Têxtil pede “medidas de urgência” para travar “expectável” aumento das falências e despedimentos

Nas últimas semanas, várias empresas do setor anunciaram encerramentos, processos de revitalização para renegociar dívida e despedimentos. Inquérito mostra quebra nas encomendas e recurso ao lay-off.

O fim do verão está a chegar com más notícias para o setor têxtil e do vestuário. Vários grupos avançaram nas últimas semanas com o fecho de unidades, planos de revitalização e o despedimento de centenas de pessoas. As associações que representam esta indústria avisam que são precisas medidas de emergência que permitam às empresas reestruturar o negócio e salvar unidades, reconhecendo também que a ‘sangria’ no setor ainda não terminou.

O grupo Polopiqué surpreendeu com um profundo plano de reestruturação para concentrar a atividade nas unidades mais lucrativas do grupo. Como o ECO avançou em primeira mão, o plano prevê o encerramento de duas das unidades de produção – Polopiqué Tecidos e a Cottonsmile – a reestruturação de dívida com a banca e a venda de ativos. Para isso, interpôs um Processo Especial de Revitalização (PER) das sociedades Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções S.A. e a Polopiqué – Acabamentos Têxteis S.A. O grupo tem cerca de 800 trabalhadores e este processo deverá levar à redução da força de trabalho, nesta fase, em 280 funcionários.

A J.F. Almeida e a StampDyeing foram outras que apresentaram pedidos de revitalização em tribunal. No caso desta última, pertencente ao grupo Mabera – Coelima, sem gás desde finais de junho por falta de pagamento e sem produzir desde essa altura, deveria ter regressado à atividade na semana passada. Mas os cerca de 100 trabalhadores regressaram de férias e encontraram as portas fechadas, confirmou ao ECO Francisco Vieira, dirigente do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.

Para já, os problemas desta empresa de tinturaria e estamparia estão limitados a esta unidade. Segundo apurou o ECO junto de um responsável da histórica Coelima, que foi comprada pelo grupo Mabera em 2018, a empresa de Guimarães continua a funcionar sem limitações e tem os ordenados em dia.

Os casos de empresas em dificuldades multiplicam-se, com algumas a tentarem recuperar a atividade com planos de revitalização e reestruturação da dívida, entre outras medidas, enquanto outras não voltaram a produzir após as férias. Foi o que aconteceu com a Têxtil Passos, instalada na freguesia do Bonfim, no Porto, que surpreendeu um grupo de trabalhadoras com portas fechadas.

“Para enfrentar esta crise, é urgente que Governo e União Europeia adotem medidas rápidas e concretas: um lay-off simplificado para ajudar a gerir mão-de-obra em períodos de quebra de procura, instrumentos de apoio à tesouraria e medidas mais flexíveis para o ajustamento das empresas. E, por outro lado, medidas firmes contra a concorrência desleal, como o fim dos regimes de minimis, a aplicação de taxas específicas ao ultra fast fashion e maior fiscalização no mercado interno europeu”, defende Ana Dinis, diretora-geral da Associação Têxtil de Portugal (ATP).

É expectável que surjam mais casos de empresas com Processos Especiais de Revitalização (PER), despedimentos ou insolvências, porque as pressões atuais são muito fortes e esta situação já se prolonga no tempo — e dificilmente as empresas conseguem resistir sem medidas de apoio eficazes.

Ana Dinis

Diretora-geral da ATP

Temos conhecimento de outras empresas que estão a enfrentar dificuldades e à procura de soluções para se manterem no mercado”, admite ainda a porta-voz desta associação patronal, acrescentando ao ECO que não é possível “avançar com números ou nomes”, nem “nesta fase calcular ou estimar quantos postos de trabalho poderão ser eliminados”.

De acordo com o mais recente Inquérito à Atividade Empresarial da ATP, realizado na primeira metade do ano, 23% das empresas admitiram recorrer a mecanismos de lay-off no segundo semestre e 4% já os tinham em curso. “Isto mostra que as empresas procuram alternativas para preservar empregos e manter a sua atividade, mesmo neste contexto tão adverso”, enquadra Ana Dinis.

A porta-voz da ATP reconhece que “é expectável que surjam mais casos de empresas com Processos Especiais de Revitalização (PER), despedimentos ou insolvências, porque as pressões atuais são muito fortes e esta situação já se prolonga no tempo — e dificilmente as empresas conseguem resistir sem medidas de apoio eficazes”.

Também César Araújo, presidente da Associação Nacional da Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC), defende que é preciso “criar mecanismos de reestruturação das empresas e aliviar a tesouraria” para ajudar o setor a lidar com esta crise. “Para isso é preciso passar o financiamento de curto prazo para longo prazo, a 10 anos, para dar tempo às empresas para arranjar mais encomendas”, acrescenta o mesmo responsável.

“As empresas precisam de se reestruturar. E isso só é possível com o PER”, argumenta César Araújo, sublinhando que “tem de haver lay-off simplificado para as empresas arranjarem encomendas”. “São medidas de emergência. Precisamos de uma janela rápida”, atira o presidente da associação. “Esta situação resolve-se com três medidas: dívida de longo prazo, mecanismos de reestruturação com a segurança social e lay-off simplificado“, resume.

É preciso criar mecanismos de reestruturação das empresas e aliviar a tesouraria. Para isso é preciso passar o financiamento de curto prazo para longo prazo, a 10 anos, para dar tempo às empresas para arranjar mais encomendas.

César Araújo

Presidente da ANIVEC

Concorrência chinesa pressiona setor

As associações que representam o setor atribuem esta crise a dois anos de quebra de encomendas provocadas pelo abrandamento nos dois principais mercados — Alemanha e França –, num período marcado ainda pelo forte crescimento das vendas de baixo valor de plataformas como a Shein ou a Temu. Uma concorrência que as associações consideram desleal, uma vez que se tratam de encomendas que estão isentas do pagamento de impostos e taxas e vêm concorrer com a indústria da região, que está sujeita ao apertado crivo da legislação europeia.

“A Europa desbaratou o seu mercado, abriu as portas e estamos a assistir à maior fraude fiscal do século XXI”, atira César Araújo, presidente da Associação Nacional da Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC). “Há mais de 100 mil milhões de euros sem controlo alfandegário, é a maior fuga fiscal”, acusa ainda.

César Araújo, CEO da Calvelex e presidente da ANIVEC, diz que a concorrência das plataformas chinesas está a ter impacto no setor.Ricardo Castelo/ECO

“Isto está a levar a uma redução do comércio local. Não tem só impacto nas fábricas, também tem impacto nas lojas de rua e nas marcas“, justifica o mesmo responsável, notando que o setor está a ser fortemente penalizado pelo “prevalecer destas empresas de fast fashion“. “Não é assente num mercado justo”, completa.

César Araújo reforça que a Europa “desinvestiu” na indústria, que a China “está milhas à frente” e nota que isto é um “problema europeu”. Perante aquilo a que chama de “concorrência desleal”, a ANIVEC entrou com uma ação junto da Procuradoria Europeia no dia 20 de agosto para pôr fim aos minimis [pacotes de baixo valor] e ao Sistema de Preferências Generalizadas europeu (SPG) e exigir reciprocidade nas trocas comerciais.

“Assistimos a um crescimento gigantesco do modelo de ultra fast fashion, associado a uma completa ausência de regras, com indícios claros de fraude fiscal, criando distorções profundas no mercado e uma total ausência de resposta por parte das autoridades europeias e nacionais“, corrobora Ana Dinis. “As recentes medidas tarifárias da administração Trump vieram agravar a situação: ao mesmo tempo que dificultaram o acesso das nossas exportações ao mercado americano, provocaram desvios de tráfego, com muitos concorrentes — sobretudo asiáticos, mas não só — a reencaminharem produção para a Europa”, detalha.

Qual o resultado? “Uma inundação do mercado europeu — o nosso principal destino de exportações — com produtos de baixo preço, frequentemente de qualidade e segurança questionáveis, altamente subsidiados, muitas vezes em condições de dumping social e ambiental, sem respeito pelas regras de concorrência e com fraude fiscal a lesar todos os consumidores europeus”, responde.

“As empresas portuguesas, que realizaram enormes investimentos em sustentabilidade, circularidade e digitalização, encontram-se ainda numa posição mais difícil porque estão a suportar custos financeiros elevados derivados desses investimentos, que agora têm mais dificuldade em amortizar neste contexto de contração e de concorrência desleal”, justifica.

Entre janeiro e junho de 2025, as exportações do setor do têxtil e vestuário totalizaram 2,79 mil milhões de euros, uma queda de 1,3% face a igual período de 2024, que já tinha registado um recuo de 3,9% face a 2023. “Estamos perante dois anos consecutivos de contração”, salienta Ana Dinis.

Já o inquérito conduzido pela ATP mostra que 66% das empresas reportaram quebra de volume de negócios e 67% registaram quebra de produção no primeiro semestre. E 65% antecipam nova quebra do volume de negócios na segunda metade do ano. “Estes indicadores evidenciam que a tendência negativa não é pontual, mas prolongada. E sem uma inversão da procura ou medidas de apoio eficazes, dificilmente 2025 conseguirá recuperar para os níveis de 2023”, analisa a diretora-geral.

Apesar da difícil conjuntura, a porta-voz da ATP nota que “o setor português mantém capacidade de inovação, diferenciação e internacionalização”. “O que pedimos é um enquadramento político e económico que permita transformar essa resiliência em crescimento sustentável”, conclui.

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