uma comissão de inquérito, mesmo que sem o apoio dos demais partidos”, de acordo com a análise de Bruno Costa, especialista em Ciência Política e professor da Universidade da Beira Interior.

Na mesma senda, Patrícia Oliveira, da Universidade Lusófona, considera que “haverá a possibilidade de concertação de posições entre o Governo e o PS, pois ambos têm cálculos políticos a fazer para as autárquicas e porque ambos dividem responsabilidades de Governo quanto a estas matérias”.

“Já o Chega tem espaço para se afirmar a favor do aumento da criminalização, com maior saliência na opinião pública, e pressionar para a avançar com uma CPI, cenário que lhe é mais favorável face ao anúncio do tal ‘governo sombra’. PS e PSD terão de gerir compromissos e sensibilidades do poder local”, nota a também vice-coordenadora do Observatório Político.

O líder parlamentar do PSD já deixou clara a oposição à iniciativa do partido de André Ventura, vendo “com bons olhos” a análise técnica proposta pelos socialistas, “longe dos políticos, longe do combate partidário”.

“Parece-me absolutamente extemporânea, parece-me absolutamente inútil, mas, sobretudo, completamente despropositada a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, tal qual propõe o partido Chega. E ela é despropositada porque não serve os seus fins, mas ela é, sobretudo, despropositada porque, com a dor, com o sofrimento e com um assunto que é sério, deve-se evitar fazer política partidária, e é isso que o deputado André Ventura está a querer fazer”, acusou o líder parlamentar do PSD na abertura da Universidade de verão da JSD, que decorre esta semana em Castelo de Vide.

Parece-me absolutamente extemporânea, parece-me absolutamente inútil, mas, sobretudo, completamente despropositada a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, tal qual propõe o partido Chega.

Hugo Soares

Líder parlamentar do PSD

O PS, que inicialmente não fechou a porta a uma CPI, agora diz que se “o Chega forçar a votação, o partido não irá acompanhar”, sinalizou Pedro Delgado Alves, questionado pelo ECO. Posição que ganhou respaldo nas declarações do secretário-geral do PS, José Luís Carneiro: “Quando o Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar uma comissão técnica independente, significa que dispensa as outras propostas alternativas. Votaremos contra essa proposta feita por um partido que descobriu dez dias depois o que estava a acontecer no país”.

“O PS quer ser um partido responsável, de estabilidade de governação, quando é chamado à colaboração para um bem superior”, considera Paula Espírito Santo, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa. Por outro lado, continua, “o PSD procura aqui um entendimento porque não tem nada a ganhar se a oposição se unir na hostilização ao Governo”.

Forma-se então um bloco central para tentar derrubar a comissão de inquérito. No entanto, André Ventura já avançou com um pedido potestativo que irá obrigar à constituição de uma CPI, sem ser necessária uma votação, arma que só pode ser usada uma vez por cada grupo parlamentar por sessão legislativa.

No requerimento sobre a comissão de inquérito aos fogos, que entregou esta segunda-feira no Parlamento, o Chega escreve que o objetivo é “avaliar todo o processo de gestão da prevenção e combate aos incêndios rurais”, “fiscalizar a utilização de fundos públicos” e “os contratos de aluguer de meios aéreos e aquisição de equipamentos” e investigar “eventuais esquemas de cartelização ou corrupção” no combate aos incêndios, “avaliar as decisões estratégicas” em torno do tema e “investigar os diversos negócios e interesses económicos que alegadamente prosperam” com os incêndios rurais, como no “comércio de madeira queimada, especulação imobiliária e indústria de equipamentos”.

Quando o Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar uma comissão técnica independente, significa que dispensa as outras propostas alternativas.

José Luís Carneiro

Secretário-geral do PS

André Ventura esclareceu que o prazo definido pelo Chega para o inquérito é desde 2017 até aos incêndios deste ano, e apontou o dedo ao aumento do investimento público no combate aos fogos, em equipamentos e em prevenção, de 143 milhões de euros em 2017 para 638 milhões em 2024, para questionar “onde está este dinheiro”, “para quem foi”, e “em que foi utilizado”, afirmou esta segunda-feira.

A comissão aos incêndios é a segunda CPI prometida pelo partido desde o início da legislatura. Em junho, Ventura anunciou que ia propor de forma potestativa uma comissão à ação dos últimos governos do PS e de PSD e CDS sobre a atribuição de nacionalidade e residência a estrangeiros, mas ainda não houve novidades desde então. Se o Chega avançar então para uma comissão potestativa de inquérito aos incêndios esgota a possibilidade de usar o mesmo direito durante esta sessão legislativa.

Além do Chega, BE e JPP apresentaram uma proposta própria de CPI sobre a mesma matéria. Contudo, o foco da comissão bloquista prende-se na “coordenação e os meios de combate aos incêndios”, anunciou a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, esta segunda-feira.

Já o PS preferiu antes avançar com uma proposta para a criação de uma comissão técnica independente (CTI) para avaliar a preparação e o combate aos incêndios. O objetivo passa por avaliar se houve “mudanças meteorológicas” estruturais no país, que balanço se faz de 2018 em diante ou se os “modelos de combate aéreo são os melhores”, explica Pedro Delgado Alves. “Já foi possível recorrer a este modelo em 2017 e deu resultado e ajudou a melhorar as políticas públicas nesta área”, sublinhou o deputado.

A última CTI criada no âmbito dos incêndios foi na sequência da tragédia de Pedrógão Grande, em 2017, pedida por Luís Montenegro que, na altura, era líder parlamentar do PSD. Agora, é a vez de o PS avançar com um requerimento semelhante cuja maior novidade é incluir as autarquias nas entidades que nomeiam os peritos.

De acordo com a proposta socialista, os membros da CTI serão escolhidos pelo presidente da Assembleia da República, depois de ouvidos os grupos parlamentares, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, mas também pela pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e pela Associação Nacional de Freguesias (ANF). Aqui há uma preocupação em dar voz aos municípios. “Vamos propor que o presidente da Assembleia da República designe menos dois nomes, que passam a ser indicados pelas autarquias”, indica Pedro Delgado Alves.

Diferenças entre inquérito parlamentar e comissão técnica

As CPI podem ser solicitadas pelos partidos com assento parlamentar e “gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias”, o que permite exigir a presença de pessoas e entidades e a entrega de documentos e informações, incluindo de documentos confidenciais — quem recusar comparecer pode até ser acusado de crime de desobediência qualificada –, segundo a lei que estabelece o regime jurídico dos inquéritos parlamentares.

No entanto, as conclusões são pouco vinculativas. A comissão parlamentar de inquérito termina com a aprovação de um relatório final, mas a decisão de dar continuidade à investigação compete à Procuradoria-Geral da República ou ao Ministério Público.

Já uma comissão técnica independente não tem os “poderes de investigação das autoridades judiciárias” da CPI, junta peritos especializados que são nomeados pelo presidente da Assembleia da República, por proposta dos grupos parlamentares, e pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. Em 2017, a comissão independente aos incêndios de Pedrógão Grande tinha 12 elementos, seis indicados pelos partidos e seis pela academia.

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