Descarrilamento do Elevador da Glória. Tudo o que já se sabe sobre uma das “maiores” tragédias dos últimos anos em Lisboa
Acidente provocou vítimas de várias nacionalidades. Causas estão a ser investigadas e decisores políticos pedem rapidez. Carris fez ajuste direto para assegurar manutenção após concurso deserto.
O descarrilamento do Elevador da Glória, pelas 18h de quarta-feira, provocou até ao momento 16 vítimas mortais e quase duas dezenas de feridos de várias nacionalidades, entre os quais dez em estado grave. Os responsáveis políticos pedem uma investigação célere e já anunciaram a realização de duas auditorias, enquanto o presidente da Carris – empresa responsável pela gestão do ascensor – revelou que, após o concurso público para manutenção do equipamento ter ficado deserto, avançou com um ajuste direto de cinco meses à MNTC – Serviços técnicos de engenharia, conhecida sob o nome comercial de Main.
Tudo o que já se sabe sobre o acidente que o primeiro-ministro definiu como “uma das maiores tragédias humanas da nossa história recente”.
16 vítimas mortais: cinco são portuguesas
O acidente provocou, até ao momento, 16 vítimas mortais, oito das quais já identificadas. De acordo com informação avançada esta quinta-feira à tarde pela Procuradoria-Geral da República (PGR) cinco são portuguesas: o guarda-freios do elevador, André Marques, e quatro colaboradores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre os quais o ex-árbitro da Associação de Voleibol de Lisboa e dirigente da entidade, Pedro Trindade.
Das outras duas vítimas mortais já identificadas, duas são sul-coreanas e uma suíça. Em curso continuam os procedimentos para identificação das restantes oito. No entanto, o diretor Nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, em conferência de imprensa, adiantou que “face aos documentos e informação que a PJ recolheu, através dos boletins de alojamento e de telefonemas de familiares” haverá “mais um cidadão alemão, um ucraniano, um americano e dois canadianos entre as vítimas mortais”.
Francisco Côrte-Real, presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, explicou, na mesma conferência de imprensa, que este instituto acionou a equipa de desastres de massa desde o primeiro momento, com médicos no local desde as primeiras horas. “Vieram técnicos de vários pontos do país, incluindo Porto, Coimbra, Tomar e outros locais, o que permitiu que as autópsias começassem a ser feitas a partir da meia-noite”. Já foram concluídas as 16 autópsias das vítimas mortais. Foram 37 os elementos do instituto a trabalhar nesta operação.
De acordo com a Proteção Civil, do acidente resultaram 23 feridos. Quatro foram para o hospital pelos seus próprios meios e 19 foram transportados de ambulância. Destes 19, 12 eram mulheres e sete homens, com idades entre os 24 e os 65 anos, além de uma criança de três anos. Do total, 13 foram feridos ligeiros – que já tiveram alta – e 10 graves, estando seis nos cuidados intensivos.

As causas do acidente
O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), em conjunto com outras entidades, concluiu as perícias no local do descarrilamento do elevador da Glória, em Lisboa, remetendo informações para sexta-feira. Nelson Oliveira, responsável pela entidade, sublinha que o objetivo da análise passa por compreender as razões técnicas do descarrilamento.
Por seu lado, o diretor nacional da PJ, Luís Neves, avançou que esta também já terminou a recolha de indícios no local e que “a locomotiva acidentada vai ficar na posse da PJ”, explicando que este órgão de polícia criminal pretende imprimir o “máximo de celeridade e que as investigações são dinâmicas”. Neste sentido, não foi ainda avançada qualquer informação oficial sobre as causas do acidente.
O Ministério Público abriu logo no dia do acidente um inquérito, dirigido pelo DIAP Regional de Lisboa.
Moedas pediu à Carris investigação externa
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, anunciou que pediu ao presidente da Carris “que não só abrisse uma investigação interna, mas também uma investigação externa independente que apure todas as responsabilidades” do incidente. “Sou o primeiro interessado em que tudo – tudo – seja apurado”, referiu Carlos Moedas, que indicou que vai convocar uma reunião da autarquia, na próxima segunda-feira, com o incidente como único ponto de agenda.
O presidente da Carris afirmou posteriormente que está a analisar duas propostas de empresas portuguesas, da área de engenharia, para realizar a auditoria externa, mas não adiantou os nomes das entidades.
Concurso para manutenção do Elevador ficou deserto
Como o ECO revelou, o último concurso para a manutenção do Elevador da Glória foi cancelado pela Carris há poucos dias, uma vez que todas as propostas recebidas no âmbito do concurso ficaram acima do valor orçamentado. De acordo com o procedimento publicado no portal Vortal, o concurso para a manutenção de quatro infraestruturas – Ascensores da Bica, Lavra e Glória e Elevador de Santa Justa da Carris – foi aberto a 28 de abril deste ano e encerrado perto de quatro meses depois, sem sucesso.
A manutenção dos elevadores que pertencem à Carris está, desde 2007, externalizada. A partir de 2019, começou a Main (nome comercial) a garantir a manutenção. O presidente da Carris revelou que, com o mais recente concurso público deserto, foi assinado um contrato de ajuste direto com a duração de cinco meses para assegurar o serviço.
“Em 2022 houve um novo concurso público e essa empresa voltou a apresentar a proposta vencedora. Já em 2025 lançámos um novo concurso em que atualizámos o preço-base de acordo com as regras de atualização que temos – o preço base subiu de 995 mil euros para 1,2 milhões de euros – mesmo assim não foram apresentadas propostas abaixo do preço-base. Por isso as propostas apresentadas foram excluídas”, explicou o presidente da empresa municipal.
O presidente da empresa municipal esclareceu que, precisamente porque os ascensores não poderiam ficar sem manutenção, foi celebrado, de imediato, “um ajuste direto com a empresa que está a assegurar essa manutenção, pelo prazo de cinco meses”. De acordo com Pedro Brito Bogas, o novo concurso público para atribuir os serviços de manutenção arranca ainda neste mês de setembro.
MNTC: que empresa é esta que assegura a manutenção do Elevador
O acidente trouxe ao centro das atenções a MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, uma pequena empresa de Almada que em 2019 ganhou o concurso para fazer a manutenção dos elevadores históricos da capital, contrato renovado em 2022.
Detida em 75% por Gustavo Alexandre Garcia Pita Soares e em 25% por Marieta de Jesus Morais Garcias, a MNTC tem a sua sede localizada num prédio residencial do concelho de Almada, a poucos metros da rotunda do Centro Sul, contando no final do ano passado com 28 funcionários.
Desde março de 2017, a MNTC foi adjudicatária de 42 contratos com entidades públicas, num valor global próximo dos 3,8 milhões de euros. Entre os clientes encontram-se a Carris, várias freguesias lisboetas, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, e a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto.
Custos de manutenção mais que duplicaram numa década
Pedro de Brito Bogas revelou ainda que os custos de manutenção mais do que duplicaram em dez anos, entre 2015 e 2025. Entre 2022 e este ano, subiram 25%. “Tem havido um aumento progressivo dos custos com a manutenção e haverá outra vez com o novo contrato”, disse.
No relatório e contas de 2024, a Carris assinala que continuou, ao longo do ano passado, o plano de reparações gerais dos carros elétricos (quatro foram remodelados) e de reparação intermédia do Ascensor da Glória. No total, os custos totais de manutenção da frota dos elétricos, dos três ascensores e do Elevador de Santa Justa aumentaram 3,78% para 3,5 milhões de euros.
O presidente do conselho de administração da Carris adiantou ainda que os outros ascensores, além de estarem suspensos, nos próximos dias, terão uma inspeção “rigorosa” aos equipamentos.

TAP disponível para apoio às vítimas e familiares
O primeiro-ministro anunciou que a TAP se disponibilizou para prestar “todo o apoio”, quer no transporte para território nacional de familiares de cidadãos nacionais ou estrangeiros que se encontrem fora, quer para repatriar feridos ou transladar vítimas mortais.
Luís Montenegro adiantou ainda que o Instituto de Registo e Notariado (IRN) vai disponibilizar uma equipa em Lisboa para poder acelerar os registos de óbito e garantir um atendimento prioritário.
Lisboa vai ter um novo Elevador da Glória com “maior segurança”
O presidente do conselho de administração da Carris esclareceu que a empresa municipal irá investir num novo Elevador da Glória em Lisboa, porque o funicular que descarrilou não é recuperável.
“O veículo, como está, não é recuperado, mas vamos continuar a ter o Elevador da Glória na cidade de Lisboa. Vamos ter um novo elevador, com ainda maior segurança e atendendo a todos os aspetos que resultarem do inquérito. Vamos fazer um investimento para a cidade de Lisboa voltar a ter”, explicou Pedro de Brito Bogas.
Primeiro-ministro apela a que se evite “manobras políticas”
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, apelou a que a tragédia do ascensor da Glória que, até ao momento provou 16 mortes, não seja utilizada para “manobras de aproveitamento político”.
Numa declaração a partir de São Bento, sem direito a perguntas dos jornalistas, envergando uma gravata preta, ao lado de Carlos Moedas, no final da reunião do Conselho de Ministros, o chefe de Governo garantiu que se irão “apurar todas as responsabilidades, com sentido de respeito por aqueles que sentiram e sofrem os efeitos deste acidentes”.
“Esta tragédia não pode nem deve ser usada para alimentar divisões e manobras de aproveitamento político”, afirmou
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