Tarifas de Trump rendem ao Tesouro dos EUA quase 90 mil milhões de dólares em cinco meses
A receita das tarifas comerciais de Trump parece um jackpot, mas representam apenas 6,2% do volume de importações de bens e estão a pressionar a inflação nos EUA, que em agosto renovou máximos do ano.
As tarifas da administração Trump, anunciadas a 2 de abril, estão a ter um impacto significativo na fatura global de direitos aduaneiros arrecadados pelo Tesouro dos EUA. Em agosto, as receitas aduaneiras geradas com a importação de bens alcançaram um novo máximo mensal histórico de 29,5 mil milhões de dólares, com as tarifas a serem responsáveis por uma importante parte deste bolo fiscal.
Apesar dos números impressionantes, a realidade fiscal revela uma dimensão bem mais modesta desta estratégia comercial quando confrontada com a totalidade das receitas federais e o crescimento simultâneo da inflação na maior economia do mundo.
Os dados mais recentes do Departamento do Tesouro norte-americano mostram que em agosto, a máquina fiscal dos EUA registou o valor mensal mais elevado de sempre em direitos aduaneiros, com 29,5 mil milhões de dólares recolhidos, representando um aumento de quase 318% face ao mesmo mês do ano anterior, quando registou pouco mais de sete mil milhões de dólares.
Desde abril que cerca de 70% dos direitos aduaneiros recolhidos pela Customs Border Protection Agency [entidade que controla a entrada de artigos nos EUA] estão ligados às novas tarifas comerciais.
Esta escalada não aconteceu por acaso: desde abril, quando Trump anunciou o seu regime de tarifas comerciais “recíprocas”, o Tesouro americano já arrecadou quase 90 mil milhões de dólares adicionais de direitos aduaneiros com esta política, numa média mensal de 18 mil milhões de dólares, segundo cálculos do ECO, com base na evolução das receitas líquidas mensais provenientes de direitos aduaneiros dos últimos três anos.
“Dado o aumento das taxas tarifárias efetivas, esperamos que as receitas das tarifas compensem significativamente os resultados fiscais mais fracos que poderiam estar associados à recente legislação orçamental [promovida pela popular “One Big Beautiful Bill Act”], que contém tanto cortes como aumentos em impostos e despesa”, refere Lisa Schineller, analista da Standard & Poor’s, no comunicado que acompanha a última análise do rating dos EUA, publicada a 18 de agosto.
Isto não significa que este montante foi totalmente recolhido por via da cobrança das novas tarifas, mas reflete o impacto que essa política tem tido nas contas dos EUA após o anúncio das novas tarifas. Isto porque, apesar das tarifas terem sido anunciadas a 2 de abril e implementada com uma taxa de 10% sobre todos os países a 5 de abril, as taxas mais elevados foram sujeitas a várias revisões e modificações desde então, consoante as negociações feitas entre a administração Trump e os governos dos vários países.
Desta forma, considerando a evolução dos direitos aduaneiros ao longo dos últimos três anos, observa-se que desde abril, cerca de 70% dos direitos aduaneiros recolhidos pela Customs Border Protection Agency [entidade que controla a entrada de artigos nos EUA] estão ligados às novas tarifas comerciais. Porém, quando colocamos estes números em perspetiva fiscal, a dimensão real das tarifas torna-se menos explosiva.
- Em agosto, as receitas fiscais totais dos EUA alcançaram 344 mil milhões de dólares, o que significa que o efeito das tarifas de Trump refletiu-se em cerca de 6,5% do montante total arrecadado no último mês.
- Considerando a balança comercial de bens dos EUA entre abril e agosto, verifica-se que as novas tarifas comerciais tiveram um impacto equivalente a cerca de 6,2% do volume total de importações de bens dos EUA.
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Inflação: o preço oculto das tarifas
Paralelamente a este aumento das receitas de direitos aduaneiros por conta das tarifas, os dados de inflação de agosto revelam a continuidade de uma tendência crescente da evolução dos preços na economia americana, com impacto direto da nova política comercial americana.
“O facto de estarmos a assistir a algumas das maiores tarifas desde a década de 1940 é, certamente, parte do aumento dos preços dos produtos“, afirma Sarah House, economista sénior da Wells Fargo Economics, citada pela CNBC.
De acordo com dados divulgados na quinta-feira pelo Departamento de Trabalho dos EUA, a taxa de inflação homóloga fixou-se nos 2,9%. Apesar de ter ficado em linha com as expectativas dos analistas, trata-se de uma taxa 0,2 pontos percentuais acima dos 2,7% registados em julho e o valor mais elevado desde janeiro de 2025.
Esta aceleração da generalidade dos preços tem crescido desde abril, quando alcançou 2,3% – o valor mais baixo desde fevereiro de 2021. O timing desta deterioração coincide precisamente com a implementação das tarifas comerciais de Trump, levantando questões sobre a relação causal entre estas duas variáveis económicas, que fica bem visível na decomposição dos números da inflação de agosto.
Apesar do montante gerado com as tarifas comerciais impressionar num primeiro olhar, representa apenas uma fração modesta do bolo fiscal dos EUA e contrasta com o impacto palpável – e cada vez mais pesado – na carteira dos consumidores com a pressão que esta política exerce sobre a taxa de inflação.
Isso é particularmente visível na evolução dos preços da energia doméstica, que subiram 7,4% em termos homólogos, contribuindo significativamente para a pressão inflacionária global. Entre esses serviços destaca-se a distribuição de gás canalizado, que em agosto registou uma subida homóloga de 13,8% – o maior aumento entre todos os indicadores do cabaz do índice de preços no consumidor.
Este grupo de produtos é afetado pelas tarifas, dado que os preços incluem o aumento dos custos para os utilizadores finais, a redução da atratividade da mudança para o gás e potenciais perturbações nas cadeias de abastecimento energético, impulsionados pelo aumento das despesas de construção e manutenção de gasodutos resultantes das tarifas sobre os equipamentos importados e particularmente sobre o aço, que apresenta uma tarifa de 50%.
Outro indicador que mostra a passagem das tarifas para os consumidores é visível no comportamento dos preços dos bens duradouros principais, que excluindo os automóveis, aumentaram 0,5% durante o mês de agosto e subiram a uma taxa anualizada de 8,5% nos últimos três meses. Trata-se de um valor “muito superior ao normal”, refere Preston Caldwell, economista sénior da Morningstar, uma vez que os preços dos bens tipicamente desaceleram ou permanecem estáveis numa base mensal.
Dominic Pappalardo, da Morningstar Wealth, aponta ainda para os preços dos carros novos (muitos a serem importados da Europa e da China), que subiram 0,3% em agosto face a julho, como outro sinal de que os preços mais elevados das importações estão a ser transferidos para os consumidores.
Se até junho os consumidores nos EUA absorveram cerca de 22% dos custos das tarifas, a sua participação aumentará para 67% se as tarifas mais recentes seguirem o padrão das cobranças dos anos anteriores, refere uma análise do Goldman Sachs.
Esta transferência de custos confirma a análise de que os importadores americanos acabam por suportar o peso das tarifas, contrariando as afirmações de que os países estrangeiros pagam estes direitos. E, segundo uma análise do Goldman Sachs, o impacto das tarifas do presidente Trump sobre os preços ao consumidor está apenas a começar.
Se até agora as empresas americanas têm absorvido a maioria do impacto das tarifas de Trump, os analistas do Goldman Sachs antevêem que o ónus será cada vez mais repassado aos consumidores à medida que as empresas aumentarem os preços, escreve a equipa de analistas lideradas por Jan Hatzius, numa nota enviada aos clientes do banco norte-americano em agosto.
Os especialistas referem que se até junho os consumidores nos EUA absorveram cerca de 22% dos custos das tarifas, a sua participação aumentará para 67% se as tarifas mais recentes seguirem o padrão das cobranças dos anos anteriores.
A política tarifária da administração Trump mostra-se assim uma faca de dois gumes: se por um lado alimenta um crescimento sem precedentes nas receitas aduaneiras do Tesouro, por outro expõe a economia norte-americana ao efeito corrosivo da inflação.
Contudo, apesar do montante gerado com as tarifas comerciais impressionar num primeiro olhar, representa apenas uma fração modesta do bolo fiscal dos EUA e contrasta com o impacto palpável – e cada vez mais pesado – na carteira dos consumidores com a pressão que esta política exerce sobre a taxa de inflação.
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