Receitas acima de 5 mil milhões e obrigações públicas. O perfil do futuro comprador da TAP
Detalhes do caderno de encargos clarificam quais as linhas vermelhas e as condições que os candidatos terão de cumprir no processo de privatização de 49,9% da companhia área nacional.
Já se começam a vislumbrar mais detalhes sobre o perfil do próximo dono da TAP. O Governo divulgou esta sexta-feira os critérios de seleção e os prazos para apresentação das propostas para a compra de uma participação de 49,9% da companhia aérea portuguesa, que deixam mais claro quais são as linhas vermelhas e as condições que os candidatos terão de cumprir neste processo para o qual se perspetiva uma segunda fase.
Primeiro, só podem entrar na corrida operadores aéreos (ou em consórcio que liderem) com receitas acima de cinco mil milhões de euros em, pelo menos, um dos últimos três anos. É uma forma de o Governo esclarecer que pretende circunscrever “exclusivamente” o processo a operadores aéreos de grande dimensão com capacidade financeira e “experiência comprovada”.
Depois, começa a filtragem mais a fundo: é requisito que os candidatos valorizem e promovam o crescimento das “plataformas estratégicas”, como o hub de Lisboa, as rotas para os dois arquipélagos, diáspora e países lusófonos. E têm de estar de acordo com o Estado, nomeadamente nas obrigações para com os trabalhadores.
Ou seja, vão ser considerados para a avaliação “a ausência de condicionantes que dificultem a concretização da operação, o respeito pelos compromissos laborais e instrumentos de regulamentação coletiva em vigor, bem como a perspetiva quanto a um eventual reforço da posição acionista na TAP”, além de manter eventuais obrigações de serviço público, segundo as tutelas das Infraestruturas e Habitação e Finanças.
Importa também: planos de reforço da frota, investimento em manutenção e engenharia, aposta na produção de combustíveis sustentáveis (SAF/e-SAF), valor oferecido pelas ações, garantias de sustentabilidade financeira, projeção de rentabilidade futura da TAP e formas diferentes de pagamento, entre os quais bónus por performance e trocas de ações.
“Do ponto de vista técnico, será sobretudo valorizada a apresentação de um projeto estratégico adequado e coerente, com garantias de execução e alocação de recursos, que assegure a preservação e promoção do crescimento da TAP, bem como o preço”, adiantaram os gabinetes de Miguel Pinto Luz e Joaquim Miranda Sarmento.
Com as regras do jogo assim definidas, uma possível proposta do empresário Carlos Tavares, ex-CEO da Stellantis, que em dezembro admitiu apresentar uma oferta pela TAP, nem passaria à triagem. Em entrevista ao semanário Expresso, no final do ano passado, o antigo presidente do grupo automóvel disse que sentia um “apelo patriótico” e ímpeto devido aos resultados estarem “a melhorar imenso”.
Portanto, mantêm-se os grupos aéreos que, publicamente, demonstraram interesse na TAP e que são também os três maiores da Europa: Air France-KLM, IAG e Lufthansa. No mês passado, todos os membros do trio de concorrentes reconfirmaram o interesse em adquirir uma participação na companhia de bandeira nacional, mas alertaram que ainda iriam analisar as condições.
Em resposta enviada ao ECO esta quinta-feira, a IAG – International Airlines Group “congratula-se com a publicação do concurso para a privatização da TAP”.
“Analisaremos e ponderaremos cuidadosamente o documento [diploma do caderno de encargos] assim que for publicado”, garantiu fonte oficial da empresa com sede em Londres.
“O grupo Air France-KLM continua a acompanhar de perto o processo de privatização da TAP Air Portugal e toma nota da aprovação do caderno de encargos para esta operação. Nesta fase, o grupo reitera, uma vez mais, o seu interesse no processo de privatização”, comentou a Air France-KLM.
Tanto a Air France-KLM como a IAG ou a Lufthansa têm receitas suficientes para cumprir o principal critério de entrada nesta ‘pista’. Na condição de “investimento em manutenção e engenharia”, a Lufthansa acaba por ter uma rampa de lançamento mais elevada, dado que – através da Lufthansa Technik – já apresentou um plano industrial para o país , cujo primeiro passo foi a inauguração de um centro de formação em Santa Maria da Feira.
A unidade vai preparar os futuros colaboradores antes da abertura de uma fábrica aeroespacial, prevista para daqui a dois anos, e que criará cerca de 700 empregos qualificados. No entanto, pode pecar por, em 2026, passar a ter uma estrutura organizacional mais centralizada e colocar o poder de decisão na sede para temas que agora são das subsidiárias.
O negócio pode interessar também à Turkish Airlines, que além de ter capital – só em 2024 teve receitas de 22,7 mil milhões de dólares (19,3 mil milhões de euros) – foi a mais recente companhia aérea a lançar-se em aquisições na aviação da Europa.
A transportadora aérea com sede em Istambul, que tem 92 anos e é uma das mais antigas o mundo, anunciou este mês que comprou uma participação na espanhola Air Europa, depois de ter ficado sozinha na corrida. No pico do verão, após a apresentação das contas semestrais, tanto a Lufthansa como a Air France-KLM desistiram da Air Europa, o que deixou uma ‘Via Verde’ para os turcos.
Ainda antes da saída das empresas alemã e franco-neerlandesa já a britânica IAG tinha desistido do negócio (ao qual se lançou duas vezes) porque a Comissão Europeia levantou questões e a empresa, que detém a British Airways, a Iberia e a Vueling, não quis esperar mais sem garantias de sucesso.
Poucas semanas depois, no passado dia 20 de agosto, a Air Europa aceitou a oferta de 300 milhões de euros para a Turkish Airlines ficar com 24% da Air Europa.
Quais são as quatro etapas da privatização?
- Pré-qualificação: Duração máxima de 60 dias
- Receção de propostas não vinculativas: Prazo até 90 dias;
- Receção de propostas vinculativas: Prazo até 90 dias
- Eventual negociação
O calendário com o qual o Governo está a trabalhar aponta para que a venda de 49,9% da TAP esteja concluída até julho do próximo ano, que é o tempo previsto para terminar todas as etapas, nomeadamente a apreciação parlamentar, as diferentes datas para receber propostas não vinculativas e vinculativas e uma negociação final, como noticiou o ECO. Logo, precisamente 12 meses após o arranque do processo de reprivatização.
A operação incorpora a abertura ao capital de um investidor ou mais até 44,9% e 5% aos trabalhadores. Segundo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, salvaguarda-se o hub de Lisboa e que, caso não sejam atingidos os objetivos do Governo, o processo pode ser suspenso sem qualquer indemnização.
No primeiro semestre deste ano, a TAP viu os prejuízos aumentarem de 24,8 milhões de euros, registados na primeira metade de 2024, para 70,7 milhões de euros. Já as receitas caíram 1% para 1.955 milhões de euros, apesar de ter transportado mais 2,2% de passageiros. Ainda que o resultado líquido semestral tenha sido negativo, entre os meses de abril e junho, a companhia aérea teve lucros de 37,5 milhões de euros.
Notícia atualizada com comentário da Air France-KLM
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