Instabilidade em França preocupa Zona Euro mas crise da dívida é pouco provável
Análise do BPI Research questiona "até que ponto esta crise se poderá tornar sistémica”, mas conclui que os desequilíbrios macro "não parecem excessivos”.
A instabilidade política em França tem vindo a afetar a economia, levando ao surgimento de receios de uma nova crise da dívida na Zona Euro, situação que, ainda assim, os analistas consideram ser pouco provável.
As finanças públicas francesas estão entre as mais deterioradas da Zona Euro, com uma dívida pública equivalente a 113,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no final de março (3,345 mil milhões de euros) e uma previsão do Governo de François Bayrou — que caiu na semana passada — de défice para 2025 de 5,4% do PIB.
O crescimento económico previsto é de 0,8%, mas a economia padece de uma crise de confiança generalizada, segundo o instituto de estatística INSEE.
O Banco de França reviu ligeiramente em alta a previsão de crescimento do PIB para este ano, para 0,7%, mas reviu em baixa as expectativas para 2026 e 2027 numa décima devido a receios de que a incerteza política afetará as decisões dos consumidores e das empresas.
Uma análise do BPI Research também questiona “até que ponto esta crise se poderá tornar sistémica”, mas conclui que os desequilíbrios macro “não parecem excessivos — o país sofre de perda de produtividade nos anos mais recentes, que se reflete em fraco crescimento económico, mas não padece de desequilíbrios estruturais fortes –, por exemplo, a sua dívida externa líquida é comparativamente baixa, cerca de 38% do PIB, a taxa de poupança das famílias é bastante elevada, cerca de 17% do rendimento disponível“.
A instabilidade política tem prejudicado a economia francesa e, na passada sexta-feira, a agência de notação financeira Fitch decidiu baixar a nota atribuída à divida soberana francesa para ‘A+’, sancionando o país pela situação política e pelas incertezas orçamentais, que comprometem o saneamento das suas contas públicas, que considera muito degradadas.
“A queda do Governo ilustra a fragmentação e a polarização crescente da política interna”, considerou a Fitch, em comunicado, apontando que a “instabilidade enfraquece a capacidade do sistema político a avançar com uma consolidação orçamental ampla” e considerando improvável a redução do défice abaixo do equivalente a 3% do PIB em 2029, como ambicionava o Governo que caiu, para colocar a França nos objetivos europeus.
O mercado reagiu à descida da notação de crédito de França com “uma subida dos juros das obrigações francesas e um aumento moderado do diferencial em relação aos títulos alemães para 81 pontos base — um nível observado pela última vez em janeiro”, salienta uma análise da Xtb.
“Os investidores esperam medidas concretas do novo Governo, que, para aprovar o orçamento, terá de procurar um acordo tanto com o centro-esquerda como com o centro-direita, sem perder o apoio da sua própria base”, lê-se.
Além disso, caso outras agências sigam o exemplo da Fitch, o risco de venda forçada de obrigações francesas por parte de alguns investidores institucionais aumentará e os custos mais elevados do serviço da dívida começarão a pesar no crescimento económico em termos reais nos próximos anos”, nota a Xtb.
Já o diretor de Macroeconomia Europeia da Oxford Economics, Ángel Talavera, nota que a subida das yields dos títulos franceses para o nível mais alto em 15 anos “está a alimentar receios de que a Zona Euro possa estar a caminhar para uma repetição das crises da dívida soberana de 2010-2012“.
“França agora paga um rendimento maior nos seus títulos de 10 anos do que Portugal, Espanha e até mesmo a Grécia, e está praticamente no mesmo nível da Itália, que há muito tempo é considerada o gatilho óbvio para uma futura crise da dívida na zona do euro”, alerta.
Apesar destes receios, o analista considera que a arquitetura da zona do euro “tem proteções mais fortes para lidar com o stress soberano”, existindo também outra diferença fundamental: “o Banco Central Europeu (BCE) agora é um apoio confiável graças aos seus programas de compra de títulos, que reduzem os riscos de contágio para países mais responsáveis orçamentalmente”.
"A subida das yields dos títulos franceses para o nível mais alto em 15 anos ‘está a alimentar receios de que a Zona Euro possa estar a caminhar para uma repetição das crises da dívida soberana de 2010-2012’”
“Além disso, os bancos estão melhor capitalizados e supervisionados, e a UE tem instrumentos fiscais que podem ser implantados em tempos de stress. Isso adiciona amortecedores que não existiam durante crises anteriores”, considera o analista, acreditando, assim, “que o contexto económico mais amplo também torna uma crise financeira completa menos provável”.
“Acresce que, no contexto da UEM [União Económica e Monetária], se verifica que o BCE dispõe atualmente de instrumentos e espaço de manobra importante para contrariar movimentos mais intensos de turbulência financeira e que possam eventualmente alastrar”, indica.
Ainda assim, serão necessárias medidas tomadas pelo novo Governo francês, sendo que uma análise da Eurointelligence destaca que “França pode não ter escolha a não ser aumentar os impostos para resolver a crise política, mesmo que isso possa se revelar economicamente desastroso“.
“Os socialistas fizeram do imposto sobre os ricos a condição sine qua non para um acordo de não censura com o Governo minoritário”, indica, enquanto “os macronistas, aterrorizados com uma dissolução, parecem dispostos a fazer qualquer coisa para impedi-la, mesmo que isso signifique desistir das políticas de oferta de Emmanuel Macron”.
Segundo esta análise, o debate tributário “também envia um sinal desastroso aos investidores estrangeiros, num momento em que Macron tentava vender França pelas suas vantagens, como os baixos custos de energia”.
França vive um impasse político desde a dissolução da Assembleia Nacional (Parlamento) em junho de 2024, agora dividida em três grandes blocos sem maioria (aliança de esquerda, centro-direita e extrema-direita).
O novo primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, é o quinto primeiro-ministro de Emmanuel Macron desde a sua reeleição em 2022 e o terceiro num ano, precisando agora de construir um Governo que dure mais tempo do que os dos seus antecessores (91 dias para Michel Barnier, menos de nove meses para François Bayrou) e, depois, aprovar um orçamento antes do final do ano.
Exportações de bens portugueses para França caem 1,2% até julho
As exportações de bens de Portugal para França caíram 1,2% nos primeiros sete meses do ano, em termos homólogos, para 5.830,1 milhões de euros, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Entre janeiro e julho, as importações cresceram 9,7% para 4.851,2 milhões de euros, o que corresponde a um saldo comercial positivo para Portugal de 978,9 milhões de euros.
No ano passado, as exportações para França totalizaram 9.534,4 milhões de euros, o que representa uma diminuição de 5,8% face a 2023, enquanto as importações subiram 6% para 7.726,6 milhões de euros.
Segundo o INE, em 2023 a França era o segundo cliente de Portugal, passando para terceiro lugar em 2024, posição que detém atualmente. Enquanto fornecedora de Portugal, França ocupa o terceiro lugar. No ano passado, Lisboa era o 14.º cliente de Paris e o seu 16.º fornecedor. Em 2024 contabilizavam-se 4.867 empresas exportadoras para França, contra 5.415 um ano antes. Eram 5.808 em 2022.
Entre os produtos mais exportados para França contam-se veículos e outros materiais de transporte (representou 15,5 do total no ano passado, tendo caído 13% 1.478,9 milhões de euros), seguida dos metais comuns (peso de 12,4%, com uma quebra de 6,6% para 1.180 milhões de euros) e de máquinas e aparelhos (peso de 12,1%, registando uma redução de 15,3% para 1.154,2 milhões de euros).
As compras de Lisboa a Paris caracterizam-se por veículos e outro material de transporte, que pesam 26,4% do total e que no ano passado somaram 2.043,5 milhões de euros (+5,1%), máquinas e aparelhos, com um peso de 16,1% (+14,8% para 1.246,7 milhões de euros) e químicos, que representa 11,6% do total (+9,4% para 892,5 milhões de euros).
Relativamente à balança comercial de serviços de Portugal com França, as exportações subiram 3,5% até junho para 2.864,4 milhões de euros e as importações avançaram 4,1% para 990,9 milhões de euros.
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